Eles marcaram com placas as caldeiras onde poderiam nascer dezenas de árvores no Porto

Duas associações do Porto quiseram contar as caldeiras vazias da cidade — e encontraram 70. Pedem à autarquia que plante árvores, como consta no plano de arborização que ainda não saiu da gaveta.

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Duas associações do Porto pedem à autarquia que plante árvores Nelson Garrido
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Desde o início do mês, quem caminha pelas ruas do Porto pode tropeçar em tabuletas de madeira onde, de forma provocatória, se lê: “Quero ser uma árvore.” Estão espalhadas um pouco por toda a cidade e, em comum, têm o facto de decorarem as caldeiras — os espaços abertos nos passeios para plantar árvores — vazias. A iniciativa foi da associação ambientalista Campo Aberto e do grupo Garra. O objectivo, esse é, claro: “Ver mais verde na rua.”

As placas foram instaladas depois de uma recolha parcial do número de caldeiras inutilizadas pelos dois colectivos. Dez voluntários, divididos em quatro grupos, encontraram pelo menos 70 caldeiras sem árvores (mas o número real pode ser bem superior, admitem) e, nesses espaços, instalaram 40 tabuletas de madeira, com um código QR que leva a uma página onde se pode ler o manifesto da acção.

E, ainda que não sirva para resolver a diminuição da mancha verde do Porto, Pedro Pardinhas, um dos responsáveis pelo grupo Garra, acredita que a iniciativa serve como um “pontapé inicial” para um projecto de fácil execução. “Não é preciso fazer mais buraco nenhum, já lá está a terra, é só levar a árvore e plantar”, afirma ao P3. “É uma coisa fácil para o executivo e permite que seja dada uma boa resposta ao problema, demonstrando preocupação para com o arvoredo urbano.”

Normalmente, as caldeiras ficam vazias quando uma árvore morre ou é retirada, por doença ou por interferir com a segurança ou boas condições do local. “Há um tempo necessário desde que a árvore é abatida ou morre até ao momento em que se pode replantar. Mas, no caso das caldeiras em que colocámos as tabuletas, estão totalmente vazias há muito tempo”, afirma.

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Admite que pensaram plantar as árvores nos locais das tabuletas, mas isso, em conjunto com a manutenção, iria exigir recursos que não têm de momento. Além disso, consideram que deve ser uma acção da responsabilidade do município. Notando que, até agora, a resposta da população tem sido positiva — o interesse é crescente —, Pedro lamenta a falta de resposta da autarquia, com quem querem cooperar.

Em Maio, a Câmara Municipal do Porto anunciou um plano de arborização da cidade, com um investimento em zonas arborizáveis — com quase 200 quilómetros de ruas onde podiam ser plantadas árvores. Contudo, os detalhes do plano (incluindo o cronograma) ficaram por revelar e Pedro Pardinhas receia que esteja na gaveta. “Estamos a falar de boas intenções e de um excelente diagnóstico, muito pormenorizado, mas nenhum compromisso. Não se sabe onde e quando vai começar, nem que ruas serão alvo desta iniciativa”, critica.

Em resposta ao P3, a Câmara Municipal do Porto refere que o plano “​não dá uma receita 'cristalizada” e inflexível”​​ para a arborização da cidade, pelo contrário: “​Oferece caminhos alternativos e uma visão prospectiva do que pode ser a compatibilização do arvoredo com o crescimento urbano e com as múltiplas utilizações do espaço público”​​. Rejeitando que haja qualquer demora na aplicação do plano, a câmara afirma que este documento não resolve “​de imediato todos os conflitos”, mas ​​oferece “uma visão holística de todas as 'oportunidades'” para a arborização do espaço público — identificadas por “toda a cidade​”.​

A mesma fonte admite que os esforços de arborização podem surgir “quer de iniciativa municipal, quer de iniciativa privada, com posterior cedência ao domínio público”. Contudo, no caso das plantações de iniciativa municipal, acontecem principalmente entre “​Novembro e Abril”, época que “garante a melhor taxa de sobrevivência e desenvolvimento fitossanitário saudável”. As caldeiras são constantemente monitorizadas e isso pode levar à sua “inviabilização” nos casos em que não apresentam “condições para suportar uma árvore que se desenvolva de forma saudável e não constitua, mais tarde, um risco para pessoas e bens”.

Coimbra serviu de inspiração

A inspiração para este projecto da Campo Aberto e Garra chegou de Coimbra. Em 2023, o grupo de activistas Eu Também fez uma “intervenção semelhante”. “Ficámos interessados, entrámos em contacto e eles emprestaram-nos as tabuletas, que reaproveitámos para fixar no Porto. Ficaram muito entusiasmados com a ideia”, lembra Pedro.

O Eu Também é composto por oito pessoas que organizam actividades dentro da comunidade, utilizando uma rede de “embaixadores de rua”, isto é, habitantes da zona que identificam problemas e comunicam as suas preocupações.

Adelino Gonçalves é um dos activistas que compõem esse grupo. Sozinho identificou centenas de caldeiras abandonadas em Coimbra, onde depois fixou as tabuletas. Ao P3, admite que este não é um problema local, é transversal: “As infra-estruturas para receber árvores em espaço urbano foram criadas na maior parte das cidades, mas continuam sem árvores. Tem de haver preocupação em reforçar o parque arbóreo dos centros urbanos e de reforçar a qualidade dos espaços públicos da cidade, até porque as árvores têm a vantagem de melhorar e qualificar espaços públicos.”

Em Coimbra, a iniciativa teve alguns resultados: “Depois da nossa acção, o presidente [da Câmara de Coimbra, José Manuel Silva] prometeu que todas as caldeiras teriam árvores até final do mandato. Já referiu publicamente e por escrito, num jornal local. Esta boa recepção deixa-nos com uma sensação de dever cumprido”, revelou Adelino Gonçalves.

“Nós identificámos as problemáticas de uma forma criativa. Não é só criticar. Por exemplo, os passeios degradados e a falta de árvores nas caldeiras apenas foram notados depois de chamarmos a atenção com recursos visuais. Pintámos as pedras degradadas dos passeios com tintas laváveis, colocámos tabuletas com frases de apelo… As pessoas esquecem-se dos problemas quando se tornam parte do quotidiano e só assim é que começam a despertar e a pedir soluções”, explicou o activista.

E como se sentiram quando souberam que o projecto foi replicado no Porto? “É óptimo. Não nos queremos apropriar da ideia. Queremos é que as ideias vinguem e que se espalhem.”

No Porto, as tabuletas já começaram a ser recolhidas. O objectivo delas foi cumprido: chamar a atenção para o problema. Agora, a esperança é que possam ser usadas noutros sítios “e que também se façam novas, para espalhar esta iniciativa por mais sítios no país”, afirma Pedro Pardinhas.

Texto editado por Inês Chaíça

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