PS e Bloco ensaiam “noivado” mas não se entendem na casa e na saúde

A lutar por eleitorados que se sobrepõem, Pedro Nuno Santos e Mariana Mortágua acabaram por divergir nas medidas mais radicais que o Bloco propõe, mas encontraram muitas em comum.

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Pedro Nuno Santos e Mariana Mortágua discutiram alianças, saúde, habitação e renacionalizações. José Alves
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O sorriso largo de Mariana Mortágua depois da frase de Pedro Nuno Santos não enganava: a coordenadora bloquista conseguia, por via de uma pergunta do jornalista da RTP, pelo menos uma meia resposta. "Quando alguém olha para mim, evidentemente, sabe que há disposição para se construir uma solução de governo que não exclua o Bloco, com quem trabalhei vários anos", afirmava o líder socialista depois de lembrar os quatro anos "de boa memória" da chamada "geringonça", em que o PS se entendeu com o Bloco, o PCP e o PEV.

Pedro Nuno Santos até admitiu mais: lembrou que o Bloco trabalhar com o PS "nem seria uma novidade" e que sempre defendeu "acordos escritos", como aconteceu na primeira legislatura (2015). "E correu bem." Mas nunca pré-eleitorais. "Se fosse para isso tínhamos feito uma coligação. Não fizemos e cada partido está a defender o seu programa. Estamos concentrados em mobilizar os portugueses para o PS ter uma vitória."

Já Mariana Mortágua prefere o casamento de papel passado: "Não há outra forma de acordo; os escritos são escrutináveis e é assim que funciona a democracia." Justifica que os dois líderes devem ter a "responsabilidade de apresentar uma solução de estabilidade e virar a página da maioria absoluta", e acredita que "é a clareza do que vai acontecer após as eleições que mobiliza as pessoas para o voto".

No frente-a-frente que tiveram na RTP1 na noite desta sexta-feira, Pedro Nuno Santos e Mariana Mortágua só concordaram "em absoluto" (palavras do primeiro) na justiça: a procuradora-geral da República fez bem em vir a público falar da demora da operação da Madeira; é preciso reduzir as custas judiciais e clarificar as relações de hierarquia dentro do Ministério Público, mantendo a autonomia e independência face ao poder político. E ambos fugiram a responder se mantêm a confiança em Lucília Gago.

Apesar do ambiente de flirt, os dois discordaram em tudo o resto. Mariana Mortágua tem como "objectivo de soberania (...) recuperar o controlo estratégico e renacionalizar" a REN e os CTT na próxima legislatura, a EDP e a Galp na seguinte. "Para nós não é prioridade e não está no nosso horizonte recuperar privatizações", recusou Pedro Nuno. "Não podemos estar sempre a desfazer."

Bloco só quer saber das carreiras, queixa-se Pedro Nuno

A coordenadora bloquista queria muito falar sobre saúde, tanto que nas perguntas anteriores encaminhava o assunto para aí - é, a par da habitação, onde tem mais farpas para espetar no PS. Criticou o "falhanço" das políticas do PS, que "escolheu não recrutar" novos profissionais nem manter os que já tinha, deixando o SNS à mercê de tarefeiros e de horas extraordinárias.

"Foi uma estratégia que falhou e são precisas novas soluções: um regime de exclusividade [paga com mais 40% sobre o salário base] aceite pelos profissionais, aposta nas carreiras e salários para conseguir mantê-los no SNS" e não o regime da dedicação, a que apenas 6% dos médicos aderiram, defendeu Mariana Mortágua. Para que os concursos para médicos de família não fiquem desertos, acrescentou: "O SNS é incapaz de reter profissionais." Pedro Nuno considera que a dedicação plena com 43% sobre o salário base é uma boa oferta e foi aceite por 2000 médicos num só mês e desafia: "E a dedicação exclusiva iam aceitar, Mariana?".

A bloquista quer maior aposta e aumento da capacidade do SNS e critica as opções da maioria absoluta; Pedro Nuno critica-a por resumir as soluções do sector da saúde às questões laborais e desfia uma série de propostas de investimento e de nova estratégia de funcionamento, desde os centros de saúde aos hospitais, passando pelos lares, para reduzir o recurso ao privado.

"Temos uma preocupação comum e não tenho dúvida que o PS e o Bloco querem defender o SNS, mas quando ouvimos Mariana Mortágua falar, a solução é basicamente a valorização das carreiras", lamenta Pedro Nuno. Que logo a seguir replica que as exigências do Bloco para aprovar o OE2022, que levou à anterior queda do Governo PS, "estão cumpridas" - a contratação de mais profissionais e a dedicação plena, e a criação da carreira de técnico auxiliar. A bloquista insiste que dedicação e exclusividade são regimes diferentes.

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À pergunta sobre o alargamento dos hospitais em PPP (parcerias público-privadas), Pedro Nuno alega que "se se der às administrações dos hospitais públicos a mesma autonomia que se deu às PPP" se terá um desempenho melhor do que o destas. "E então não será preciso recorrer a privados." E não responde, como já fez noutros debates, que não exclui novas PPP, preferindo dizer que o seu "foco é no SNS e em usar os recursos públicos para melhorar os centros de saúde e os hospitais".

Accionistas de bancos não podem fixar spreads

Na habitação, o socialista argumenta com as regras europeias para recusar a proibição de venda de casas a não residentes como o Bloco propõe, e diz que nenhum accionista (nem mesmo o Estado com a CGD) pode obrigar um banco a baixar spreads. "Temos posições mais equilibradas que o Bloco", diz, defendendo a intervenção na oferta, com habitação pública, IVA reduzido para obras (para fomentar a construção privada), mais apoios ao arrendamento (fim do tecto de rendas no Porta 65, criar uma fórmula de actualização que inclua a valorização salarial) e à compra de casa (a garantia pública para os jovens com dificuldades para os créditos).

A bloquista insiste nas propostas, exige regras europeias iguais para todos os países, seja sobre a compra e venda (alguns antes da adesão à UE tinham regras sobre vendas de imóveis), sobre as limitações ao alojamento local ou sobre a imposição de tectos no mercado de arrendamento. E culpa o PS pelo aumento do preço das casas e por"uma geração inteira não conseguir pagar casa com o seu salário".

Outro tema onde não se entendem é na Defesa e na pertença à NATO. Para Pedro Nuno Santos o compromisso com a aliança atlântica de elevar o orçamento da Defesa aos 2% do PIB é para "cumprir", mas arranjando maneira de canalizar parte dessa despesa para a modernização da indústria do sector. No resto, Portugal "deve acompanhar a política de defesa" europeia. A coordenadora bloquista quer "transparência no orçamento" do sector, sobre o qual pretende "uma auditoria", mas foge a defender a saída da NATO, preferindo defender o reforço dos mecanismos de cooperação europeia para que a UE não tenha que depender de outros interesses".

O debate acabou com mais medidas a afastar os dois líderes do que aquelas que os juntaram. O líder do PS, que começara o debate a dizer que ainda não lhe tinha sido feito qualquer repto por parte do Bloco, levou o troco mesmo no final: Mariana Mortágua aproveitou a sorte de lhe caber a última intervenção para o olhar nos olhos e desafiar.

"Há três certezas deste debate: não vai haver maioria absoluta, sabemos que não vai; a única hipótese de solução estável é haver um entendimento com a esquerda; e esse entendimento ser para virar a página na saúde, na habitação e nos salários." Facetas fundamentais para um casal ser feliz – para além do sentimento.

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