Décima criança “morre à fome” em Gaza. ONU diz que número real deve ser maior

EUA concretizam primeira entrega de ajuda por via aérea em Gaza.

Foto
Número de crianças que morreram à fome em Gaza pode ser bem maior do que o conhecido REUTERS/Ibraheem Abu Mustafa
Ouça este artigo
00:00
05:05

A ONU confirmou que registou na sexta-feira a décima morte de uma criança por "fome" em Gaza. No entanto, ainda de acordo com as Nações Unidas, o "número real é provavelmente mais elevado". Neste sábado, os EUA fizeram a primeira entrega aérea de alimentos na Faixa de Gaza, numa altura em que as conversações para um cessar-fogo devem ser retomadas no Cairo.

"Os registos oficiais, ontem ou esta manhã [sábado], dizem que há uma décima criança oficialmente registada num hospital como tendo morrido à fome", disse o porta-voz da agência de saúde da ONU, Christian Lindmeier. "Um limiar muito triste... [mas] é de esperar que os números não oficiais sejam, infelizmente, mais elevados", acrescentou, citado pelo jornal The Guardian.

De acordo com um comunicado da ONU, na sequência da falta de alimentos, quatro crianças morreram no Hospital Kamal Adwan, no Norte de Gaza, e outras crianças já tinham morrido, na quarta-feira, nas mesmas instalações e no Hospital Al-Shifa, na cidade de Gaza.

Segundo a UNRWA (a agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos), a quantidade de ajuda que chegou a Gaza em Fevereiro foi muito mais reduzida do que em Janeiro. No primeiro mês do ano entraram em Gaza cerca de 150 camiões todos os dias, sendo em Fevereiro 97. Antes do conflito, entravam em média 500 camiões com alimentos no enclave todos os dias.

"O sistema em Gaza — já dissemos muitas vezes que está de rastos — está, aliás, mais do que de rastos", referiu Lindmeier aos jornalistas em Genebra, explicando que todas as "linhas de vida de Gaza foram mais ou menos cortadas", nomeadamente a água e a electricidade, logo depois do ataque do Hamas em Israel, no dia 7 de Outubro.

Neste sábado, a Força Aérea dos EUA concretizou o primeiro lançamento aéreo de ajuda humanitária em Gaza, indicaram duas fontes militares norte-americanas à Reuters. Uma das fontes consultadas pela agência disse que foram lançadas por via aérea mais de 35 mil refeições.​ Outros países, incluindo a França, o Egipto e a Jordânia, efectuaram lançamentos aéreos de ajuda a Gaza nos últimos dias.

No entanto, a decisão do Governo norte-americano de lançar alimentos por via aérea para Gaza está a ser alvo de críticas por grupos internacionais. "Os lançamentos aéreos não substituem e não podem substituir o acesso humanitário", afirmou a International Rescue Commitee, uma organização de ajuda com sede em Nova Iorque, numa declaração no sábado. "Os lançamentos aéreos não são a solução para aliviar este sofrimento e desviam tempo e esforço de soluções comprovadas para ajudar em grande escala", cita o jornal The New York Times.

Na plataforma X, Dave Harden, antigo director da missão da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional na Cisjordânia, questiona também esta estratégia. "As entregas aéreas são ineficientes, caras, perigosas e só são úteis quando não há outras opções de entrega. As entregas aéreas destinam-se sobretudo a beneficiar a administração Biden — para encobrir um enorme fracasso político", criticou na sexta-feira. "Como é que a administração Biden vai controlar a distribuição para não criar mais danos e riscos?", questionou, ainda, o antigo responsável.

Conversações para cessar-fogo vão ser retomadas

As negociações para um cessar-fogo em Gaza vão ser retomadas, neste domingo, no Cairo, segundo avança a agência Reuters, que cita fontes da diplomacia egípcia. Apesar das mortes de mais de cem palestinianos, na quinta-feira, depois de um incidente com um carro de combate israelita, que disparou contra civis que rodeavam camiões de ajuda alimentar, o Presidente norte-americano continua a defender que é possível uma trégua antes do Ramadão.

"Espero que sim, ainda estamos a trabalhar arduamente nisso. Ainda não chegámos lá", disse Joe Biden aos jornalistas na Casa Branca, quando questionado se esperava um acordo até ao Ramadão, que começa a 10 ou 11 de Março, dependendo do calendário lunar.

À agência Reuters, duas fontes da diplomacia egípcia indicaram que as conversações para um cessar-fogo serão retomadas neste domingo. Ainda de acordo com a mesma agência, o incidente de quinta-feira não abrandou as conversações, levando mesmo negociadores a apressarem-se para preservar o progresso. De acordo com a AFP, uma delegação do Hamas era esperada, já neste sábado, no Cairo.

A delegação palestiniana vai "encontrar-se com os egípcios que supervisionam as negociações de cessar-fogo, para acompanhar os desenvolvimentos das negociações que visam parar a ofensiva e a guerra, e para chegar a um acordo de troca de reféns", disse fonte próxima do Hamas, que falou sob condição de anonimato. De acordo com a AFP, a fonte disse que a delegação apresentaria a "resposta oficial" do Hamas a uma proposta discutida com os negociadores israelitas em Paris no final do mês passado.

As fontes egípcias afirmaram que as partes tinham chegado a acordo sobre a duração de uma trégua em Gaza, bem como sobre a libertação de reféns e prisioneiros, acrescentando que a conclusão do acordo exige ainda um pacto sobre a retirada das forças israelitas do Norte de Gaza e o regresso dos seus residentes.

Um funcionário palestiniano, envolvido nos esforços de mediação não confirmou, no entanto, as conversações que deverão decorrer no Cairo. "Quando se trata de acabar com a guerra e retirar as forças de Gaza, as lacunas permanecem intactas", disse o mesmo funcionário.

Sugerir correcção
Ler 10 comentários