Sem contrato, bolseiros de investigação não recebem 26% do salário

O salário não é tudo, mas numa altura em que se discute a merecida reposição do tempo integral de serviço dos professores, parece-me imperativo que se valorize também a investigação.

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Megafone P3: Sem contrato, bolseiros de investigação não recebem o equivalente a 26% do salário Paulo Pimenta
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O crónico subfinanciamento da ciência já foi discutido neste jornal, juntamente com a falta de previsibilidade das datas dos concursos para financiamento de projetos de investigação científica e os truques usadas pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) nesse financiamento. Atualmente, na arena política, tem-se falado da necessidade de modernizar a indústria portuguesa com base em mais inovação e mais tecnologia, propósito no qual a FCT, principal financiadora de investigação científica em Portugal, tem um papel fulcral.

Para tal, é necessária uma maior valorização da ciência, para tornar o país globalmente mais competitivo e impedir a fuga de talento de mentes altamente capazes para locais onde a ciência é mais valorizada. Ora, esta valorização pode ser feita de inúmeras formas, mas neste artigo, focar-me-ei apenas no estatuto de bolseiro de investigação e as suas implicações, especificamente de um ponto de vista financeiro.

O estatuto de bolseiro de investigação exige exclusividade, mas o contrato de bolsa, que o confere, não gera qualquer vínculo jurídico-laboral. Diferentemente do contrato de trabalho, através do qual muitos doutoramentos são financiados pela Europa (Espanha, Dinamarca, Bélgica, etc.), o contrato de bolsa de investigação não contempla nem subsídio de alimentação, nem os subsídios de férias e de Natal. O bolseiro de investigação não desconta para a Segurança Social e, terminado o contrato, não é elegível para o subsídio de desemprego.

Umas contas rápidas ilustram melhor esta desvalorização dos mais básicos direitos laborais. Façamos as contas para um bolseiro de doutoramento (da FCT), que, em 2024, recebe, em valor líquido, cerca de 1260 euros ao mês (15.120 euros ao ano, visto receber apenas 12 meses). Ficam por receber 3972 euros, 1452 euros dos quais relativos ao subsídio de alimentação (assumindo o valor mínimo de 6 euros por 22 dias, durante 11 meses) e 2520 euros do subsídio de férias mais o de Natal. Devido à inexistência de um contrato de trabalho, 26% do salário anual de um bolseiro de doutoramento ficam por receber. Por outras palavras, e uma vez que há obrigatoriedade de pagamento de subsídio de alimentação na função pública, um doutorando recebe o mesmo ao ano que um funcionário público que receba 895 euros líquidos por mês (a 14 meses) mais o mínimo de subsídio de alimentação exigido por lei.

Torna-se, pois, clara a completa desvalorização da investigação em Portugal, especialmente quando o doutoramento é a principal porta de entrada para a investigação. A esta desvalorização salarial somam-se: os atrasos na contratualização das bolsas da FCT, não sendo incomum bolseiros estarem vários meses até começarem a receber; os atrasos na prorrogação da bolsa; a exclusão do mecanismo de devolução de propinas anunciado pelo Primeiro-Ministro para jovens que fiquem a trabalhar em Portugal após a conclusão do ensino superior, dado ser dirigido apenas a trabalhadores; o pagamento de taxa de entrega de doutoramento, que ronda os 300 euros, podendo chegar aos 700 euros em algumas universidades; o corte em apoios, incluindo assistência no pagamento de propinas no exterior, subsídios de viagem e de participação em conferências, entre outros. A ausência destes apoios faz dos bolseiros trabalhadores de baixo custo, apesar da sua elevada qualificação.

O salário não é tudo, mas numa altura em que se discute a merecida reposição do tempo integral de serviço dos professores e a valorização de carreiras do SNS (entre outras), parece-me imperativo que se valorize também a investigação, considerando que em Portugal a carreira propriamente dita não existe. Nos últimos anos, a FCT corrigiu esta situação precária para as bolsas pós-doutoramento, passando a celebrar contratos de trabalho. No seu site, reconhece a precariedade das bolsas de investigação e afirma que a sua progressiva substituição por contratos de emprego científico reflete “melhores condições de trabalho para os investigadores doutorados”. Este reconhecimento necessita, porém, de ser feito também para bolsas de doutoramento e, para tal, é preciso coerência por parte do Governo e da FCT.

A pergunta central para qualquer decisor político é qual seria o impacto orçamental desta medida. Voltando às contas, segundo dados da FCT, havia 8598 bolsas de investigação (não sendo todas de doutoramento) a serem financiadas em 2022, com um custo de 142 milhões de euros, ou 23% do investimento total da FCT em 2022. Usando um simulador de salários online e assumindo o mesmo rendimento mensal líquido de 1260 euros para todos os bolseiros, ao qual se soma o subsídio de alimentação e os 13.º e 14.º meses, o Estado gastaria mais 85% por bolseiro. Isto traduz-se num acréscimo de despesa de 124 milhões de euros para 2022, se bem que uma parte significativa deste acréscimo de despesa se refletiria no pagamento de IRS que seria devolvido ao Estado. Podendo parecer um impacto orçamental significativo, em 2019 a FCT aumentou a despesa com emprego científico em 300%, de 34 milhões de euros para 102 milhões de euros, exatamente com a substituição de bolsas de pós-doutoramento por contratos de trabalho. Falta apenas dar o mesmo passo para as bolsas de investigação.

Para terminar, no dia 9 de fevereiro, no Instituto de Ciências Sociais, houve um debate com os partidos sobre ensino superior e investigação científica, onde um dos temas centrais foi o estatuto de bolseiro de investigação. Todos os representantes partidários concordaram na precariedade deste estatuto com a maioria dos partidos a prometerem a sua passagem para contrato de trabalho. Tendo em conta que esta discussão já dura há décadas, e que vários partidos já se tinham comprometido com esta revisão, será que poderemos confiar desta vez neste discurso? Temos de exigir mais, mais ambição, mais valorização, melhor gestão pública, mas, acima de tudo, coerência entre o discurso político e as medidas efetivamente aplicadas.

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