Entre a sexualização e a homofobia, cartaz da Semana Santa de Sevilha gera polémica

“Que Deus venha ver que em 2024 a homossexualidade será usada como arma de arremesso e que essas críticas virão dos cristãos…”, responde o artista Salustiano García, alvo de críticas em Espanha.

Foto
Salustiano García e o filho Horacio junto ao quadro do Cristo Ressuscitado TWITTER/Pasión de Sevilla
Ouça este artigo
00:00
03:56

É um cartaz para a Semana Santa de Sevilha, mas a pintura tem sido o assunto da semana em Espanha. Obra de Salustiano García, o quadro que representa Jesus após a ressurreição tem sido acusado de sexualizar o corpo de Cristo e de ser demasiado afeminado, causando burburinho não só nas redes sociais, como entre os partidos políticos. A resposta do artista é inequívoca: “Se o meu Cristo é gay, que Deus venha vê-lo.”

Na pintura, Cristo surge em tronco nu, como é frequentemente retratado, e com uma coroa resplandecente, a simbolizar a ressurreição. “É o lado radiante da Semana Santa”, diz o artista sevilhano Salustiano Garcia, convidado há quatro meses pelo Conselho de Irmandades de Sevilha — que promove os eventos religiosos em torno da Páscoa —, para elaborar a obra, longe de imaginar o tumulto gerado. Mais de 12 mil pessoas já assinaram uma petição na plataforma Change.org para censurar e exigir a retirada imediata do cartaz, apresentado no passado sábado.

“É absolutamente uma vergonha e uma aberração”, escreveu o Instituto de Política Social Espanhol (IPSE), organização assumidamente católica e conservadora, que considera a obra “efeminada” como uma violação dos símbolos cristãos e exige um pedido de desculpas público por parte do artista.

O líder do partido de extrema-direita Vox, Javier Navarro, também se juntou às críticas no X (antigo Twitter), acusando a representação de “procurar provocar” e de ser contrária à intenção de “encorajar os fiéis a participar na Semana Santa de Sevilha”.

Não demorou até que Juan Espadas, líder do Partido Socialista na região da Andaluzia, viesse em defesa do artista, acusando as críticas de “homofóbicas” e condenando a onda de “ódio” que gerou na Internet. A pintura de Salustiano García “combina tradição e modernidade” que acredita serem a definição do que é Sevilha actualmente, elogia.

É também o que diz o arcebispo de Sevilha, José Ángel Saiz Meneses, que, em entrevista ao jornal ABC, avisa que a polémica já passou dos limites — alguns jornais estrangeiros colocaram títulos definindo a pintura como “o Cristo gay de Sevilha”. E insistiu: “Hoje fixemos o nosso olhar, com especial intensidade, no Santo Cristo. Pedimos-lhe que mude o nosso coração, que nos ajude a amadurecer, a concentrar-nos no essencial, a seguir os seus passos.”

Apesar de não dar uma opinião concreta sobre a obra de arte, reitera que “qualquer manifestação que atente contra a dignidade das pessoas” deve ser condenada.

“Estou convencido que Jesus Cristo não ia gostar disto”

Ao El Mundo, Salustiano García confessa que “não sabia a responsabilidade que estava a assumir” quando aceitou fazer a obra, mas garante não estar arrependido. Firme, desmonta as críticas que lhe têm sido feitas, uma a uma. “O que é muito branco? Como todos os Cristos europeus, todos os Cristos góticos.”

E quanto à sexualização do corpo, garante que a sua intenção sempre foi “ser muito respeitoso”, depois de ter estudado todos os cartazes feito para o Conselho de Irmandades de Sevilha nos últimos dois séculos. García insiste: “Que ele está seminu? Como todos os Cristos crucificados e ressuscitados de Espanha e da Europa.”

A crítica que mais o revolta está ligada à alusão à homossexualidade que alguns têm visto no retrato. “Que Deus venha ver que em 2024 a homossexualidade será usada como arma de arremesso e que essas críticas virão dos cristãos… Estou convencido de que Jesus não ia gostar disto.”

O polémico retrato terá tido como modelo o próprio filho do pintor, Horácio, estudante de engenharia informática. “Sou eu, a ovelha negra”, disse, com humor, o jovem na apresentação do quadro. Além disso, Salustiano Garcia ter-se-á também inspirado no seu irmão Pepe, que morreu aos 18 anos, e na “serenidade” que viu no seu rosto sem vida.

O objectivo sempre foi que o seu “Cristo transmitisse uma mensagem de esperança”, porque “a vida é muito complicada, nascemos a sofrer e a terra é um vale de lágrimas”, conclui. Resta saber se a obra se vai manter até à Semana Santa, no final de Março.

Sugerir correcção