EUA, Alemanha e França pedem investigação a disparos sobre civis à espera de ajuda em Gaza
Militares israelitas atiraram sobre uma multidão de civis desesperados por ajuda humanitária, causando mais de 100 mortes.
Os Estados Unidos e a Alemanha pediram uma investigação exaustiva ao que aconteceu na quinta-feira na Cidade de Gaza, no Norte do território, onde a ajuda tem chegado com muito mais dificuldades do que no Sul, com pessoas desesperadas a tentar chegar a camiões de ajuda e tiros israelitas disparados a dada altura, levando à morte de mais de cem pessoas. França foi mais longe e pediu mesmo uma investigação independente.
Na quinta-feira, mais de cem palestinianos morreram em circunstâncias ainda não totalmente esclarecidas. Sabe-se que rodearam os camiões de uma coluna de ajuda (eram 38), que a dada altura um carro de combate israelita disparou contra civis (o Exército de Israel diz que estes se dirigiram para eles, sentindo que a sua vida estava em risco), não sendo claro se o pânico precedeu os disparos ou foi causado por eles.
O Norte da Faixa de Gaza tem recebido muito menos ajuda humanitária, e há pessoas a comer ervas ou cereais que serviriam para alimentar animais, ou a escavar a terra para tentar aceder a canalização para conseguir água – é um desespero ainda maior do que no Sul.
Várias vozes, de analistas a organizações não governamentais, têm dito que o que quer que tenha acontecido, estas mortes do modo em que ocorreram são responsabilidade de Israel. E têm potencial de ser um ponto de viragem na guerra.
No Haaretz, Amos Harel escreve que, “desde o início da guerra na Faixa de Gaza, um perigo que tem pairado concretizou-se na quinta-feira: um acidente que provocou mortes em massa num confronto entre as Forças de Defesa de Israel e civis palestinianos, que vai afectar a continuação dos combates e reduzir as possibilidades que Israel tem disponíveis”.
Houve, nas últimas semanas, “conversações intensas entre Israel e a comunidade internacional para tentar aliviar de algum modo” a situação no Norte da Faixa de Gaza “e encontrar modos de distribuir ajuda em segurança”, diz Harel. E acrescenta: “Há aqui um paradoxo: nas zonas controladas pelo Hamas, a distribuição de ajuda é mais ordeira, mas a organização também saqueia as provisões. Porém, sem a organização, o caos é ainda maior.”
Ainda na quinta-feira, a porta-voz da Casa Branca Olivia Dalton disse que os Estados Unidos pediram ao Governo de Israel para levar a cabo uma “investigação exaustiva” sobre o que se passou à volta dos camiões de ajuda na Cidade de Gaza e das circunstâncias que levaram aos dispros
O jornalista Barak Ravid, do site Axios, lembrou na rede social X que a Casa Branca já tinha avisado Israel para potenciais consequências de uma situação de caos e desespero e o que aconteceu mostrou a razão de ser do aviso.
“Os Estados Unidos pediram a Israel durante várias semanas um plano viável para manter segurança básica em zonas de Gaza onde estejam concluídas as operações militares do Exército israelita contra o Hamas”, como em boa parte do Norte da Faixa de Gaza, acrescentou a porta-voz da Casa Branca. “Ainda não vimos esses planos e isso causa-nos uma grande preocupação.”
Da Alemanha, a ministra dos Negócios Estrangeiros, Annalena Baerbock, disse que era preciso saber o que aconteceu. “Os relatos de Gaza chocaram-me. O Exército israelita tem de explicar totalmente como é que o pânico em massa e os disparos podem ter acontecido.” Baerbock disse que era preciso a entrada “imediata” de ajuda humanitária e pediu um “cessar-fogo humanitário” que permitisse também a libertação dos reféns israelitas ainda na Faixa de Gaza.
De França o pedido foi mais longe: Paris quer mesmo uma “investigação independente”, declarou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Stéphane Séjourné.
“Vamos pedir explicações, e terá de haver uma investigação independente para determinar o que aconteceu”, disse Séjourné à rádio France Inter. “A França chama as coisas pelos seus nomes. Isso aplica-se quando designamos o Hamas como o grupo terrorista, mas também temos de chamar as coisas pelo seu nome quando há atrocidades em Gaza.”
Da União Europeia, Josep Borrell, o responsável pela Política Externa, disse estar horrorizado por “mais uma mortandade entre civis em Gaza desesperados por ajuda humanitária”. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, declarou estar “profundamente perturbada pelas imagens de Gaza”, acrescentando que “têm de ser feitos todos os esforços para investigar o que aconteceu e assegurar transparência”.