Senhores ministros, apanhem o autocarro

Os políticos vivem numa “bolha”. Esta elite que nos governa não entende as preocupações da maioria e esta distância de segurança origina um país que está longe de ser funcional.

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Megafone P3: Senhores ministros, apanhem o autocarro Tiago Lopes
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Podia ser uma noite especial, mas é apenas uma qualquer. Estamos em janeiro, está frio e estou desconfortável. Espero a chegada de um transporte que me dê privilégio de chegar a casa e descansar.

Olho com esperança para o banco da paragem, mas já está ocupado. A frustração invade-me a corrente sanguínea e, numa tentativa de salvação, aproximo-me de uma senhora com ar sábio. Pergunto-lhe: "Sabe dizer-me se já passou o autocarro?". Revira-me os olhos e responde-me de modo ríspido: "Ó menina, já cá estou há 45 minutos e nada!". Agradeço e recolho-me no muro solitário que ampara a minha irritação.

Passam-se dez, quinze, vinte minutos. Quando já nada o fazia prever surge, finalmente, o veículo tão esperado. Suspende a marcha, abre as portas traseiras e expele algumas pessoas. As portas da frente recusam-se a abrir. O autocarro está cheio, ninguém vai entrar. Parte com arrogância, levando com ele a réstia de esperança que me sobra, deixando-me à beira de um ataque de fúria. Não escondo a indignação e deixo sair uma daquelas palavras que fariam a minha avó arregalar os olhos.

Ao longo dos anos, vários estudos têm tentado compreender o que agarra o português ao carro privado, numa recusa pelos transportes públicos que tanto ajudam o meio ambiente como beneficiam a sua carteira. A resposta parece-me simples: os transportes públicos são os transportes da plebe.

Se os políticos portugueses usassem os transportes, como acontece em vários países da Europa, em vez do Mercedes Benz com motorista, era possível que algo mudasse.

Perdoem-me esta justificação tão simplista. Eu sei que, no Reino Unido, por exemplo, o dinheiro investido na rede de transportes é bastante superior ao de Portugal, contudo aqui o problema é a falta de logística.

Imagino, facilmente, Fernando Medina a ficar de faces ruborizadas após 45 minutos de espera ao relento pelo autocarro e a rogar uma praga ao seu alfaiate por não ter colocado um forro a mais no seu fato feito por medida. Os políticos vivem numa “bolha”. Esta elite que nos governa não entende as preocupações da maioria e esta distância de segurança origina um país que está longe de ser funcional.

Há pouco tempo, houve uma reforma das paragens de autocarros. Esta informação isolada pode enganar-te e levar-te a achar que foi positivo, mas não sejas precipitado. Das novas paragens, existem algumas que se encontram de costas para a rua. Leste bem: as pessoas ficam sentadas de costas voltadas para o trânsito, ou seja, torna-se impossível ver o autocarro a chegar, algo imprescindível para quem, efetivamente, apanha transportes públicos.

Antes de decidirem implementar novas políticas que mudam o quotidiano das pessoas, senhores governantes, interajam, vivam um dia na nossa pele. Relativamente aos transportes públicos, só me resta pedir, enquanto humilde plebeia: senhores ministros, apanhem o autocarro, por favor!

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