Afinal, para que serve a Fundação para a Ciência e a Tecnologia?

Será pedir muito à FCT que “arrume a casa”, se organize e, assim, deixe de fazer gato-sapato das vidas de milhares de cientistas?

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Que a investigação científica é invisível aos olhos da opinião pública não é novidade para ninguém. Não por acaso, quando a 16 de maio de 2023 se realizou a maior manifestação de cientistas de que há memória em Portugal, o seu impacto social e mediático foi diminuto. Tendo-se dedicado um Fórum TSF à ciência, o moderador lamentava-se por ter sido o programa menos participado de que se recordava. Sintomático.

Para além de vários governos que apenas recorrem à ciência para enfeitar a lapela (quem não recorda os tempos da pandemia quando os cientistas precarizados viram o seu inestimável trabalho ser reconhecido, abundando as palmadinhas nas costas, as pomposas receções e os circunspectos salamaleques) e de um Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) que pratica a arte da invisibilidade, empurrando com a barriga (e para cima das costas das Instituições de Ensino Superior) a resolução dos problemas com que se confronta, com o subfinanciamento crónico do ensino superior e da ciência à cabeça, existe a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) que ocupa um lugar central no sistema científico e tecnológico nacional.

A FCT é um Instituto Público tutelado pelo MCTES que se apresenta com a missão oficial de «promover continuadamente o avanço do conhecimento científico e tecnológico em Portugal, atingir os mais elevados padrões internacionais de qualidade e competitividade em todos os domínios científicos e tecnológicos, e estimular a sua difusão e contribuição para a sociedade e o tecido produtivo». Até aqui tudo bem. O problema vem depois, e as últimas semanas são bastante reveladoras do estilo de condução da FCT.

Senão vejamos: a 22 de dezembro esta anunciou a abertura de dois concursos, um para financiar projetos de investigação científica e desenvolvimento tecnológico com orçamento até 250.000 euros, e outro para financiar projetos exploratórios com orçamento até 50.000 euros. A candidatura aos financiamentos para os projetos exploratórios é feita na plataforma online da FCT, mas as candidaturas para financiar os projetos maiores é feita numa plataforma diferente designada Balcão dos Fundos. O fim do prazo para apresentação das candidaturas era o dia 16 de fevereiro. De imediato e rompante se instalou a confusão: demoras no acesso ao formulário para submissão dos projetos, problemas com o Balcão dos Fundos, inexistência de guiões para candidaturas, etc.

Como ninguém se entendia, a FCT decidiu no dia 22 de janeiro agendar uma sessão de esclarecimento online para o dia seguinte. Uma sessão para a qual era necessária inscrição prévia. Num ápice se esgotaram as inscrições e a FCT teve de criar uma alternativa, transmitindo a sessão na sua página de Youtube, onde anunciou a possibilidade de, eventualmente, vir a prolongar o prazo das candidaturas para os projetos maiores para o dia 21 de março, e dos projetos exploratórios até ao dia 1 de março. Como se não bastasse o turbilhão gerado pelo anúncio imprevisto dos dois concursos e pela sessão de esclarecimento, os prazos destes vão decorrer em simultâneo com os prazos da altamente complexa, exigente e burocratizada avaliação obrigatória das unidades de investigação financiadas pela FCT – as mesmas que precisam agora de se candidatar aos projetos de 50.000 e 250.000 euros para manter a sua atividade regular.

Começam a faltar as palavras para descrever o funcionamento da FCT. Como se já não bastassem as taxas de aprovação infinitesimais dos projetos (apesar da contabilidade criativa usada para dourar a pílula), colossal desperdício de recursos de vária ordem, impera a navegação à vista, a desorganização e a desconsideração pelas horas de trabalho e pela vida dos milhares de cientistas, muitos deles com contratos a terminar e outros a tentar encontrar uma solução para o futuro próximo que, de forma mais ou menos direta, dela dependem.

Será possível alcançar «os mais elevados padrões internacionais de qualidade e competitividade» sem um mínimo de regularidade, previsibilidade e consistência na administração do mecanismo de distribuição de financiamento científico? Será pedir muito à FCT que “arrume a casa”, se organize e, assim, deixe de fazer gato-sapato das vidas de milhares de cientistas, a esmagadora maioria dos quais desenvolvendo o seu trabalho de forma apaixonada e altamente precarizada? Será possível reformar a FCT neste sentido, acompanhando reivindicações antigas que temos feito, exigindo um mínimo de consideração pelo trabalho e pela comunidade científica nacional? É que se assim não for, a única resposta possível à questão que intitula este texto é simples: a FCT serve para infernizar a vida de milhares e distribuir migalhas.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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