Quem quer casar com a Carochinha?

As perguntas sobre os cenários de governação têm estado muito presentes na campanha eleitoral. No último debate televisivo, discutiu-se meia hora de “geometria” coligativa. Porque é que isto acontece?

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Megafone P3: Quem quer casar com a Carochinha? Pedro Pina - RTP
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A queda do 23.º Governo Constitucional de Portugal e as eleições antecipadas originaram a multiplicação de perguntas jornalísticas sobre as coligações, possíveis e imaginárias, que poderão sustentar o próximo Governo. À medida que nos aproximamos do dia 10 de Março, cada nova sondagem reitera o interesse da pergunta, já que poucos pontos percentuais de diferença podem alterar a relação de forças entre a esquerda e a direita, entre o PS e a AD, entre o ser preciso ou não ser preciso o Chega, entre...

Desta forma, os jornalistas repetem a pergunta e os políticos desdizem a resposta. O que afirmavam há uns dias muda consoante a estratégia e a adaptação às (não) respostas dos outros actores. No último debate televisivo, que incluía todos os partidos com assento parlamentar, usou-se perto de 25 minutos (cerca de um quarto do tempo do debate) a discutir a “geometria” política, como lhe chamou o jornalista Carlos Daniel. Porque é que isto acontece?

A necessidade de esclarecer os eleitores a propósito das coligações que as candidaturas aceitam ou rejeitam, das moções de censura em que alinham ou não alinham, do apoio parlamentar que dão ou deixam de dar, por acção ou omissão, deriva do sistema eleitoral português.

De acordo com uma definição estrita, um sistema eleitoral determina as regras através das quais os eleitores expressam as suas preferências políticas, convertendo votos em mandatos parlamentares ou noutros cargos políticos (Nohlen). Os sistemas eleitorais envolvem vários aspectos, como a distribuição dos círculos eleitorais (por número, uninominais ou plurinominais, e por magnitude, tamanho), a forma de candidatura e votação (individual ou de lista; com listas abertas ou fechadas, bloqueadas ou não) e a conversão de votos em mandatos (que é uma fórmula ou um método).

O princípio privilegiado dará origem ao propósito das eleições. Escolher entre o princípio da maioria ou aquele da representação dar-nos-á uma resposta sobre se as eleições servirão para garantir eficiência e clareza governativa ou uma representação social diversa. No primeiro caso, o propósito das eleições é produzirem uma maioria óbvia, claramente responsável (independente de coligações) e com eficácia governativa. No segundo caso, a finalidade das eleições é incluir vozes minoritárias para que haja uma maior representatividade de interesses, aderindo ao princípio da representatividade. Um sistema eleitoral é tanto melhor quanto cumprir estes objectivos.

O sistema eleitoral português (das eleições para a Assembleia da República) é de representação proporcional. Em teoria, privilegia a integração de vozes diversas no Parlamento em detrimento da formação de maiorias e da eficácia do governo.

Os partidos (ou coligações de partidos) apresentam-se a eleições em listas (plurinominais, com várias pessoas), fechadas (definida pela candidatura, não podendo o eleitor votar em candidatos de listas diferentes) e bloqueadas (sem possibilidade de alteração da ordem pelo votante) a um ou mais círculos eleitorais, que têm uma grande variação de magnitude, dependente da população de cada território (desde os dois deputados de Portalegre aos 48 de Lisboa). Após a contagem, é preciso transferir os votos em mandatos. Nas últimas eleições legislativas votaram cerca de 5.500.000 eleitores. Como converter estes votos em 230 deputados? Portugal usa o método de Hondt, que converte os votos em mandatos dividindo o número de votos por divisores inteiros, até à atribuição de todos os lugares.

Apesar da tendência teórica para a proporcionalidade, o sistema eleitoral português gerou várias maiorias absolutas, o que expõe o método de Hondt como um dos menos proporcionais, de entre os proporcionais. Ainda assim, o sistema eleitoral não deixa de ser essencialmente proporcional e depois da queda do 23.º Governo constitucional parece haver um desagrado em relação às maiorias absolutas. A proporcionalidade estrutural do sistema eleitoral e o desagrado conjuntural de maiorias absolutas levantam o interesse de questionar as candidaturas sobre os cenários de governabilidade e de coligação. Daí o interesse renovado na “geometria” política. Quem quer casar com a Carochinha? Mas todos se lembram que nas eleições passadas essa pergunta se revelou vã.

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