Artista e Beatle original, Stuart Stucliffe deixou um vasto arquivo. Está à venda
A família do músico e pintor, que morreu aos 21 anos, queria sair da sombra dos Beatles. Mas a colecção, que inclui cerca de 150 pinturas e muitas cartas, está marcada pela amizade com John Lennon
Os Beatles são quatro, os “Fab Four”, mas houve vários outros Beatles. São muitas referências a um “quinto Beatle”, mas houve mais do que um para ocupar esse quinto lugar num quarteto — músicos ou produtores que, em breves passagens pela banda de Liverpool, fizeram parte da sua história. São os bens de um deles, o primeiro baixista do grupo, Stuart Sutcliffe, que vão agora a leilão e, como seria inevitável, é tudo o que está relacionado com a colaboração e amizade do músico e pintor com os Beatles que chama a atenção: um romance inacabado sobre John Lennon, 37 fotografias dos primeiros tempos do grupo e cartas entre Lennon e Sutcliffe.
O arquivo está agora à venda e em busca de comprador, como explicou ao site especializado ArtNet Diane Vitale, que há mais de 20 anos tem gerido os bens do artista, que morreu em 1962. Tinha 21 anos e sofreu uma hemorragia cerebral fatal. A única condição para a sua alienação é que a colecção seja vendida como um todo e não se disperse por vários proprietários ou instituições, como desejava a família Sutcliffe, mas não está posta de parte a possibilidade de a dividir entre um coleccionador e uma instituição, seja um museu ou uma universidade. Na prática, o arquivo está no mercado desde dia 23 deste mês e tem sido alvo de muito interesse, garante Vitale na mesma publicação.
Segundo Diane Vitale, estão em causa centenas de objectos — vasta obra de pintura, que era uma das paixões de Sutcliffe (especialmente na senda do expressionismo abstracto), desenhos, fotografias, notas, cartas e outras peças que ajudam a enriquecer o retrato do jovem ex-Beatle mas também a ligar mais alguns pontos sobre os primeiros tempos da banda. Não era esse o objectivo quando se começou a coligir este acervo. Pauline Sutcliffe, irmã mais nova do artista, queria distingui-lo dos Beatles e mostrar que a sua criação, da poesia às artes plásticas, ia para além de ter dividido com Lennon uma referência aos poetas Beat que dariam o nome aos Beatles.
Desde a morte de Pauline Sutcliffe em 2019, coube a Diane Vitale assumir um papel mais preponderante na gestão do legado de Stuart Sutcliffe. Escocês, estudou na Universidade de Artes de Liverpool, especializando-se em pintura. Foi aí que conheceu John Lennon, com quem dividia um apartamento. “Admirava o Stu. Contava com ele para me dizer a verdade. Stu dizia-me se algo era bom e eu acreditava nele”, confidenciou em tempos Lennon, citado pelo ArtNet e no site do próprio Sutcliffe, logo à cabeça da listagem das suas obras.
A história do jovem que se distinguia na pintura começa aqui a enlear-se na história da maior banda de sempre na cultura popular. Lennon já conhecia Paul McCartney, que por seu turno trouxe George Harrison para o grupo de amigos e músicos na embrionária banca the Quarrymen. Lennon tinha 16 anos, McCartney e Harrison 15 anos. Em 1959, Lennon vai estudar para a Universidade de Artes de Liverpool e começa a dividir casa com Sutcliffe, que começou a ter sucesso na pintura — foi com o dinheiro da venda de uma obra que Lennon o convenceu a comprar um baixo e a juntar-se à banda. Foi numa conversa com Lennon que Sutcliffe o convenceu a baptizar o seu jovem grupo como os Beatals, fundindo referências à geração Beat, a Buddy Holly e ao seu grupo Crickets.
O nome foi mudando até se fixar como Beatles no Verão de 1960. Sutcliffe tocaria baixo e cantaria com os Beatles entre 1960 e 61. Participou na famosa residência dos Beatles em Hamburgo, onde tocavam e eram frequentemente vistos pela alemã Astrid Kirchherr. Apaixonaram-se e o nome de Kirchherr, ela própria uma beatnik, ficaria também para sempre ligado ao dos Beatles por esta se ter tornado autora de fotografias essenciais do grupo na sua fase de arranque. Foi Stuart Sutcliffe que deixou a banda, já regressada a Inglaterra, por ter ficado noivo de Kirchherr e querer viver em Hamburgo. Morreu numa ambulância, nos braços da noiva, naquela cidade.
Entre os objectos que agora poderão ser adquiridos estão cartas entre os amigos John e Stu, uma carta em particular que risca o nome Quarrymen e o substitui por Beatals, mas também mapas das galerias de arte da época em Londres ou outras peças que, a espaços, têm sido expostas em vários museus e elogiadas, como é o caso de duas pinturas mostradas no Museu Guggenheim de Nova Iorque, pelo pintor e fotógrafo Richard Prince. Desde 2003 que a colecção está na zona de Nova Iorque, em East Hampton. O preço pedido pelo arquivo de Stu Sutcliffe não foi revelado.