Crianças, activismo e propaganda digital

Apesar do papel crítico e da presença diária na sociedade contemporânea, propaganda e activismo não estão integrados de forma transversal no currículo educativo.

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Projeto de co-criação com mais de 250 crianças, organizado pelo Designedin e pelo capítulo português da associação Designing for Children’s Rights, em parceria com a Escola Artística Soares dos Reis, do Porto Clara Vieira Rodrigues
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Ao dizer a palavra "propaganda", despertei um grande interesse na minha filha. É um conceito complexo, capaz de moldar as narrativas sociais contemporâneas. Compreendê-la é vital para a democracia.

Durante as eleições, a propaganda emerge nas conversas, fora de períodos políticos, o tema é relegado a contextos históricos. No entanto, a propaganda ou propagação deliberada de ideias com o objetivo de influenciar e manipular a opinião pública, encontrou, no digital, novas formas de actuar.

A propaganda digital existe em conteúdos publicitários e redes sociais, utilizando tecnologias como a inteligência artificial para criar imagens, áudio e vídeos sintéticos, resultando em deepfakes e fake news. Segmentada em grupos demográficos e interesses, aumenta o impacto e eficácia. As crianças são um grupo vulnerável à persuasão e desinformação, jogos, apps, canais de vídeo, são apenas alguns dos ambientes onde têm contacto com propaganda digital.

Apesar do papel crítico e da presença diária na sociedade contemporânea, propaganda e activismo não estão integrados de forma transversal no currículo educativo.

Como equipar as crianças para entenderem e lidarem com a propaganda?

As crianças são co-criadoras do futuro digital. É urgente equipá-las com educação tecnológica e literacia digital e envolvermo-nos no desenvolvimento das políticas escolares para as orientarmos, de forma eficaz e consistente, no interface escola/casa. Algumas formas de explicar “propaganda” às crianças:

— Co-análise: fazer análises em conjunto e identificar o autor, objetivo e ponto de vista, incentivar a expressarem as suas visões e o raciocínio sobre diferentes pontos de vista;

— Pensamento multidimensional: estimular a curiosidade intelectual e o pensamento crítico, trabalhar a habilidade de compreender um tópico sob diversas perspectivas;

— Literacia mediática e visual: ajudar as crianças a entenderem meios de comunicação e publicidade, identificar símbolos, logótipos e analisar mensagens textuais e gráficas;

— Exemplos concretos: pessoas e movimentos ativistas que despertem o interesse das crianças, incentivá-las a refletir e desconstruir mensagens;

— Criação de propaganda: através de desenhos, vídeos, apresentações ou campanhas digitais simples, para entenderem as técnicas e processos envolvidos.

A propaganda é positiva quando aliada a causas e activismo

A Mafalda era uma ativista de 6 anos que odiava sopa, revoltava-se com as injustiças do mundo e era acérrima defensora dos Direitos Humanos. Em 1977, a Mafalda ilustrou uma campanha mundial da Unicef da Declaração Universal dos Direitos da Criança.

Existem exemplos inspiradores de crianças e jovens reais: Greta Thunberg, a famosa ativista ambiental contra a inação climática; Jack Andraka, activista e cientista que desenvolveu, aos 15 anos, uma ferramenta revolucionária para a oncologia; em Portugal, o grupo de jovens da Youth for Climate Justice, entre eles, a mais nova com 11 anos e o coletivo de jovens ativistas, Fridays for Future.

Na arte, Bordalo II, contra o consumismo, Banksy, pela justiça social, Ai Weiwei, pela liberdade de expressão e Yoko Ono, pela paz.

As crianças são agentes de mudança, têm o poder de fazer a diferença e influenciar positivamente a sociedade. No início dos anos 90, eu fui ativista, na primária, pelos “caça-cigarros”, um projeto da Liga Portuguesa Contra o Cancro, no qual eu e os meus colegas éramos agentes com a missão de combater o tabagismo e promover a educação para a saúde. Pequenas acções como esta podem ter um grande impacto quando feitas com determinação e propósito, eu nunca fumei.

Conclusão

Na complexa era da propaganda digital é essencial capacitar e empoderar as crianças para serem co-criadoras do futuro digital, promovendo o pensamento crítico e a literacia digital. Ao apoiar as suas ações e treinar as suas habilidades, as crianças tornam-se agentes ativos de mudança, exercendo os seus direitos e protegendo-se da influência negativa da propaganda.

O activismo é uma forma de construir um futuro inclusivo, onde as crianças desempenham o papel fundamental de co-criarem uma sociedade mais justa e equitativa e transformarem-se numa geração capaz de enfrentar os desafios do mundo digital com discernimento e responsabilidade.

Convido a conhecerem o meu projeto de activismo, em co-criação com mais de 250 crianças e jovens dos 3 aos 16 anos, intitulado "Temos direitos, desenhamos o futuro", organizado pelo projeto DESIGNEDIN e pela associação Designing for Children’s Rights.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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