Cientista a trabalhar em Portugal tenta resolver o puzzle da imagem do Sol nos raios gama

Estudo, publicado na revista The Astrophysical Journal, produziu “um filme compacto com 14 anos de observação do Sol nos raios gama”.

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Densidade (codificada por cores) de raios gama com energias entre cinco e 150 gigaelectrões-volt por fotão, emitidos pelo Sol entre Outubro de 2013 e Janeiro de 2015, e registados pelo telescópio Fermi, da NASA Arsioli/Orlando/NASA/SDO/Duberstein
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Um estudo liderado por um investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa reporta, pela primeira vez, que a emissão de radiação do Sol nas energias mais extremas se concentra sobretudo nas regiões polares da nossa estrela.

O trabalho, publicado esta quarta-feira na revista científica The Astrophysical Journal, produziu “um filme compacto com 14 anos de observação do Sol nos raios gama, uma ferramenta de visualização que revelou que, ao contrário da esperada distribuição uniforme destes fotões de alta energia, o disco solar pode ser mais brilhante nas regiões polares”, explica o IA em comunicado. “Esta tendência para o brilho do Sol nos raios gama ser dominante nas latitudes mais elevadas é evidente durante o pico da actividade solar, como se viu em Junho de 2014”, acrescenta.

“O Sol brilha intensamente na luz visível, mas qual é o seu aspecto nas energias mais elevadas da radiação electromagnética?”, questiona o IA, salientando que “a imagem do Sol em raios gama é um retrato letal, felizmente oculto pela atmosfera da Terra e apenas visível a partir do espaço”. “Cada fotão transporta mil milhões de vezes mais energia do que o seu parente nos ultravioletas. Como é que a emissão regular de raios gama pelo Sol varia no tempo? E será possível relacioná-la com os períodos de eventos violentos a que assistimos na superfície da nossa estrela?”: foram estas algumas das questões levantadas pelos investigadores.

O estudo foi liderado pelo investigador brasileiro a trabalhar em Portugal Bruno Arsioli e “pode contribuir para a compreensão do processo ainda desconhecido que faz com que o Sol brilhe dez vezes mais nos raios gama do que os físicos esperavam”, além de poder “também informar as previsões em meteorologia espacial”. Por outras palavras, a investigação pode melhorar a nossa compreensão sobre a actividade solar.

Um chuveiro de raios gama

Os raios gama solares são produzidos no halo do Sol e em erupções solares, podendo também ser libertados pela superfície da nossa estrela — foram, aliás, estes últimos o objecto deste estudo. “O Sol é bombardeado por partículas quase à velocidade da luz, vindas de fora da nossa galáxia e em todas as direcções”, começa por explicar, em comunicado, Bruno Arsioli. “Estes chamados raios cósmicos têm carga eléctrica e são deflectidos pelos campos magnéticos do Sol. Aqueles que interagem com a atmosfera solar geram um chuveiro de raios gama”, acrescenta.

Até agora, os cientistas acreditavam que estes chuveiros tinham a mesma probabilidade de serem vistos em qualquer ponto do disco solar. Mas o novo estudo sugere que os raios cósmicos podem interagir com o campo magnético do Sol e, desta forma, produzir uma distribuição de raios gama que não é uniforme em todas as latitudes da nossa estrela.

“Também detectámos uma diferença de energia entre os pólos”, diz ainda Bruno Arsioli. “No pólo Sul há um excesso de emissões de maior energia, de fotões com 20 a 150 gigaelectrões-volt, enquanto a maior parte dos fotões menos energéticos vêm do pólo Norte” — uma assimetria para a qual os investigadores não têm ainda uma explicação.

É durante o máximo do ciclo de actividade solar que se torna evidente que os raios gama são irradiados com mais frequência nas latitudes mais altas. Em Junho de 2014, quando ocorreu a inversão do campo magnético do Sol, os raios gama concentraram-se particularmente nos pólos.

“Encontrámos resultados que desafiam a nossa compreensão actual do Sol e do seu ambiente”, diz Elena Orlando, da Universidade de Trieste, em Itália, e da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e co-autora do estudo. “Demonstrámos uma forte correlação da assimetria na emissão solar de raios gama em coincidência com a troca do campo magnético solar, o que revelou uma possível ligação entre a astronomia solar, a física de partículas e a física de plasma”, acrescenta, citada em comunicado.

Os dados utilizados no estudo foram recolhidos durante 14 anos de observações com o telescópio espacial nos raios gama Fermi, da NASA, entre Agosto de 2008 e Janeiro de 2022 — período que abrangeu um ciclo solar completo, com o pico em 2014.

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Ilustração do telescópio espacial de raios gama, Fermi, da NASA, que varre todo o céu a cada três horas enquanto orbita a Terra Chris Smith (USRA/GESTAR)/NASA

“O estudo das emissões de raios gama do Sol representa uma nova janela para investigar e compreender os processos físicos que ocorrem na atmosfera da nossa estrela”, conclui Bruno Arsioli. “Quais são os processos que criam estes excessos nos pólos? Talvez existam mecanismos adicionais que geram raios gama e que vão além da interacção dos raios cósmicos com a superfície do Sol.”

Bruno Arsioli salienta ainda que, em 2024 e 2025, será registado um novo máximo solar, tendo já começado outra inversão dos pólos magnéticos do Sol. “Esperamos, no final de 2025, reavaliar se a inversão dos campos magnéticos é seguida de um excedente nas emissões de raios gama dos pólos.”

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