Entre a sexualização e a homofobia, cartaz da Semana Santa de Sevilha gera polémica
“Que Deus venha ver que em 2024 a homossexualidade será usada como arma de arremesso e que essas críticas virão dos cristãos…”, responde o artista Salustiano García, alvo de críticas em Espanha.
É um cartaz para a Semana Santa de Sevilha, mas a pintura tem sido o assunto da semana em Espanha. Obra de Salustiano García, o quadro que representa Jesus após a ressurreição tem sido acusado de sexualizar o corpo de Cristo e de ser demasiado afeminado, causando burburinho não só nas redes sociais, como entre os partidos políticos. A resposta do artista é inequívoca: “Se o meu Cristo é gay, que Deus venha vê-lo.”
Na pintura, Cristo surge em tronco nu, como é frequentemente retratado, e com uma coroa resplandecente, a simbolizar a ressurreição. “É o lado radiante da Semana Santa”, diz o artista sevilhano Salustiano Garcia, convidado há quatro meses pelo Conselho de Irmandades de Sevilha — que promove os eventos religiosos em torno da Páscoa —, para elaborar a obra, longe de imaginar o tumulto gerado. Mais de 12 mil pessoas já assinaram uma petição na plataforma Change.org para censurar e exigir a retirada imediata do cartaz, apresentado no passado sábado.
“É absolutamente uma vergonha e uma aberração”, escreveu o Instituto de Política Social Espanhol (IPSE), organização assumidamente católica e conservadora, que considera a obra “efeminada” como uma violação dos símbolos cristãos e exige um pedido de desculpas público por parte do artista.
O líder do partido de extrema-direita Vox, Javier Navarro, também se juntou às críticas no X (antigo Twitter), acusando a representação de “procurar provocar” e de ser contrária à intenção de “encorajar os fiéis a participar na Semana Santa de Sevilha”.
Não demorou até que Juan Espadas, líder do Partido Socialista na região da Andaluzia, viesse em defesa do artista, acusando as críticas de “homofóbicas” e condenando a onda de “ódio” que gerou na Internet. A pintura de Salustiano García “combina tradição e modernidade” que acredita serem a definição do que é Sevilha actualmente, elogia.
É também o que diz o arcebispo de Sevilha, José Ángel Saiz Meneses, que, em entrevista ao jornal ABC, avisa que a polémica já passou dos limites — alguns jornais estrangeiros colocaram títulos definindo a pintura como “o Cristo gay de Sevilha”. E insistiu: “Hoje fixemos o nosso olhar, com especial intensidade, no Santo Cristo. Pedimos-lhe que mude o nosso coração, que nos ajude a amadurecer, a concentrar-nos no essencial, a seguir os seus passos.”
Apesar de não dar uma opinião concreta sobre a obra de arte, reitera que “qualquer manifestação que atente contra a dignidade das pessoas” deve ser condenada.
¿Sois conscientes de que gracias a la pintura de Salustiano García toda esa España supuestamente secularizada no deja de hablar de Cristo Resucitado, que no deja de ser el misterio de la fe? Nunca antes la Semana Santa de Sevilla había conseguido mejor su objetivo: evangelizar. pic.twitter.com/pqz59sBVcd
— Daniel Marín-Gutiérrez (@DanielM86_) January 30, 2024
“Estou convencido que Jesus Cristo não ia gostar disto”
Ao El Mundo, Salustiano García confessa que “não sabia a responsabilidade que estava a assumir” quando aceitou fazer a obra, mas garante não estar arrependido. Firme, desmonta as críticas que lhe têm sido feitas, uma a uma. “O que é muito branco? Como todos os Cristos europeus, todos os Cristos góticos.”
E quanto à sexualização do corpo, garante que a sua intenção sempre foi “ser muito respeitoso”, depois de ter estudado todos os cartazes feito para o Conselho de Irmandades de Sevilha nos últimos dois séculos. García insiste: “Que ele está seminu? Como todos os Cristos crucificados e ressuscitados de Espanha e da Europa.”
A crítica que mais o revolta está ligada à alusão à homossexualidade que alguns têm visto no retrato. “Que Deus venha ver que em 2024 a homossexualidade será usada como arma de arremesso e que essas críticas virão dos cristãos… Estou convencido de que Jesus não ia gostar disto.”
O polémico retrato terá tido como modelo o próprio filho do pintor, Horácio, estudante de engenharia informática. “Sou eu, a ovelha negra”, disse, com humor, o jovem na apresentação do quadro. Além disso, Salustiano Garcia ter-se-á também inspirado no seu irmão Pepe, que morreu aos 18 anos, e na “serenidade” que viu no seu rosto sem vida.
O objectivo sempre foi que o seu “Cristo transmitisse uma mensagem de esperança”, porque “a vida é muito complicada, nascemos a sofrer e a terra é um vale de lágrimas”, conclui. Resta saber se a obra se vai manter até à Semana Santa, no final de Março.