Na Índia, um “leão muçulmano” e uma “leoa hindu” tiveram de ser separados. E o caso chegou a tribunal

Um grupo de hindus nacionalistas fez queixa por um leão com nome de um imperador mogol estar junto de uma leoa com nome de uma deusa hindu. O caso foi a tribunal.

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O Supremo Tribunal de Calcutá pediu ao estado indiano de Bengala Ocidental para mudar o nome de dois leões que vivem num zoo. O motivo: a leoa chama-se Sita, em homenagem à deusa hindu, e o leão chama-se Akbar, nome do imperador mogol, figura odiada entre os nacionalistas hindus.

Foi por isso mesmo que a organização Vishwa Hindu Parishad (VHP) considerou a situação uma blasfémia — opondo-se até à continuidade dos animais no mesmo zoo. “Sita não pode ficar com o imperador Akbar”, sublinhou o representante da VHP, citado pela Al Jazeera.

E, na passada quinta-feira, o tribunal decidiu: os animais não podem ser baptizados em homenagem a “deuses hindus, profetas muçulmanos, figuras do cristianismo, vencedores de Nobel ou activistas pela liberdade”. E questionou se seria prudente dar a animais o nome de pessoas. “Poderiam ter evitado uma controvérsia”, considerou o juiz.

Membros do VHP, que tem ligações ao primeiro-ministro, Narendra Modi, do partido nacionalista Bharatiya Janata, afirmam ter recebido queixas de toda a Índia pela ofensa religiosa. Dizem ainda que o leão foi inicialmente baptizado Ram, deus hindu e marido de Sita, e que o nome terá sido mudado pelas autoridades de Bengala Ocidental — que desmentem esta acusação e garantem que os leões já chegaram ao Safari Park de Bengala com aqueles nomes.

“Sita é a cônjuge do deus hindu Ram, e é uma deusa sagrada para todos os hindus. Estes actos são uma blasfémia e um acto directo de desrespeito pelas crenças hindus”, acusou a organização, citada pela BBC.

Antes da decisão do tribunal, os leões já tinham sido separados, para evitar que acasalassem. O caso acontece numa altura em que o discurso de ódio contra muçulmanos aumentou 62% no país na segunda metade de 2023, segundo o estudo de um grupo de investigação sediado em Washington, citado pela agência Reuters. O mesmo estudo diz que 75% dos incidentes reportados aconteceram em estados governados pelo partido do primeiro-ministro.

“O que é chocante para mim é o facto de ser um caso de tribunal. É muito alarmante”, apontou Moumita Sen, professor de estudos culturais na Escola de Teologia, Religião e Sociedade da MF Norwegian School, à Al Jazeera. Sen acredita que alguns grupos hindus defendem que os leões também são susceptíveis ao conceito de “amor jihad” — uma teoria da conspiração que acusa os homens muçulmanos de tentarem seduzir mulheres hindus para as converterem ao islamismo.

Esta teoria foi amplamente difundida em 2021, quando vários estados indianos introduziram leis anticonversão e as autoridades começaram a perseguir homens muçulmanos e casais em que os cônjuges são de diferentes religiões.

A história tem dado que falar também nas redes sociais indianas, onde circulam memes e imagens geradas por inteligência artificial a retratar o que entretanto se tornou numa espécie de história de amor proibido. Leão e leoa separados por grades ou abraçados debaixo de uma árvore são algumas das imagens que têm servido para comentar a situação.

Também esses memes têm sido criticados pelo movimento nacionalista hindu, que têm pedido para serem retirados. À Al Jazeera, Pratiksha Menon, antiga jornalista indiana, referiu que “já não se pode brincar com nada” no país. “O humor político é levado muito a sério e considera-se que está a ofender as susceptibilidades hindus.”

Para a agora investigadora na Universidade do Michigan, este caso faz parte de uma “propaganda hindutva (ideologia de nacionalismo hindu) bastante oleada, que se mantém através da raiva”. “Se alguma ideologia ou grupo se queixa de ser vitimizado, tem de, numa base regular, mostrar exemplos de como está a ser vítima de algo.”

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