Caso da Madeira: o que se sabe até ao momento

Operação da Polícia Judiciária que visou Miguel Albuquerque e Pedro Calado envolveu buscas em vários pontos do país. Foram detidas três pessoas, incluindo o autarca do Funchal.

Foto
Miguel Albuquerque falou à comunicação horas depois das buscas LUSA/HOMEM GOUVEIA
Ouça este artigo
00:00
07:16

Miguel Albuquerque e Pedro Calado, respectivamente presidentes do Governo Regional da Madeira e da Câmara do Funchal, foram alvo de buscas em casa. Em reacção à investigação em curso, o primeiro disse (antes de se saber que era arguido) que não pretende demitir-se e acrescentou que vai colaborar com as autoridades. Para já, há três detidos. Eis o ponto da situação:

De que buscas se tratou?

As buscas iniciadas na manhã de quarta-feira, dia em que estava marcada a apresentação (entretanto adiada) das listas de candidatos a deputados pela AD (Aliança Democrática) na Madeira, tiveram como alvo a casa de Miguel Albuquerque, e a​ Câmara Municipal do Funchal, presidida por Pedro Calado. A operação foi levada a cabo em 60 locais, 45 dos quais na Madeira, mas também nos Açores e em Portugal Continental. Houve diligências no Funchal, Câmara de Lobos, Machico e Ribeira Brava; em Oeiras, Linda-a-Velha, Porto Salvo, Bucelas e Lisboa; em Braga, Porto, Paredes, Aguiar da Beira, e também em Ponta Delgada.

Quantas pessoas foram envolvidas na operação?

Para autorizar e realizar as buscas, foram envolvidos dois juízes de instrução criminal, seis magistrados do Ministério Público, seis elementos do Núcleo de Assessoria Técnica (NAT) da Procuradoria-Geral da República e perto de 200 investigadores criminais e peritos da PJ. A equipa foi transportada para o arquipélago por um avião da Força Aérea Portuguesa e, de acordo com o Jornal da Madeira, terá transportado também jornalistas do continente.

O que está a ser investigado pela Polícia Judiciária?

As suspeitas que recaem sobre Miguel Albuquerque e Pedro Calado têm que ver com um eventual favorecimento, por parte do actual autarca do Funchal, ao grupo empresarial AFA, detentor dos hotéis Savoy, onde Calado chegou a trabalhar. No caso do presidente do governo regional, o Ministério Público desconfia que Albuquerque tenha participações no fundo imobiliário que, em 2017, comprou a Quinta dos Arcos (propriedade de Albuquerque) por 3,5 milhões de euros, alegadamente pagos em actos corruptivos. A quinta passou a ser explorada pelo Grupo Pestana que na mesma altura viu renovada, por ajuste directo, a concessão da exploração da zona franca — negócio gerido por Pedro Calado.

Em linguagem judicial, a operação da PJ pretende apurar:

  1. "factos susceptíveis de enquadrar eventuais práticas ilícitas, conexas com a adjudicação de contratos públicos de aquisição de bens e serviços, em troca de financiamento de actividade privada”
  2. "suspeitas de patrocínio de actividade privada tendo por contrapartida o apoio e intervenção na adjudicação de procedimentos concursais a sociedades comerciais determinadas"
  3. "adjudicação de contratos públicos de empreitadas de obras de construção civil, em benefício ilegítimo de concretas sociedades comerciais e em prejuízo dos restantes concorrentes, com grave deturpação das regras de contratação pública, em troca do financiamento de actividade de natureza política e de despesas pessoais".

Quais são os crimes em causa?

De acordo com a PJ, os crimes em causa são: corrupção activa e passiva; participação económica em negócio; prevaricação; recebimento ou oferta indevidos de vantagem; abuso de poderes e tráfico de influência.

Quem são os três detidos?

A Polícia Judiciária confirmou a detenção de três pessoas ao início da tarde de quarta-feira, após as buscas, mas recusou-se a adiantar as suas identidades. Ao que o PÚBLICO apurou, as três pessoas serão: Pedro Calado, autarca do Funchal; Avelino Farinha, líder do grupo empresarial AFA; e o CEO do grupo Socicorreia, Custódio Correia.

Quando é que os detidos vão ser ouvidos?

Pedro Calado, Avelino Farinha e Custódio Correia devem ser ouvidos para primeiro interrogatório judicial e aplicação das medidas de coação na sexta-feira, no Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, como adiantou à Lusa fonte judicial. No mesmo dia está prevista uma greve de funcionários judiciais, sem serviços mínimos, o que poderá comprometer a realização das diligências.

O que disse o Ministério Público até ao momento?

O MP avançou que "existem suspeitas de que titulares de cargos políticos do governo regional da Madeira e da Câmara do Funchal tenham favorecido indevidamente algumas sociedades/grupos em detrimento de outras ou, em alguns casos, de que tenham exercido influência com esse objectivo”.

Suspeita-se ainda "de favorecimento dos adjudicatários e concessionários seleccionados, de violação de instrumentos legais de ordenamento do território e de regras dos contratos públicos, nalguns casos com o único propósito de mascarar contratações directas de empresas adjudicatárias".

O facto de o Governo regional ter acordado pagar "elevados montantes a coberto de uma transacção judicial" a uma empresa de construção e engenharia (a AFA), após ter sido "criada a aparência de um litígio entre as partes" também está sob investigação, assim como "actuações que visariam condicionar/evitar a publicação de notícias prejudiciais à imagem do Governo Regional em jornais da região, em moldes que são susceptíveis de consubstanciar violação da liberdade de imprensa".

A que ano remontam os factos que conduziam às suspeitas do MP?

Os factos remontam a 2017, aquando da adjudicação directa da concessão da Zona Franca da Madeira à Sociedade de Desenvolvimento da Madeira (nome do fundo detido maioritariamente pelo grupo Pestana). A operação recebeu parecer negativo da Comissão Europeia, que preferia um concurso público. Em 2019, o parecer do Tribunal de Contas assumiu que o negócio estava "ferido de ilegalidade”. Em 2021, começou a ser investigada pelo DCIAP "uma eventual relação dessa adjudicação com a venda, a um fundo imobiliário, de um conjunto de imóveis onde se encontra instalada uma unidade turística".

Miguel Albuquerque disse que não era arguido, mas afinal é?

Ao reagir às buscas, o presidente do Governo regional da Madeira rejeitou estar na condição de arguido, mas horas depois surgiram notícias na comunicação social a dar conta de que o social-democrata já tinha sido constituído arguido, indiciado por crimes de corrupção. Paulo Cafôfo, o seu adversário político e líder do PS, disse que “Miguel Albuquerque perdeu de forma irreversível e irremediável a confiança dos madeirenses”. O socialista já exigiu a sua demissão e pediu-lhe que “não se refugie na imunidade” de que goza como membro do Conselho de Estado. Na realidade, o social-democrata tem dupla imunidade: por ser conselheiro de Marcelo e por presidir ao Governo madeirense.

Marcelo Rebelo de Sousa já falou sobre o caso?

Já, logo na quarta-feira, mas foi parco nos comentários. Disse que “o Conselho de Estado só é chamado a intervir no caso de haver um conselheiro que seja ouvido ou detido. Para isso é preciso haver intervenção do Conselho de Estado. No caso de buscas, não há exigência de qualquer intervenção do Conselho de Estado”.

Quantos partidos vão apresentar uma moção de censura no parlamento regional?

Pelo menos dois falaram na hipótese, com mais ou menos certezas: o PS e o Chega. Paulo Cafôfo disse à Lusa que o PS-Madeira "vai dar entrada" na Assembleia Legislativa Regional a uma moção de censura ao Governo já nesta sexta-feira. No caso do Chega, a decisão de avançar no mesmo sentido surge como a mais provável depois de, na quinta-feira, André Ventura se ter reunido com o líder do Chega-Madeira para discutir que caminho seguir perante o cenário de crise política no arquipélago. A decisão definitiva será tomada em breve. Já o PAN avisou que só mantém o apoio ao Governo se Miguel Albuquerque se demitir, colocando a indigitação de um novo presidente da equipa governativa como condição para continuar a viabilizar o executivo madeirense.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários