Um debate que não dá para memes
A meia hora entre Luís Montenegro e Rui Tavares poderia ser um exemplo para o ambiente faccioso em que vivemos. Mas é limitado o alcance de uma discussão em que ninguém arrasa ninguém.
Rui Tavares chegou ao seu último debate televisivo na ressaca de um frente-a-frente conturbado. Luís Montenegro vinha para um debate que chegou a dizer que não queria fazer.
Aquilo que se seguiu foi um plácido desenrolar de ideias, nem sempre fundamentalmente discordantes, sobre justiça, pensões, economia e (do trabalho e qualidade de vida até à habitação) sobre temas que tocam a vida dos jovens adultos.
Numa conversa em que quase não se interromperam, foi sobretudo nas questões relacionadas com os jovens que Montenegro e Tavares mais se aproximaram de um duelo. Fosse estratégia planeada ou oportunidade do momento, ambos aproveitaram a segunda parte da discussão na TVI para apontar baterias ao eleitorado na faixa etária dos 18 aos 35 anos.
Tavares falou, por exemplo, da sua proposta de herança social: "Poderíamos, ou através dos certificados de aforro ou através de um imposto sucessório sobre grandes heranças, acima de um milhão de euros, por exemplo, poder depositar à nascença cinco mil euros e, quando a pessoa faz 18 anos, [poder] aceder a esse dinheiro".
"Temos uma concepção diferente daquilo que é possível fazer para esta faixa etária", contrapôs Montenegro, para de seguida falar de propostas como a redução do IRS para trabalhadores com menos de 35 anos ou a isenção de IMT e imposto de selo na compra da primeira casa.
Sobre a semana de quatro dias – um tema transversal, mas a que as chamadas geração millenial e Z tendem a dar particular atenção –, Rui Tavares (há muito um defensor da ideia) mostrou-se mais convicto do que Montenegro: o líder do PSD tinha um equilíbrio mais difícil para fazer entre mostrar-se aberto ao conceito e a cautela de ir ao encontro dos empresários em que o partido encontra tradicionalmente uma parte do seu eleitorado. Mas nem aqui houve choque frontal. "Vale a pena explorar", disse Montenegro, para de seguida acrescentar: "De uma forma facultativa" e que "possa ser conciliável com a natureza da empresa que a está a implementar".
As curtas tiradas finais dos dois candidatos resumiram o tom. "Mais produtividade é salário mais alto", disse Tavares. "Assim se espera", retorquiu Montenegro.
Foi um debate (o 24.º desde o início do mês) que, como alguns outros, caiu no espartilho de um sprint cronometrado. Num debate de ideias, como este, algumas mereciam mais profundidade.
Porém, ainda que curtos, os minutos na televisão são submetidos ao efeito multiplicador da paisagem mediática moderna. Um debate de meia hora traduz-se em horas de comentário e análise, notas atribuídas em jornais e televisões, e textos como este que está a ler. E um debate, claro, é material para as redes sociais, uma táctica que alguns partidos exploram mais afoitamente do que outros.
A meia hora entre Montenegro e Tavares tem a vantagem de mostrar ao ambiente politicamente polarizado, da Internet e fora da Internet, que é possível discutir de forma serena e assente em ideias. Mas é improvável que o exemplo tenha grande alcance. Afinal, ninguém arrasou ninguém.