Luta livre no Parlamento numa altura em que as Maldivas se aproximam da China e se afastam da Índia
Novo Presidente enfrenta moção de censura ao fim de dois meses no cargo. O seu partido pró-chinês é minoritário contra a oposição pró-indiana que o quer derrubar. Nova Deli e Pequim olham à distância.
As movimentações chinesas para alterar alianças e equilíbrios na zona do Indo-Pacífico estão a provocar desestabilização em vários países da região. A mais recente tensão resultou neste domingo em sessões de luta livre no Parlamento das Maldivas, com deputados feridos a terem de receber assistência hospitalar. Os microfones chegaram a ser retirados da sala para evitar que fossem usados como arma.
O Presidente maldivo, Mohamed Muizzu, pode mesmo vir a cair esta semana, pouco mais de dois meses depois de assumir o cargo, após a oposição ter reunido nesta segunda-feira o apoio suficiente para uma moção de destituição do chefe de Estado. O Partido Democrático Maldivo (MDP), maioritário na Assembleia, conseguiu fazer passar uma emenda a permitir que o Presidente e o vice-presidente possam ser destituídos com o voto de dois terços dos deputados do Parlamento de 81 assentos. Com os seus 42 deputados, mais os dois do seu aliado da Aliança de Desenvolvimento Maldiva, somados aos 13 do Democratas, que aceitou apoiar a moção, o MDP tem, por isso, mais do que os 55 votos necessários para derrubar Muizzu.
Muizzu, escolhido para candidato ao cargo pelo Congresso Nacional Popular (PNC), depois de o seu antecessor, Abdulla Yameen, Presidente entre 2013 e 2018, ter sido condenado a 11 anos de prisão por corrupção, está empenhado em mudar as alianças políticas do arquipélago, cortando com o aliado tradicional indiano e aproximando-se do gigante chinês. Um processo que começou precisamente com Yameen há uma década e que foi sublinhado na campanha que levou à derrota de Ibrahim Mohamed Solih, do MDP.
A primeira visita oficial de Muizzu como Presidente foi à China, onde assinou uma vintena de acordos de cooperação, antes de pedir ao seu aliado histórico que retire, até Março, os seus militares do país. Nesta altura, estão cerca de 80 militares indianos nas Maldivas.
O MDP e Solih são profundamente pró-indianos e contestam a deriva chinesa do Presidente. No dia 7 de Janeiro no X (antigo Twitter), o ex-Presidente condenou o uso de “linguagem de ódio contra a Índia dos membros do Governo maldivo”, garantindo que “a Índia sempre foi um bom amigo das Maldivas e não podemos deixar que comentários insensíveis tenham impacto negativo na velha amizade entre os nossos dois países”.
No dia 26, por ocasião dos 75 anos de independência da Índia, Solih voltou a recorrer ao X, para sublinhar, mais uma vez, a forte relação de amizade entre os dois países: “Que os inquebráveis laços de amizade que há muito existem entre as Maldivas e a Índia continuem a fortalecer-se.”
A tensão entre os dois lados da barricada aumentou durante a sessão parlamentar para aprovação dos nomes para o governo. Na altura discutiam-se as nomeações de Mohamed Saeed para ministro da Economia, Ali Haidar para ministro da Habitação e Mohamed Shaheem Ali Saeed para ministro do Islamismo. Levando mesmo o PNC, com o seu parceiro de coligação Partido Progressista das Maldivas (PPM), a apresentarem uma moção de censura contra o presidente, Mohamed Aslam, e o vice-presidente do Parlamento, Ahmed Saleem, ambos do MDP, mas que se ficou pelos 23 votos.
Dívida e acordo comercial
Com uma economia extremamente dependente das importações e alimentada sobretudo pelo sector do turismo, que poderá vir a sofrer com os problemas económicos de um mundo actualmente a sofrer o impacto da guerra na Ucrânia e do conflito na Faixa de Gaza, as Maldivas vêem-se a braços com o aumento do peso da sua dívida externa.
O China Development Bank, o Industrial and Commercial Bank of China e o Export-Import Bank of China detêm mais de 60% da dívida soberana maldiva, o que coloca o estratégico arquipélago no meio do oceano Índico numa posição extremamente dependente de Pequim.
Os dois países assinaram um Acordo Bilateral de Comércio a 8 de Dezembro de 2017, no entanto, o então Presidente, Abdulla Yameen, não conseguiu ratificá-lo até ao final do seu mandato e o seu sucessor adoptou uma política de “Índia Primeiro” durante o seu mandato.
Com Muizzu e o PNC de novo na presidência, a aproximação a Pequim prossegue o seu curso (foi tema defendido pelo actual chefe de Estado na campanha eleitoral), algo que o MDP pretende agora travar com esta moção de censura.
Para a China, as Maldivas são importantes para aquilo a que denomina como "o colar de pérolas", uma rede de bases militares e comerciais no oceano Índico à volta da Índia, entre a China continente e Porto Sudão.