Itália vai ter um museu dedicado ao fascismo

Inauguração prevista para o Outono, em Salò. Associações antifascistas falam numa potencial “meca para fascistas”; curadores afirmam que é preciso “esclarecer” um período “controverso” da história.

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Directora do museu diz que a instituição não está interessada "em demonizar nem em defender a era fascista". Na fotografia, Mussolini passa revista às tropas em Roma wikicommons images

Salò, cidade no Norte de Itália que era a sede do governo de Benito Mussolini durante o regime fascista italiano, vai receber o primeiro museu do país dedicado ao fascismo, avançou o jornal The Art Newspaper.

Com inauguração prevista para o Outono, o futuro Museu da República Social Italiana - o nome evoca o governo fascista instaurado em Setembro de 1943, aquando do Armistício de Cassibile, na parte do território italiano não ocupado pelos Aliados, considerado um Estado fantoche da Alemanha nazi - vai ser preenchido por fotos da época, posters da propaganda do regime, bustos e vídeos de discursos de Mussolini, recortes de jornais, clipes de áudio do hino da República Social Italiana, entre outra memorabilia fascista, além de um abrigo à prova de bomba da época, reconstruído.

Uma manobra delicada, numa altura em que os movimentos de extrema-direita ganham tracção na Europa e com Itália a ser governada por Giorgia Meloni, líder do partido Irmãos de Itália (FdI), um descendente directo do Partido Nacional Fascista (Ignazio La Russa, co-fundador do FdI escolhido por Meloni para presidir ao Senado, foi recentemente filmado em sua casa ao lado de bustos de Mussolini).

Enquanto as associações locais antifascistas vêem o museu como uma potencial “meca para fascistas”, os curadores argumentam que este servirá para “esclarecer” um período “controverso” da história da Itália, que não foi ensinado “adequadamente” nas escolas do país. De acordo com o The Art Newspaper, Roberto Chiarini, Elena Pala e Giuseppe Parlato consideram que Itália nunca desempoeirou verdadeiramente o seu passado. “Após a guerra, o fascismo era visto como algo altamente negativo; um assunto sobre o qual nem valia a pena falar.”

“O fascismo criou uma fractura na sociedade que ainda hoje é sentida”, aponta Roberto Chiarini, que é também presidente do centro de estudos e de documentação sobre a República Social Italiana, com sede em Salò. Já Lisa Cervigni, directora do Museu de Salò (MuSa), cujo edifício irá albergar o Museu da República Social Italiana, defende que é preciso reflectir sobre a história deste período “de forma equilibrada”. “Não estamos interessados em demonizar nem em defender a era fascista.”

O MuSa tem vindo a debruçar-se sobre este assunto. Chegou a ter uma secção permanente sobre a República Social Italiana e apresentou exposições temporárias sobre o fascismo, entre elas O Culto do Líder, em 2016, centrada na glorificação de Mussolini e respectiva máquina de propaganda. Esta exposição foi recebida com protestos de manifestantes antifascistas à porta do museu.

Nostálgicos do fascismo?

De resto, não é a primeira vez em Itália que um projecto museológico desta estirpe está em cima da mesa. Roma e Predappio, cidade onde Mussolini nasceu e onde está sepultado, já tiveram planos para criar os seus museus em 2020. Não faltou oposição. Os responsáveis voltaram atrás, arquivando os projectos.

Face à iminente concretização do museu em Salò, representantes da Associação Nacional de Partidários Italianos (ANPI), organização fundada por membros da Resistência Italiana, e a instituição de caridade antifascista Green Flame Brigade alertaram que este se poderá tornar num local de peregrinação fascista caso não se aborde o tema com o cuidado e o enquadramento devidos.

Lucio Pedroni, dirigente da filial de Bréscia da ANPI, assinala que a associação “não é contra” a criação do museu per se, mas que é necessário dar destaque e dar contexto aos crimes cometidos durante a ditadura italiana, apelidando os planos de expor alguma da memorabilia fascista como “ridículos” e “banais”.

Pedroni adverte ainda que alguns destes objectos podem vir de colecções privadas de “nostálgicos do fascismo”. Segundo o The Art Newspaper, um catálogo prospectivo a que o jornal teve acesso lista a proveniência dos objectos como “Privado - Centros de Estudos República Social Italiana”, mas não menciona quem os doou. A curadora Elena Pala diz que “90%” dos itens e documentos vieram de “coleccionadores mais antigos”, mas nega que estes possam ser descritos como nostálgicos do fascismo.

O dirigente da ANPI refere ainda que Marco Bonometti, empresário que os jornais italianos descrevem frequentemente como um admirador de Mussolini, está entre os financiadores do museu, informação que a directora do MuSa não confirma nem desmente. Contudo, nota o The Art Newspaper, Gianpaolo Comini, que integra o conselho do MuSa e é também membro da ANPI, diz que Bonometti é o único financiador privado da instituição. Para Comini, o empresário está interessado em apoiar este projecto porque poderá aumentar o número de visitantes do MuSa e também por causa “da sua simpatia” pelo período fascista. O The Art Newspaper tentou obter declarações de Bonometti, mas sem sucesso.

O Museu da República Social Italiana vai ocupar um andar inteiro do MuSa. Foram alocados ao projecto 235.000€: 100.000 provenientes da região de Lombardia, 30.000 da autarquia de Salò e o valor restante de patrocinadores privados que não foram ainda oficialmente nomeados.

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