Ventura condenado à solidão

Montenegro entrou numa disputa directa do eleitorado potencial do Chega, recusando-lhe qualquer lugar de relevo nos cenários pós-eleitorais.

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Uma das artes mais apuradas de André Ventura é a sua capacidade de criar narrativas contrárias à mais elementar das evidências. No debate desta segunda-feira, o seu adversário, Luís Montenegro, entrou a todo o vapor e reafirmou com argumentos duros que não fará “nenhum entendimento político com o Chega”. Porque o partido de Ventura tem “posições xenófobas, racistas e demagógicas”. Porque Montenegro recusa a linguagem de Ventura, que situa ao nível do grau zero da política. Porque, afinal, o que está em causa é uma questão de “decência política”. Depois do “não é não”, o líder do PSD reiterava a sua decisão de alcance estratégico. O que responde Ventura a esta decisão? Que Luís Montenegro “é incapaz de decidir qualquer coisa”.

Claro que a conclusão de Ventura não estava directamente associada à recusa de entendimentos políticos com o Chega. Estava na resposta vazia de Montenegro às escolhas da AD se o PS ganhar com minoria. Mas a clareza das posições ou as respostas a questões concretas valem pouco para Ventura. O que interessa é determinar uma série de frases feitas e largá-las no debate público a eito. Por isso, Montenegro é um indeciso, o seu partido uma “prostituta política”, os seus planos um roteiro para cair no “colo do PS” para assim regatear os tachos com os socialistas e as suas teses sobre os polícias uma “traição”. Funciona? Para a bancada de Ventura, que torce com o mesmo vigor os golos do clube do coração e as farpas do líder do Chega, talvez funcione.

Num debate turbulento, com temas mais próximos do imaginário do Chega (segurança, corrupção, etc.), a possibilidade de se avaliarem os estilos foi mais útil do que a de medir programas. André Ventura foi igual a si mesmo. Incisivo, provocador, irreverente. Luís Montenegro foi inteligente ao retirar o Chega do pedestal de partido incontornável que André Ventura gosta de erigir com base nas sondagens.

Ficou assim ainda mais claro que Montenegro entrou numa disputa directa do eleitorado potencial do Chega, recusando-lhe qualquer lugar de relevo nos cenários pós-eleitorais. Como ficou claro que André Ventura fica com a sua estratégia limitada com esta política de contenção da AD. A sua permanente disponibilidade para ser muleta numa “convergência” da direita ficou mais distante. O pavor do voto útil ganha dimensão. A tentativa de dizer que o PSD se coligou com um partido, o PAN, que o próprio Montenegro tinha considerado “fundamentalista” no debate anterior, expressa um certo sentimento de injustiça que ilustra o isolamento de Ventura. Na sua visão, a generalidade dos eleitores é incapaz de distinguir entre os excessos do animalismo ou do ambientalismo radical e um programa que atenta contra valores básicos da democracia e dos direitos humanos.

Outro sinal de que Montenegro deixou de gerir os danos do crescimento do Chega e está disposto a disputar os seus eleitores (e os indecisos) encontrou-se depois na cedência de Ventura ao lobby dos polícias em detrimento da satisfação dos seus princípios securitários. Os cidadãos que, com base em percepções erradas, acreditam viver num país dominado pelos “bandidos”, têm dificuldades em aceitar o direito à greve dos polícias ou a possibilidade de exercerem a militância partidária. Para o comum dos cidadãos, esse cenário assusta. “Era meter os partidos nas esquadras”, como lembrou Montenegro. Os partidos, esses mesmos que André Ventura tanto se empenha em execrar.

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