Influencer parental e vlogger Ruby Franke condenada a 30 anos por cúmulo jurídico

“O que aconteceu a estas crianças e a filosofia ao lidar com elas parece francamente desconectada da realidade ou de qualquer padrão objectivo de decência ou mesmo de senso comum”, disse o juiz.

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Ruby Franke na altura em que tinha o canal de YouTube 8 Passengers DR
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Ruby Franke, a popular influencer parental norte-americana que chegou a dar conselhos a mais de dois milhões de seguidores do seu canal de YouTube sobre como educar filhos, foi condenada a cumprir, de forma consecutiva, uma pena de até 60 anos de prisão por quatro crimes de abuso agravado de menores. Assim, Franke poderá ter de cumprir até 30 anos de prisão efectiva, o tempo máximo por cúmulo jurídico para penas consecutivas no estado do Utah.

Igual sentença, de até 15 anos por cada crime, foi lida, nesta terça-feira, pelo juiz John Walton a Jodi Hildebrandt, a mulher a quem se associou a dar conselhos a mães e pais nas redes sociais.

Tanto Hildebrandt como Franke tinham assinado um acordo em que se declararam culpadas de quatro crimes de violência contra os filhos da vlogger, aos quais, segundo o procurador Eric Clarke, era “regularmente negada comida, água, camas para dormir e praticamente todas as formas de entretenimento”. Além disso, lembrou, “eram espancadas”, sendo que dois dos menores tiveram de ser hospitalizados, após a revelação dos abusos.

Nas alegações finais, Clarke destacou ainda como as crianças foram levadas a acreditar que o abuso era culpa delas, algo que, destacou, a sócia de Franke, Jodi Hildebrandt, não se coibiu de insinuar já depois das detenções. “Em conversas telefónicas, que serão fornecidas na íntegra ao Conselho de Indultos e Liberdade Condicional — e que ela sabia que estavam gravadas —, [Hildebrandt] afirmou repetidamente que ela é a vítima e que as crianças são as criminosas”, disse Clarke.

Também o juiz John Walton não poupou as palavras quando se dirigiu a Jodi Hildebrandt: “Esta circunstância é trágica; em grande parte, foi criada por si”, avaliou, citado pelo USA Today. E prosseguiu a análise ao caso: “É suposto os adultos protegerem as crianças. Os adultos com formação especializada, em particular, devem proteger as crianças. Não foi o que [Jodi] fez neste caso. Neste caso, aterrorizou as crianças e os resultados foram trágicos.”

Walton acrescentou: “O que aconteceu a estas crianças e a filosofia ao lidar com elas parece francamente desconectada da realidade ou de qualquer padrão objectivo de decência ou mesmo de senso comum.”

Antes, Hildebrandt dirigiu-se ao tribunal a lamentar o sucedido: “Eu amo sinceramente estas crianças”, disse a coach parental sobre os filhos de Ruby Franke. “Desejo que eles se curem física e emocionalmente. Uma das razões pelas quais não fui a julgamento foi porque não queria que eles revivessem emocionalmente a experiência que lhes tinha sido prejudicial. A minha esperança e as minhas preces vão no sentido de que eles se curem e sigam em frente para terem vidas bonitas.”

Já Ruby Franke chorou enquanto pedia desculpa aos filhos. “Eu (...) acreditava que o escuro era claro e que o certo era errado”, explicou. “Eu faria qualquer coisa neste mundo por vocês. Eu tirei de vocês tudo o que era suave, seguro e bom.”

Ao juiz John Walton, Franke justificou, dando a entender ter estado sob a influência de Hildebrandt: “Nos últimos quatro anos, optei por seguir conselhos e orientações que me levaram a uma ilusão sombria.”

Caberá agora ao Conselho de Indultos e Liberdade Condicional do Utah determinará quanto tempo Franke e Hildebrandt passarão encarceradas, adianta a NBC.

Quem é Ruby Franke?

Ruby Franke, de 42 anos, tornou-se conhecida dos norte-americanos como influencer parental, tendo granjeado fama pelo facto de defender métodos severos para educar os filhos, os mesmos que aplicava à sua prole de seis: Shari, agora com 20 anos; Chad, 19; Abby, 16; Julie, 14; Russell, 12; e Eve, nove​. Alguns dos momentos partilhados despertaram suspeitas de que o rigor de Franke era, na verdade, uma forma de agressão.

E, depois de alguns episódios suspeitos, uma petição acabaria por accionar os serviços de protecção de menores. Ruby, na altura apoiada pelo pai das crianças, Kevin Franke, justificou-se com o facto de os momentos terem sido descontextualizados. “Uma pessoa sensata não teria visto aquele vídeo e pensado: ‘Ela é uma abusadora de crianças’”, comentou Ruby Franke. Mas não convenceu a maioria das pessoas do público, o que resultaria, primeiro, numa redução de conteúdos, e, por fim, na eliminação do canal.

A influenciadora não desistiu, porém, de mostrar ao mundo a sua maneira de criar seis filhos, tendo criado um novo canal, em Junho de 2022. E, desta feita, com o ConneXions, não estava sozinha; ao seu lado, estava a sua parceira de negócios, Jodi Nan Hildebrandt. Juntas criaram ainda uma conta no Instagram, Moms of Truth, na qual orientavam mães e pais sobre as melhores maneiras de educar e viver com filhos.

Os abusos

A 30 de Agosto, o filho de 12 anos da influencer escapou da casa de Hildebrandt e bateu à porta de um vizinho a pedir ajuda. O menor, que pediu água e comida de imediato, apresentava sinais de maus tratos, o que levou o vizinho a ligar para o 911 (número que corresponde ao nacional 112).

No hospital, o rapaz, Russell, foi diagnosticado com desnutrição e foram observadas lacerações profundas por ter sido amarrado com cordas e fita adesiva. Accionadas as autoridades, também Eve, a mais nova da prole de Ruby Franke, com nove anos, foi encontrada malnutrida e com ferimentos — ambas as crianças estavam em casa de Hildebrandt.

As menores Abby, de 16, e Julie, de 14, foram levadas pelos serviços norte-americanos de protecção de crianças e jovens; Shari, com 20 anos, e Chad, com 18, manifestaram alívio por os irmãos estarem a salvo. “Seja feita justiça”, escreveu a filha mais velha nas stories do Instagram, citada pelo site de notícias HITC.

​Posteriormente, as duas mulheres foram detidas e as descobertas da polícia revelaram um cenário difícil de compreender, como gaze médica “arrumada ao lado de pimenta-de-caiena e pasta de mel”. Nas buscas foram ainda apreendidos outros artigos, como duas tigelas com um líquido vermelho e colheres de metal, três cordas, duas algemas, documentos, post-its, diários, fita adesiva, película aderente, ligaduras, um caderno, smartphones e computadores portáteis.

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