A terapia é a minha terapia

Andava a repetir que caminhar ao pé do mar é a minha terapia, que ginásio é a minha terapia, que ler é a minha terapia, que dançar é a minha terapia, que ir ao cinema é a minha terapia.

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Andava a evitar como evito o dentista, até ser necessário, isto é, até não poder de dor na gengiva porque não quero arrancar o dente do siso que me falta. Não quero aquela agulha da anestesia a furar-me o céu-da-boca, não quero ficar a babar-me para cima de uma bata verde de celofane enquanto um dentista simpático de Crocs tenta fazer conversa comigo e eu ali naqueles preparos, não quero aquele aspirador de cuspo a aproximar-se, não quero aqueles copinhos pequeninos, nem a sensação de retroescavadora dentro da minha boca, e o sermão que me dão porque não há maneira de abrir a boca o suficiente, não quero ter de abrir mais a boca, e é por isso que não arranco o siso, e é por isso que não quero ir ao dentista, até que a dor seja tão forte que não tenha outro remédio.

Andava a evitar a terapia porque não tinha voltado a encontrar ninguém, porque não me dava jeito, porque nenhum dos meus amigos tinha recomendações. E também porque andava a repetir, como tanta gente, que caminhar ao pé do mar é a minha terapia, que ginásio é a minha terapia, que ler é a minha terapia, que dançar é a minha terapia, que ir ao cinema é a minha terapia.

Não percebi então como é que, com tanta terapia, dei por mim no meio do supermercado a sentir uma dor tão forte, a abrir o frigorífico dos iogurtes a ver se o frio me inibia o choro, a olhar para a banca da peixaria e a identificar-me de forma inesperada com os robalos desamparados de olhos no vazio, a tentar não tremer a voz enquanto pedia os bifes de frango. O senhor do talho a perguntar o que é que eu queria, e eu com vontade de dizer que eu só queria que alguém me arrancasse aquele siso, aquele siso horrível que doía tanto, aquele siso da alma que me entortava os dias, e percebi que ia chorar no supermercado, e fui a correr trancar o choro naquela fila de carrinhos e recuperar a moeda.

Mas depois percebi que também ia chorar a ver a peça do Pinóquio, que ia chorar a pôr gasolina, que ia chorar a descascar a courgette, e que ia chorar a lembrar-me do meu psicanalista e da pergunta que ele fazia: “Se o choro falasse, o que é que diria?” E diria que não era de caminhar ao pé do mar, de ler, de dançar ou de ir ao cinema que eu precisava.

Então voltei. Sentei-me com um novo psicanalista. Destranquei o choro. Ele disse-me: “Sabe que a psicanálise é um método anacrónico, não sabe?” E eu sei. Mas é o melhor que já encontrei. Falar com alguém que ouve. E já me tinha esquecido de como me faz bem.

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