Descida da Cruz vai estar à venda em Maastricht e pode ir parar ao Met

A obra de Domingos Sequeira vai ser levada pela Colnaghi à feira de arte de Maastricht, que abre a 9 de Março. O galerista Philippe Mendes está a tentar convencer o museu nova-iorquino a comprá-la.

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A pintura Descida da Cruz, de Domingos Sequeira. No pedido de exportação, a obra é estimada em 1,2 milhões de euros wikicommons
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A obra-prima de Domingos Sequeira cuja exportação foi autorizada em Novembro pela extinta Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) vai ser a “cabeça de cartaz” da Galeria Colnaghi na TEFAF (The European Fine Art Fair) de Maastricht, que decorrerá de 9 a 14 de Março, noticiou esta segunda-feira o semanário Expresso na sua edição online. O galerista luso-francês Philippe Mendes, cuja galeria vai estar igualmente representada na feira dos Países Baixos, diz ao PÚBLICO que está a tentar persuadir o Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque, conhecido por Met, a adquirir a pintura portuguesa.

“A única saída para nos salvar do escândalo de uma pintura tão importante como esta aparecer assim à venda em Maastricht, e poder ser comprada por qualquer pessoa, seria a obra entrar numa grande instituição internacional, e gostava que fosse o Met”, assume o galerista. Outro candidato possível seria o Louvre, onde o galerista já trabalhou – e onde conseguiu que fosse exposta, em 2016, uma pintura de Josefa d’Óbidos –, mas o museu de Paris terá dado sinais de que não estava disposto a desembolsar os valores que poderão estar em cima da mesa. No pedido de exportação, a obra é estimada em 1,2 milhões de euros.

Philippe Mendes mantém a expectativa de que as negociações com o museu nova-iorquino cheguem ainda a bom porto, mas reconhece que já estiveram mais bem encaminhadas. A controvérsia pública em torno da saída do quadro, com o Ministério da Cultura (MC) a anunciar contactos com a família e a assumir a intenção de adquirir a Descida da Cruz, terá levado o Met a recear que a sua intervenção pudesse criar um incidente diplomático, conta o galerista.

Mendes parece também recear que o MC – que encarregou a nova Museus e Monumentos de Portugal de tentar negociar com o proprietário – não se fique pela intenção e possa mesmo tentar adquirir a obra. “Depois de não a terem comprado quando era possível, espero que não vão agora a Maastricht pagar três vezes mais só porque se sentem vexados e querem mostrar que são politicamente capazes de o fazer”, diz ainda o galerista. “Se têm dinheiro para isso, deixem ir a pintura para um grande museu internacional e comprem boa pintura espanhola, francesa ou italiana”, sugere, argumentando que os estrangeiros não vão ao Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) só para ver pintura portuguesa. “Vão para ver um Goya, um Greco, um Canaletto, e não por causa de um Sequeira a mais”.

Defendendo que o país “não pode querer ficar com tudo o que é português e tem de deixar sair estes quadros importantes para os grandes museus internacionais”, Philippe Mendes até admite que, neste caso em particular, “faria sentido” o MNAA tentar reunir as quatro pinturas que Sequeira realizou no final da vida, tanto mais que já possui os respectivos cartões preparatórios, mas acha que “a asneira já foi feita” e agora é preferível assegurar que a Descida da Cruz vá parar a uma instituição onde ajude a prestigiar a pintura portuguesa.

A presença da Descida da Cruz na feira de Maastricht está a ser antecipada com algum destaque pela imprensa especializada. O Expresso cita, entre outras publicações, a Ars Magazine, que chama a Domingos Sequeira “o Goya português” e uma “figura fundamental da arte portuguesa do século XIX”, descrevendo a pintura como “uma das jóias do pintor lisboeta”, na qual este “oferece uma masterclass de pinceladas, destaques e gestos de dezenas de personagens representadas”.

Num artigo co-assinado pela jornalista Christiana Martins e pelo correspondente do jornal em Madrid, Ángel Luis de la Calle, sugere-se que o anúncio de que a pintura estará em Março nos Países Baixos pode indiciar mais uma irregularidade no processo de exportação, já que a representante da Colnaghi em Madrid é expressamente citada como destino da exportação temporária da obra, que teria a duração de um ano e contemplaria a “possibilidade de venda”. Mais estranho, no entanto, é o facto de o correspondente do Expresso ter ido às três moradas da Colnaghi em Madrid e não ter encontrado a Descida da Cruz em nenhuma delas.

Criada em Londres, a galeria tem filiais em Nova Iorque e anuncia vários espaços na capital espanhola, mas o pedido que deu entrada na DGPC indica que o destino da obra é a Colnaghi Spain Fine Art, no subúrbio madrileno de Leganés, onde Ángel Luis de la Calle descobriu um edifício, numa “zona residencial de classe média baixa”, que não dava sinais de “poder funcionar nem mesmo como um armazém”. Não teve mais sorte nos outros dois endereços: um dos edifícios estava fechado para obras e o outro era uma loja de antiguidades, igualmente encerrada, e nenhum deles tinha qualquer letreiro ou placa que o associasse à Colnaghi. Ignora-se, pois, onde se encontra neste momento a Descida da Cruz, mas parece plausível que já esteja armazenada em Maastricht à espera da feira.

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