Anna Jørgensen, da Cortes de Cima, eleita um dos 40 líderes jovens mais promissores da Europa

Anna Jørgensen, da casa alentejana Cortes de Cima, foi eleita pelo think tank Friends of Europe, com sede em Bruxelas, para a lista dos 40 European Young Leaders com menos de 40 anos.

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Anna Jørgensen, da Cortes de Cima, fotografada em 2021 para uma Fugas Especial Vinhos Rui Gaudêncio
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Anna Jørgensen, há quatro anos à frente dos destinos da Cortes de Cima e a protagonizar uma autêntica revolução na forma de trabalhar da herdade da Vidigueira, no Alentejo, foi eleita European Young Leader, juntamente com outras 39 personalidades europeias.

A Friends of Europe justifica a sua escolha com a "missão" que a enóloga e gestora, filha de pai dinamarquês e mãe americana mas criada no Alentejo, resolveu abraçar quando assumiu a gestão da propriedade, com apenas 26 anos: ter "uma produção sustentável e biológica, com impacto ambiental mínimo".

Em comunicado, a organização com sede em Bruxelas explica que Anna "defende abordagens regenerativas", "práticas que permitem reduzir a irrigação e a policultura, para aumentar a resiliência da vinha a longo prazo". O que é ainda mais relevante, numa região como o Alentejo, sublinham os responsáveis, que "enfrenta desafios acrescidos em matéria de alterações climáticas, por exemplo a escassez de água".

Nota o centro de reflexão belga que, "em dois anos, Jørgensen levou a adega [Cortes de Cima] a reduzir os seus hectares de vinha para metade, aproveitando a terra de forma mais sensata para produzir menos uvas, mas uvas de maior qualidade".

Anna Jørgense, que "não estava à espera" nem percebeu logo à primeira a distinção de que foi alvo, confirmou ao PÚBLICO que, dos 240 hectares de vinha que a herdade tinha quando chegou à sua gestão, hoje existem apenas 100 hectares, certificados em agricultura biológica desde o ano passado, assim como a restante área de uma propriedade que tem ao todo 365 hectares.

No lugar de algumas das videiras que Anna mandou arrancar, depois de um criterioso e aturado estudo "para perceber quais os solos indicados para vinha", aumentou a área de olival. Aos 40 hectares que já existiam, juntaram-se 2.000 oliveiras centenárias — "não têm um compasso muito apertado, estão espalhadas e é um bocadinho difícil indicar a área que ocupam" — que um vizinho ia arrancar para plantar olival novo em modo super-intensivo. Algo que, como observa a gestora, acontece um pouco por todo o Baixo Alentejo. "Iam para lenha. E nós acreditamos que têm valor."

Se, por um lado, os solos onde foi arrancada a vinha "tinham uma má capacidade de armazenamento de água", "eram pouco profundos", por outro, a viticultura mais convencional que no passado se fazia em Cortes de Cima — e em todo o lado — nunca permitiria que aquelas videiras chegassem a velhas. Havia muitas "doenças do lenho" e fraca produção.

Nessa terra, para além de mais oliveiras, Anna e a família estão "a plantar florestas" e "a adensar linhas de água, para aumentar a biodiversidade, mas também para tentar travar a água" e permitir que ela fique nos solos, de forma a estar disponível mesmo quando não chove. Assim como planeiam aumentar a área de montado, actualmente com 100 hectares.

Mas há mais. Na vinha que foi mantida, para fazer vinhos segundo um perfil mais contemporâneo, menos alcoólicos e menos extraídos, foi reintroduzido no último ano o uso de animais. "Temos 200 ovelhas que no ciclo vegetativo da videira passeiam no montado e no olival e que, depois de as uvas caírem, andam na vinha e fertilizam naturalmente o solo. E também temos 11 vacas e cinco burros, para fazer mais ou menos a mesma coisa que as ovelhas."

O objectivo é "reduzir os inputs externos à produção". "Sermos mais resilientes, auto-suficientes, reduzirmos a nossa pegada de carbono e aumentarmos a vida do solo. Fechar o ciclo, trabalhando com a própria natureza."

A propriedade já é auto-suficiente em água, porque construiu "barragens que retêm a água da chuva" e, claro, porque reduziu os consumos, inclusive na vinha. "A vinha existente sempre foi regada", gota a gota, e estava habituada a ter água. Anna explica como foi possível passar a regar menos, mas melhor. "Antes, as vinhas eram regadas da Primavera até à colheita, não vou dizer diariamente mas de dois em dois dias, ou de três em três. Agora regamo-las duas a três vezes por ano, e são regas longas, durante toda a noite, no período mais fresco, 12 horas, como se fosse uma grande chuvada, para a água entrar bem no solo."

Edifícios e produção são alimentados a energia solar. A herdade tem painéis solares que fazem com que Cortes de Cima seja auto-suficiente do ponto de vista energético e ainda venda electricidade à rede. Minimizou a passagem de tractores, dando "preferência a veículos eléctricos". "Como fazemos uma agricultura mais à escala humana, usamos uns carrinhos eléctricos pequenos, muito mais leves, quase carrinhos de golfe, vá."

Vinha nova, 'raízes' antigas

A revolução em casa dos Jørgensen não se faz só de arrancar vinha velha, velha no sentido de já não servir o projecto de enologia, entenda-se. Anna quer "começar a plantar vinha nova no Outono" deste ano, apenas "nas parcelas que têm boas condições hídricas e nutritivas para a vinha". E "a ideia" é que essa vinha nova seja plantada "em sequeiro". "Em solos que o permitem", claro está. Nessas plantações, Cortes de Cima quer regressar "à arquitectura mais clássica da região", ou seja, à condução das videiras em vaso (ou Goblet) e utilizar "porta-enxertos específicos e castas autóctones", em nome de uma "maior resiliência". "Castas que estão habituadas a crescer nestas condições."

Anna cresceu e viveu no Alentejo até aos 14 anos, antes de frequentar a escola na Dinamarca, estudou depois Enologia e Viticultura na Austrália e passou entretanto pela Borgonha, pela Nova Zelândia e pela Califórnia, no velho e no novo mundo do vinho. Em 2019, assumiu a enologia e a gestão da Cortes de Cima, um negócio que os pais construíram de raiz nas encostas da serra do Mendro. Os Jørgensen descobriram a Vidigueira em 1988 e, naquela altura, não havia electricidade na propriedade nem uma só videira para amostra, apenas cereais.

Anna Jørgensen está à frente dos destinos da herdade Cortes de Cima desde 2019; este retrato é do ano seguinte Daniel Rocha
O casal Hans e Carrie Jørgensen, pais de Anna, fotografos em 2010 Enric Vives-Rubio
Noutra época, plantaram-se nas Cortes de Cima as castas internacionais que estavam na moda e praticava-se uma viticultura mais convencional Enric Vives-Rubio
O casal Jørgensen descobriu a Vidigueira em 1988 e apaixonou-se por Cortes de Cima, tendo construído do zero o negócio da herdade, hoje gerida por Anna Jørgensen Rui Gaudêncio
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Anna Jørgensen está à frente dos destinos da herdade Cortes de Cima desde 2019; este retrato é do ano seguinte Daniel Rocha

O casal plantou vinha e começou a produzir vinhos, referências que vão do democrático Chaminé ao primeiro infame e depois afamado Incógnito, um 100% Syrah nascido quando esta casta estrangeira ainda não era autorizada para vinhos alentejanos com Denominação de Origem ou Indicação Geográfica.

Anna Jørgensen ​lançou o primeiro vinho em nome próprio, o Daqui, em 2020. Uma produção provocatória, em parceria com o jornalista britânico James Goode, que foi para o mercado numa garrafa de litro e com cápsula. Tal e qual fez o pioneiro Hans Jørgensen no passado, de forma diferente e à luz de outras preocupações, também Anna ​está a mudar o negócio de forma disruptiva.

Os outros 39 eleitos

Entre os outros 39 jovens líderes europeus eleitos pela Friends of Europe, estão, por exemplo, a galardoada actriz e activista cigana Alina Șerban; Ryyan Alshebl, um refugiado sírio que se tornou autarca na localidade alemã de Ostelsheim; o vice-primeiro ministro esloveno Luka Mesec, que criou um ministério do Futuro baseado na Solidariedade, o nadador olímpico finlandês Ari-Pekka Liukkonen, que assumiu publicamente a sua homossexualidade em reacção à nova lei anti-LGBT da Rússia; Zarah Bruhn, fundadora da SocialBee, uma organização sem fins lucrativos que apoia empresas na contratação de refugiados e migrantes; Tobias Stüber, CEO da Flibco, a primeira empresa no Luxemburgo a implementar a semana de trabalho de quatro dias; e Valeriya Ionan, vice-ministra da Transformação Digital da Ucrânia, com a pasta da Integração Europeia.

O artista urbano Alexandre Farto (Vhils), o bailarino principal do Royal Ballet de Londres Marcelino Sambé e o médico e activista Gustavo Carona estão entre os nomes que, no passado, a rede European Young Leader elegeu em Portugal.

O programa European Young Leader surgiu em 2012 como um contributo para resolver o crescente afastamento dos cidadãos em relação à política. Desde então tem vindo a eleger, todos os anos, 40 nomes que representam uma nova geração de líderes no velho continente, em diferentes áreas de intervenção, da política às empresas, da sociedade civil às artes, da ciência ao desporto.

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