Provas de aferição: “Temos alunos que não estão a aprender o que deviam”

Para a Associação de Professores de Português, os resultados à disciplina são “globalmente maus” e é preciso mais trabalho com os alunos em sala de aula, o que esbarra na “falta de recursos”.

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Alunos do 2.º ciclo devem ser alvo prioritário de medidas mais específicas na recuperação das aprendizagens Paulo Pimenta/Arquivo
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Para a Associação de Professores de Português, os resultados “globalmente maus” das provas de aferição realizadas no ano passado são particularmente relevantes — e preocupantes — quando se analisam as dimensões em que os alunos são chamados a interpretar ou a raciocinar sobre determinado tema. As provas revelam claramente que os estudantes não estão “a aprender o que deviam aprender”, alerta o vice-presidente da associação, João Pedro Aido, que diz ser urgente olhar para o que está a ser feito na sala de aula e trabalhar mais com os alunos capacidades cognitivas mais complexas.

Além dos resultados por domínios — que, na disciplina de Português, pioraram em todas as competências avaliadas (com excepção da Oralidade e Gramática no 2.º ano) — o Instituto de Avaliação Educativa (Iave) também faz uma avaliação por “níveis de complexidade cognitiva”. O nível inferior corresponde a operações de “conhecer/reproduzir”, o médio a questões de “aplicar/interpretar” e o superior a itens de “raciocinar/criar”.

Na análise, cujas conclusões foram conhecidas na última sexta-feira, o Iave conclui que, “de uma forma geral, os resultados continuam a mostrar, em cada área, um desempenho mais modesto nos níveis de complexidade cognitiva mais elevados (médio e superior), ou seja, naqueles que pressupõem maior complexidade, como a interpretação, a inferência, a resolução de problemas, o raciocínio e a criatividade”. “Esta situação verifica-se em todos os anos de escolaridade”, refere o relatório.

E é justamente para isso que alerta a Associação de Professores de Português. “No nível mais baixo, no nível médio e no nível mais alto de complexidade cognitiva, os resultados baixam. Na média dos alunos [do 5.º ano], os resultados são negativos no nível médio ou mais elevado”, nota João Pedro Aido. Isto significa que cerca de metade dos estudantes avaliados não consegue interpretar nem raciocinar a generalidade dos exercícios propostos.

Para o professor, estes resultados revelam “a dificuldade que as escolas têm em conseguir construir actividades e exercícios para pôr os alunos a aprender o suficiente em actividades mais complexas”.

A situação é particularmente mais gravosa nos alunos do 5.º ano, já que “têm claramente resultados mais fracos do que os do 2.º ano”, na disciplina de Português. Tal poderá ser, em parte, explicado pelo impacto dos confinamentos provocados pela covid-19 nas suas aprendizagens, já que estavam a meio do primeiro ciclo quando as escolas encerraram. Mas o professor de Português rejeita que a pandemia seja a principal responsável.

Mais recursos e recuperação de aprendizagens nas férias

João Pedro Aido diz ser fundamental olhar para o que estar ser feito dentro da sala de aula. “As aulas didácticas, provavelmente, não estão a privilegiar as competências mais complexas. Estamos a privilegiar um certo trabalho de transmissão de conteúdos, de técnicas de resolução de exercícios, trabalhos um bocado rotineiros, que não levam os alunos a desenvolver habilidades cognitivas mais complexas e mais elevadas”, analisa.

No caso da disciplina de Português, o docente defende ser necessário ter mais actividades de leitura e de escrita nas aulas. “Ler mais e escrever mais é absolutamente decisivo”, diz.

João Pedro Aido lembra ainda que as escolas estão a funcionar com “recursos escassos” e que nem sempre conseguem chegar aos alunos com maior dificuldade. “Temos alunos que não estão a aprender o que deviam aprender. Não estão a consolidar as aprendizagens adquiridas. E isso implica que tenhamos mais recursos — que não temos —, porque não temos professores suficientes para os apoiar nas suas dificuldades”, nota.

Para o docente, os alunos do segundo ciclo devem ser um alvo prioritário de medidas mais específicas na recuperação das aprendizagens. Por isso, propõe que parte desse trabalho possa ser feita nas férias escolares. “Isso é muito mais importante do que o aluno ficar retido”, nota. E ainda programas de mentoria ou de tutoria para alunos, prestados pelos próprios alunos que estão mais à vontade no determinado tópico ou num determinado domínio para poderem apoiar os seus colegas.

Além disso, defende ser necessário “repensar não só a formação inicial, como a formação contínua de professores”, de modo a terem didácticas mais direccionadas para actividades, experiências e propostas de aprendizagem que levem os alunos a ter desempenhos em níveis de complexidade mais alta.

Para João Pedro Aido, o manancial de dados que os resultados das provas de aferição revelam deve ser “objecto de reflexão pela tutela”, mas também neste contexto de eleições em que estão a ser preparadas propostas de intervenção para a próxima legislatura.

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