Ira de Fürstenberg (1940-2024), a “última” das aristocratas

Entre romances com príncipes, uma carreira no cinema e a influência na moda, o nome de Ira cruzou-se com alguns dos maiores do séc. XX. E até se diz que ajudou a lançar Karl Lagerfeld.

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Ira de Fürstenberg em Matchless (1967), de Alberto Lattuada
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Foi modelo, designer de jóias, mas sobretudo parte da nata do jet set europeu. Ira de Fürstenberg morreu nesta segunda-feira, 19 de Fevereiro, em Roma. Tinha 83 anos e uma vida repleta de histórias, entre a aristocracia italiana e a realeza alemã. A família adianta à imprensa espanhola e italiana que “esteve bem de saúde até ao final”. A morte de Ira marca também o final de uma era de socialites, acreditava a própria. “Nasci num mundo que já não pertence aos aristocratas. Um mundo que já não existe.”

Era tudo bem diferente quando nasceu Virginia Carolina Theresa Pancrazia Galdina zu Fürstenberg a 18 de Abril de 1940, em Roma. Filha de Tassilo de Fürstenberg, príncipe alemão descendente de Carlos Magno, e de Clara Agnelli, uma das herdeiras da histórica marca automóvel de Turim, a Fiat, é escusado dizer que a infância de Ira não foi convencional. Quando se casou, o pai ofereceu-lhe um diamante das minas de Golconda (Índia), que havia pertencido a Josephine Bonaparte, e a família materna criou-lhe um Cinquecento vermelho, feito à medida para a “princesa”.

A incursão na moda começou cedo, aos 14 anos, quando desfilou para Emilio Pucci, então apenas um amigo da sua mãe que desenhava uma colecção de moda de banho. Pouco depois, aos 15 anos, ficou noiva do príncipe Alfonso de Hohenlohe-Langenburg, afilhado dos reis Afonso XIII e Vitória de Espanha. Ele tinha mais 31 anos quando se deu o enlace, em 1955.

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Ira de Fürstenberg, em 2012, na Costa do Marfim REUTERS/POOL

O casamento foi um dos acontecimentos sociais mais importantes do pós-Segunda Guerra Mundial. A celebração aconteceu em Veneza, com a noiva chegar numa gôndola e a usar um vestido assinado por Madeleine Vionnet, um dos grandes nomes da alta-costura francesa da época, recorda a revista Vogue — num tempo em que as marcas italianas ainda se dedicavam sobretudo a marroquinaria.

Pode ter sido um grande acontecimento social, mas não foi sinónimo de felicidade para o casamento, que terminaria cinco anos depois. “Era apenas uma miúda sem personalidade ou independência”, recordaria anos depois. “Casei-me jovem porque não queria estudar.”

Ainda assim, foi tempo suficiente para ajudar a fundar o Clube Marbella, em Espanha, criado na década de 1950 na propriedade da família do marido, que se tornou o hotel mais luxuoso da cidade. Entre os hóspedes, estiveram amigos do casal, como o multimilionário alemão Gunter Sachs, a actriz francesa Brigitte Bardot ou a princesa María Luisa da Prússia, prima da rainha emérita espanhola Sofia.

É também do casamento com o príncipe espanhol que nascem os seus dois únicos filhos: Christoph, conhecido como Kiko, que morreu numa prisão em Banguecoque, em 2006; e Hubertus, ex-esquiador olímpico e fotógrafo, presença habitual nas redes sociais. A morte do filho mais velho arrasou Ira de Fürstenberg, sobretudo por continuar a ser um mistério. Sabe-se apenas que Kiko estaria preso por suspeitas de ter manipulado o visto turístico para ficar na Tailândia.

Em 1960, depois de um enorme escândalo, trocou o marido pelo playboy ítalo-brasileiro Francisco Pignatari, conhecido por “Baby”. Poucos meses depois do início do romance, os dois casaram-se em Las Vegas, EUA. “Se ele não tivesse aparecido, nunca teria tido forças para deixar Alfonso e começar de novo. Acho que ‘Baby’ foi o amor da minha vida”, confessou à Vanity Fair.

O cinema e a moda

O divórcio foi o grito de liberdade de Ira de Fürstenberg, mas a paixão por “Baby” também durou pouco. Aos 24 anos, já a socialite era divorciada pela segunda vez. Num avião, terá conhecido o produtor de cinema Dino De Laurentiis, que a lançou como actriz. Em 1967, estreia-se então no grande ecrã com O Incomparável Espião, ao lado de Patrick O’​Neal. Foi um sucesso que a elevou a uma nova categoria: sex symbol. “O meu pai reagiu muito mal; incomodou-o eu ter-me despido no ecrã”, recordou recentemente ao Financial Times.

Nas décadas seguintes fez mais de 20 filmes, com destaque para o italiano Os Rapazes das Calçadas, ao lado de Alfredo Landa. Um dos seus últimos filmes foi em 1982, Plus Beau Que Moi, Tu Meurs​. O jornal italiano Il Messaggero reaviva que terá rejeitado o papel principal de Barbarella, que foi então atribuído a Jane Fonda.

Também nesta época enveredou pela moda e foi presidente de fragrâncias na Valentino, inaugurando, em simultâneo, uma loja de antiguidades em Londres. Na década de 1980, diz-se que foi também ela a responsável por ajudar a lançar Karl Lagerfeld na moda. Certo é que, até ao final da vida do criador alemão, a socialite sempre esteve presente na primeira fila dos seus desfiles.

Em 2019, o britânico Nick Foulkes publicou a biografia Ira: The Life and Times of a Princess (Ira: a Vida e Tempos de uma Princesa, em tradução livre). Além de contar a história da socialite, o livro reunia algumas das fotografias mais emblemáticas da italiana, que foi fotografada por nomes como Helmut Newton e Cecil Beaton, para revistas como a Vogue ou a Vanity Fair.

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Ira von Fürstenberg, em Matchless (1967), com Patrick O'Neal DR

Mais discreta nos romances com o avançar da idade, na década de 1990, a imprensa cor-de-rosa encheu-se com os rumores de um possível romance entre Ira de Fürstenberg e o príncipe Rainier do Mónaco, conhecido como “o grande viúvo da Europa” depois da morte de Grace Kelly. O caso nunca foi confirmado e, anos mais tarde, a italiana esclareceu que se tratou apenas de uma “grande amizade”.

Rainier do Mónaco foi dos grandes admiradores do trabalho artístico de Ira, que, no final dos anos 1990, começou a desenhar colecções de joalharia com metais preciosos. Apesar do carácter empreendedor, a italiana manteve sempre a vida de socialite, saltitando entre propriedades da família, da austríaca Strobl para Roma, de Londres a Madrid. Afinal, tinha de ajudar a manter a aristocracia, enquanto a espécie não se extinguisse.

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