Cândido foi a Maputo, passeou no mangal e descobriu a arte maconde
A leitora Rita Neves Costa partiu à descoberta de Maputo e arredores, com amigos moçambicanos. “Um privilégio.”
Foi Cândido a Lisboa, ao Paraguai e talvez à Bulgária, mas não a Maputo, levo-o agora eu. Dez dias passei em Maputo e arredores, sempre acompanhada por maravilhosos amigos moçambicanos, um privilégio.
Julho de 2023, aqui é Inverno, o que significa que quase não há mosquitos (mas tomamos malarone), que está sol mas um pouco fresco de manhã, e o ano escolar normal está a decorrer. Então o que mais vejo são alunos, miúdos indo a pé para a escola, com os seus uniformes e mochilas coloridas, correndo, rindo. O que mais vejo também é o mar, os pescadores, as ilhas Xefinas ao longe, as cores entre o cinzento e o azul.
Visita turística clássica, gostei de descobrir a estação dos caminhos-de-ferro, a catedral, a casa de ferro, o instituto francês, a igreja da Polana, conhecida como “espremedor”, o museu de história natural – e, claro, a estátua do Samora Machel, de punho e dedo erguido, em frente à câmara municipal. Já a estátua que mais me interessou foi a da rotunda da OMM – Organização da Mulher Moçambicana. E assim aprendemos que a mulher moçambicana, hoje, veste uma saia de capulana até aos pés, na mão esquerda leva um livro, que vai lendo, e nas costas leva um filho.
Para capulanas, passagem recomendada na Casa dos Elefantes, onde a diversão passa por observar as altíssimas paredes cobertas de tecidos e padrões ou a técnica dos empregados da loja, que apontam para a parede como um professor universitário aponta uma fórmula escrita no quadro, apontam e lançam tecidos entre si, de uma ponta à outra da loja, para o cliente ver (já o professor lançava giz ao aluno distraído).
Comprei também, a vendedores à beira da estrada (há sempre tantos), castanhas de caju, água de lanho, o meu novo jornal predilecto Savana, e pode-se também comprar bata para empregada doméstica, e, claro, fruta e legumes, a lista é longa mas chegámos à FEIMA, feira de artesanato, onde decidi comprar batiks para oferecer. A questão espinhosa de ter de regatear o preço apresenta-se aqui. Gostaria eu de pagar o preço justo, assumindo que um preço justo teórico existe. Mas quero respeitar o vendedor, fazendo o meu melhor na arte deste diálogo. Naturalmente, o vendedor já percebeu que eu não sei nem qual é o preço justo, nem qual é o comportamento adequado do processo de negociação, enfim, acabamos por nos entender.
Percorro de novo estas avenidas com nomes que parecem tirados de um manual revolucionário dos anos 70: Vladimir Lenine, Mao Tse Tung, Kim Il-Sung, Kenneth Kaunda, Olof Palme, Salvador Allende. Não usei transportes públicos, mas menciono, para além dos chapas, as carrinhas de caixa aberta onde os passageiros se acomodam para que todos caibam e assim viajam juntos, e o nome carinhoso que deram ficou: "my love". De carro, vejo as lindas acácias, vejo os prédios com grades nas janelas, os passeios em mau estado, a publicidade sobretudo a marcas de telecomunicações e de cerveja, menciono pelo menos a Laurentina, que foi criada no tempo em que a cidade se chamava Lourenço Marques, e que acompanha muito bem os camarões no Restaurante Costa do Sol.
Outro restaurante histórico, o Piri-piri, onde provo o excelente frango com esse nome e também a deliciosa mboa, que é feita com folha de abóbora. Entretanto, na mesa ao lado chega um prato de bom aspecto, o meu olhar não escapa aos convivas, que insistem para que prove – e assim me deleitei com caril de amendoim.
Continuo a viagem, que inclui praias na Ponta do Ouro e na Macaneta, a descoberta de árvores e frutos, aliás, provei várias compotas (dizem jam), e agora o meu vocabulário inclui mangueiras, coqueiros, tamarindos, massala, maçanica, malambe, mafilua. Aprendi também a dizer cobra em várias línguas faladas no país: nhoca. Para a aprendizagem ser completa, tive a honra de ser saudada por um exemplar residente na ilha da Inhaca, fina, de cor verde, escolhendo o momento oportuno para cair no chão, um metro à minha frente.
Ah, a Inhaca, Ah, as praias longínquas. A travessia de barco não é para qualquer um, mas a visão dos flamingos levantando voo na chegada à ilha não me deixará. Tal como o mangal, já de novo na Costa do Sol, um lindíssimo ecossistema na transição de ambiente terrestre e marítimo, que é essa imagem de árvores que crescem em água salgada, e que na maré baixa parece uma espécie de paraíso.
Voltemos a terra, visita guiada ao bairro da Mafalala, e claro, cada um terá os seus dilemas morais, sempre trouxe o Cândido. O ponto alto da visita é o grande campo da bola, belo terreno de areia, onde começou Eusébio, mas também Maria de Lurdes Mutola aqui jogava futebol, antes de se converter ao atletismo e se tornar campeã olímpica.
Outra visita a assinalar, o Museu Nacional de Arte, incluindo pintura e alguma escultura maconde. A arte maconde que mais se vê em Maputo é a escultura em pau preto. Há dois tipos principais de esculturas, as representações da família, geralmente com várias figuras humanas, e as representações de figuras místicas, onde se inclui sempre uma cobra.
Como terminar o relato sem falar do bairro dos pescadores, dos murais do Malangatana, do baile de kizomba, da igreja do Malhangalene, da Fortaleza, da embaixada dos EUA junto ao mar, do café a dois euros em pastelarias normalíssimas, dos prédios do Pancho Guedes, da ponte da Catembe, dos jogadores de damas na rua, o tabuleiro bem assente nos dois pares de joelhos de ambos, as tampas de garrafas de plástico, brancas ou azuis, fazendo de peças, e Cândido perguntando-se se tudo ia pelo melhor no melhor dos mundos.
Rita Neves Costa (texto e fotos)