Saudação romana é crime, mas não em comemorações, diz o Supremo italiano

O gesto, frequente entre nacionalistas e neofascistas italianos, só tem relevância criminal se estiver em causa uma “reorganização do partido dissolvido” ou a perturbação da ordem pública.

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O maior partido da coligação no poder, o Irmãos de Itália, da primeira-ministra, Giorgia Meloni, é herdeiro dos neofascistas do MSI GUGLIELMO MANGIAPANE/Reuters
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Em análise pelo Supremo Tribunal de Itália estava uma manifestação em Milão, em 2016, para comemorar a morte de um dirigente fascista, assassinado em 1975 pela extrema-esquerda –, onde os participantes fizeram a saudação fascista, acompanhada do habitual grito “Presente!”. Na prática, tinham de determinar se este grito “e a chamada ‘saudação romana’, rituais evocativos dos gestos típicos do partido fascista dissolvido”, e repetidos este mês por centenas de pessoas em Roma, são, de facto, um crime. “Sim, mas”, responderam os juízes.

“A decisão do Supremo estabelece que a saudação romana não é crime a não ser que haja um perigo concreto de reconstrução do partido fascista, como previsto no Artigo 5.º da Lei Scelba, ou se houver um objectivo concreto de promover a discriminação racial e a violência, como estabelecido na Lei Mancino”, explicou à imprensa italiana Domenico Di Tullio, advogado de dois dos oito acusados – que tinham sido condenados em primeira instância.

Antes desta sentença, a justiça já tinha decidido não atribuir “relevância penal” a este rito por não considerar a existência de “risco para o Estado”, como também já tinha “valorizado o seu peso simbólico ligado a uma ideologia não democrática” para considerar que se verificava a prática de um crime, recorda o jornal Il Fatto Quotidiano.

A Lei Scelba, de 1952, pune a apologia do fascismo e a reorganização do partido de Benito Mussolini, especificamente “quem cumpra publicamente manifestações usuais do dissolvido partido fascista”, enquanto a Lei Mancino, de 1993, proíbe “manifestações exteriores” típicas de organizações violentas e discurso de ódio.

A Secção Unida do Supremo Tribunal, “o colégio especial que resolve as contradições de interpretação internas”, escreve o Il Fatto Quotidiano, “aderiu à segunda tese”, a da Lei Scelba, acrescentando que, "‘em determinadas condições’, os dois crimes possam ocorrer ao mesmo tempo”. Com esta decisão, em resposta a um pedido de recurso, o Supremo ordenou um novo julgamento para os oito réus, inicialmente condenados pela Relação – agora, um tribunal de primeira instância terá de determinar se houve uma ameaça ao Estado ou se a saudação tinha como propósito revitalizar o Partido Nacional Fascista.

Os oito acusados integram o CasaPound, o antigo partido de extrema-direita transformado em movimento (mas cujos membros continuam a apresentar-se a votos, aliados a outros grupos). Os seus membros são presença habitual em encontros e celebrações anuais marcados pela saudação fascista: o último, a 7 de Janeiro, que assinala a morte de três militantes do partido neofascista Movimento Social Italiano, juntou várias centenas de pessoas em Roma, filmadas enquanto faziam a saudação e gritavam “presente”: as imagens não são inéditas, mas o vídeo foi partilhado por um jornalista e tornou-se viral, com muitos políticos a exigirem que os participantes sejam investigados.

“Fomos condenados por incitação ao ódio por causa da comemoração de Sergio Ramelli. Isso enojou-me, e foi um insulto à memória do Sergio. Ele foi vítima desse crime e não cedeu, continuou a sua militância e pagou com a vida”, disse Marco Carucci, um dos oito extremistas milaneses, em declarações ao diário Il Giornale. “Agora vão julgar-nos sob a Lei Scelba, por apologia ao fascismo.”

"Uma vitória"

O CasaPound considerou a decisão do Supremo “uma vitória que finalmente põe fim a uma série de acusações que não faziam sentido e às indignas polémicas que eclodiram após a comemoração de Acca Larentia”. “Claro que vamos continuar a fazer a saudação romana”, afirmou Luca Marsella, porta-voz do CasaPound, à agência de notícias Ansa.

Acca Larentia é o nome da rua onde ocorre todos os anos a manifestação de Janeiro, diante da antiga sede do MSI. O maior partido da coligação no poder, o Irmãos de Itália, da primeira-ministra, Giorgia Meloni, é herdeiro do MSI e mantém o mesmo emblema, a chama tricolor. Meloni, que chegou a participar em celebrações deste tipo na juventude, recusa o rótulo de pós-fascista com que o seu partido é habitualmente descrito e já afirmou que não há lugar para “nostálgicos do fascismo” na formação, mas sabe que tem o voto de muitos italianos que poderiam ser descritos assim e nunca afastou dirigentes por fazerem a saudação romana.

“O que aconteceu não é aceitável. As organizações neofascistas devem ser dissolvidas, como diz a Constituição”, escreveu nas redes Elly Schlein, líder do principal partido da oposição de centro-esquerda, o Partido Democrata, depois do encontro na Via Acca Larentia. “Roma, 7 de Janeiro de 2024. Parece que foi em 1924.” Vários partidos da oposição exigiram ao Governo medidas para banir movimentos como o CasaPound ou o Força Nova, mas Meloni não fez qualquer comentário.

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