Meio rural sente-se “negligenciado” pela política — e isso dá votos à direita radical
Por outro lado, em Portugal, “as atitudes em relação à imigração e a condição económica dos indivíduos” não são preponderantes para o voto da ruralidade nos partidos da direita radical.
Existe uma “relação” entre viver num meio rural e “votar no Chega”, pois estes cidadãos sentem que as “políticas públicas não dão suficiente atenção às zonas rurais”, negligenciando-as. Por outro lado, enquanto noutros países estudos indicam que “as atitudes em relação à imigração e a condição económica dos indivíduos” são preponderantes para o voto da ruralidade nos partidos da direita radical, em Portugal isso não se verifica. A tese é defendida pelos investigadores Pedro Magalhães, do ICS, e João Cancela, da Nova, no seu novo trabalho Political Neglect and Support for the Radical Right: The Case of Rural Portugal.
A conclusão do estudo é clara: “A direita radical tem particular sucesso nas zonas rurais de Portugal”, não tanto por haver uma “concentração significativamente maior de valores tradicionalistas/nacionalistas [neste eleitorado], nem por sentimentos maiores de privação financeira”, mas sim por haver um “sentimento generalizado de negligência política alimentado pelos moradores rurais”.
Por outro lado, os investigadores referem que, no caso português, não encontram qualquer “evidência de que factores económicos e culturais desempenhem um papel relevante na relação entre a ruralidade e o voto na direita radical”, algo que destoa da literatura sobre outros países. A diferença na questão económica, explicam, pode estar relacionada com o factor “incomum” de, “na última década”, haver “convergência económica entre as zonas urbanas e rurais”.
Para concluir que “viver numa freguesia rural” aumenta “a probabilidade de votar no Chega”, os investigadores usaram uma “sondagem à boca das urnas em 2022”, “controlando efeitos de idade, sexo, instrução e dimensão do círculo eleitoral”, escreveu Pedro Magalhães na sua página do X. As conclusões ajudam a “esclarecer a intrigante ascensão e sucesso do partido em zonas rurais” e sugerem que os eleitores priorizam os “sentimentos e emoções quanto ao sistema político” sobre as suas “condições” materiais, expandem no documento.
Questionados sobre as diferenças entre Portugal e os restantes países, os investigadores começam por explicar ao PÚBLICO que o voto “na direita radical, como objecto de estudo, é um alvo em movimento”, pelo que há “poucas explicações que sirvam igualmente bem para todos os países onde esses partidos existem”.
“A única coisa que podemos dizer com segurança é que há duas manifestações desses factores ‘culturais’ e ‘económicos’ — as atitudes em relação à imigração e condição económica dos indivíduos — que não parecem explicar a relação entre viver-se em freguesias rurais e votar no Chega”, expandem, para concluir: “Isso não quer dizer que não haja outros aspectos culturais ou económicos que façam diferença, quer dizer apenas que não temos dados para os examinar.”
Por fim, clarificam o argumento que defende que os eleitores rurais dão mais valor aos “sentimentos e emoções sobre o sistema político” do que às suas “condições” materiais — dizendo que estas últimas se referem ao “grau de conforto ou dificuldade em viver com o rendimento que auferem”.
Dito isto, há estudos que dão mais ênfase não tanto às condições ‘pessoais’, mas sim à avaliação que os indivíduos fazem das condições económicas dos locais onde vivem”, expandem ao PÚBLICO.
Em 1967, os sociólogos políticos Seymour Lipset e Steik Rokkan teorizaram um conjunto de clivagens que dividem os cidadãos entre grupos sociais com diferentes interesses políticos e, por isso, conflituantes. Além do eixo urbano-rural, de que este artigo dá conta, há também o do patrão-trabalhador, da igreja-Estado e do centro-periferia.
Em Portugal, assim como na Europa, os agricultores estão a manifestar-se para reclamar valorização do sector e condições justas. Os protestos levaram ao corte de várias estradas de norte a sul do país.