PCP, o partido do Trabant ou das formigas?

O PCP é em quase tudo um partido diferente de todos os outros. Por isso, é quase sempre tão difícil de compreender. Cada vez mais.

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Na terra de José Saramago, na Azinhaga, a noite era de frio. À luz dos candeeiros e sem holofotes mediáticos, na rua de casario térreo e modesto, João Oliveira e Bernardino Soares olhavam os imigrantes nos olhos. Parecia a velha praça da jorna cheia de explorados, ou os romances de luta de Manuel Tiago e Soeiro Pereira Gomes. Bernardino Soares falava em inglês e a plateia sentada em velhas cadeiras de sala ouvia atentamente. As palmas romperam efusivamente quando Bernardino disse a coisa mais simples deste mundo – “todos têm direito a uma vida melhor.” E é nesta simplicidade que o PCP conta.

O PCP é em quase tudo um partido diferente de todos os outros. Por isso, é quase sempre tão difícil de compreender. Cada vez mais. Numa época da “política de plástico”, os comunistas portugueses não se conseguem encaixar. São teimosos em afirmar a política pela nobreza da política. Uma arte e uma ciência ao serviço das pessoas. Cortam a direito. Não ficam em cima do muro. Ficam muitas vezes mal na fotografia. São incorruptíveis. Cumprem a palavra dada. Comunicam como se todos os portugueses tivessem lido o Capital de Karl Marx. Fica sempre a sensação de que estão fora de tempo. Não nos interrogamos – não há tempo para isso – se é este realmente o tempo que nós queremos e merecemos enquanto sociedade colectiva. Quem terá razão? Os teimosos comunistas portugueses ou os vendedores de ilusões?

As respostas são muitas. Com cassetes de parte a parte. Não tolero que o PCP não critique a perseguição ao Partido Comunista da Venezuela por parte de Maduro. Assim como não tolero os que afirmam que o PCP é contra a iniciativa privada. O sectarismo e a miopia são válidos para os dois lados da barricada. O anticomunismo foi Estado durante 48 anos e dura há 50 anos desde a criação da moca de Rio Maior. O sonho comunista ruiu na outra ponta da Europa.

A direcção do PCP já não tem o pedigree de outros tempos. Homens e mulheres de elevada inteligência e fraternidade. Para não falar de resistência. Na Soeiro há burocratas, carreiristas, “encostados” e impreparados. Aqui é um partido igual aos outros. Mas também há gente com um grande sentido de humanidade. Quero acreditar que são em grande maioria. E para mim são esses que contam.

São esses que falam numa noite fria para os explorados imigrantes. São os que estão com os pescadores. Nas empresas. Nas escolas. Nos hospitais. Nos teatros. No parlamento. Os comunistas portugueses são formigas que fazem carreiros por todo o lado. Carreiros, como dizem, para uma vida melhor. E o que é certo é que na nossa vida, das pequenas às grandes coisas, quase sempre está a marca PCP. Por exemplo, este texto não vai conhecer o lápis azul. A Liberdade é a coisa mais bonita do mundo.

Paulo Raimundo, o ilustre desconhecido. Quantos comunistas ficaram atordoados com o seu nome. Quem é? Quantos ficaram zangados? Queriam o João Ferreira. Mas o PCP é assim. Uma caixinha de surpresas. E Raimundo lá vai andando a ganhar terreno mesmo com a sombra do Ferreira. Raimundo é um português igual aos milhões de portugueses. Não é filho de famílias abastadas, não estudou em Oxford, tem um salário baixo, faz contas ao aumento do spread e fala para que todos o entendam. Não é um privilegiado. Deixou de lado a linguagem própria do PCP, que ora era cassete, ora era incompreensível. Raimundo vai fazendo ao seu jeito. Se isso é suficiente para revolucionar o PCP por dentro, não sei e tenho dúvidas.

António Sampaio da Nóvoa afirmou que “a ausência do PCP no Parlamento seria uma coisa muito empobrecedora da nossa democracia”. Nunca concordei tanto com Sampaio da Nóvoa. E num tempo em que o neofascismo avança, sabemos bem quem lhes fará frente.

Todos conhecemos os tiros nos pés que o PCP deu. Teimosia? Erros de análise? Erros de comunicação? Muita coisa. Coisas demais. Como diz um comunista meu amigo, “há penaltis indefensáveis”. Mas pior que os tiros nos pés, são os tiros no coração. Magoam e sangram. Levam à morte. Faço parte dos desiludidos. Estou ligado à máquina. O que me faz não desligar o botão são os carreiros de formigas. Bernardino Soares, Alma Rivera, António Filipe e Bruno Dias são formigas do empenho e da dignidade. Formigas de ideias boas que o país necessita.

Já tivemos o partido do táxi que agora só lá vai com reboque. Paulo Raimundo não deve querer ir para o Parlamento de Trabant. Por mim, mesmo ligado à máquina, vou ajudar a que as formigas façam carreiros no Parlamento. Necessitamos mais do que nunca. E acabem lá com os tiros no coração.

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