Pacto de segurança chinês não convence países do Pacífico: “Não fiquem nervosos”, pede Pequim

Dez nações insulares rejeitam (para já) uma parceria regional alargada com a China vista com muita desconfiança por Austrália e EUA. De viagem pelo Pacífico, chefe da diplomacia chinesa sublinha objectivos pacíficos da sua missão.

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Um navio chinês de serviços médicos ancorado no porto de Suva, capital das Ilhas Fiji Reuters

Os representantes políticos e militares da Austrália, da Nova Zelândia, dos Estados Unidos e do Japão, entre outros, devem ter respirado de alívio quando, no final do encontro desta segunda-feira entre o ministro dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China, Wang Yi, e os seus homólogos de dez países do Pacífico, em Suva, nas Ilhas Fiji, ouviram o primeiro-ministro fijiano informar que a proposta chinesa para uma parceria de segurança alargada não tinha reunido o “consenso” das nações insulares.

“Como sempre, pomos o consenso à frente de tudo em quaisquer discussões entre os nossos países sobre novos acordos regionais”, sublinhou Frank Bainimarama, lembrando que, para os estados do Pacífico, há questões internas mais importantes para resolver do que a escolha de lados da barricada na disputa pelas esferas de influência entre as potências da região.

“As rivalidades geopolíticas significam pouco para alguém cuja comunidade está a resvalar para baixo do nível das águas, cujo emprego está a ser perdido por causa da pandemia ou cuja família está a ser afectada pela subida acelerada dos preços”, afirmou o chefe do Governo fijiano, citado pela Reuters.

Numa carta enviada na semana passada a 21 líderes políticos do Pacífico, o Presidente dos Estados Federados da Micronésia tinha apelado à rejeição do plano chinês, temendo uma “nova Guerra Fria” na região”.

“Para além do impacto na nossa soberania, os efeitos práticos do controlo chinês sobre as nossas infra-estruturas de comunicação, sobre o nosso território oceânico e os seus recursos, e sobre o nosso espaço de segurança são o aumento das probabilidades de a China entrar em conflito com a Austrália, o Japão, os Estados Unidos e a Nova Zelândia”, alertara, citado pela ABC News.

“Ameaça” regional

Depois de ter praticamente fechado um acordo de cooperação estratégica com as Ilhas Salomão, localizadas a apenas dois mil quilómetros da costa australiana – numa jogada que os analistas dizem ser uma resposta directa à criação do AUKUS, o pacto militar para o Indo-Pacífico que junta a Austrália, os Estados Unidos e o Reino Unido –, a China está a acenar a outros dez países da região com a proposta de uma zona de livre comércio e de colaboração em sectores como a cibersegurança, a polícia, a agricultura, as pescas, o ambiente, a saúde e a partilha de informação.

É essa proposta – a que a Reuters, o Guardian e a ABC tiveram acesso – que o chefe da diplomacia chinesa leva na mala num périplo por oito países do Pacífico, iniciado na passada quinta-feira, e seguido com atenção pelas autoridades australianas e norte-americanas.

A escolha chinesa das Ilhas Fiji para o encontro, por videoconferência, com os vários ministros dos Negócios Estrangeiros dos países da região levou, inclusivamente, o Governo australiano a enviar a sua própria ministra, Penny Wong, para Suva, logo na quinta-feira, para garantir que a Austrália “permanecerá um parceiro fundamental de desenvolvimento para a família do Pacífico nos próximos anos”.

Anthony Albanese, primeiro-ministro australiano, e Jacinda Ardern, primeira-ministra neozelandesa, entre outros líderes aliados, acusam a China de, através de promessas de investimento avultado nos países do Pacífico em troca de acesso privilegiado a uma zona estratégica do globo, estar a “ameaçar a estabilidade regional”, ao “tentar ampliar a sua influência numa região do mundo em que a Austrália tem sido o parceiro de segurança de eleição desde a II Guerra Mundial”.

A China e o “progresso para o mundo”

Reagindo à decisão dos países do Pacífico em não avançarem para um pacto de segurança com Pequim, Wang Yi rejeitou e respondeu às críticas dos seus adversários regionais, e lembrou que o processo de aprofundamento das relações ainda está em desenvolvimento.

“Estamos sempre em constantes consultas com os nossos amigos. É essa política da China: nunca impor o que quer que seja a outros países. Isso nunca aconteceu”, afiançou o ministro chinês, citado pela ABC News, destacando os vários acordos bilaterais comerciais que foram alcançados com países como as Fiji ou Samoa.

Prometendo apresentar, num futuro próximo, um documento revisto sobre as posições e as propostas chinesas para a região, para que se possa “prosseguir com discussões e consultas aprofundadas” e alcançar o tal “consenso” referido por Bainimarama, Wang insistiu nos objectivos pacíficos da sua missão.

“Não fiquem demasiado ansiosos ou demasiado nervosos, porque o desenvolvimento e a prosperidade comuns da China e de todos os países em desenvolvimento só poderão significar mais harmonia, mais justiça e mais progresso para o mundo todo”, proclamou.

Depois das Ilhas Salomão, do Kiribati e das Fiji, Wang Yi desloca-se na terça-feira até Tonga, para uma visita de dois dias. Numa viagem que só termina no dia 4 de Junho, estão ainda previstas paragens em Vanuatu, Papuásia-Nova Guiné e Timor-Leste.

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