Como Montenegro, Melo (e a mão de Portas) ressuscitaram a AD em poucas semanas

Não é desejável que um potencial candidato presidencial (…) tenha um partido moribundo no currículo

Foto
Luís Montenegro tenta recriar a Aliança Democrática de 1979 FERNANDO VELUDO
Ouça este artigo
00:00
04:47

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

A ideia de uma aliança que juntasse PSD, IL e CDS começou a germinar logo no dia em que o primeiro-ministro, António Costa, pediu a demissão – a 7 de Novembro. Nesse dia à noite, na SIC, o conselheiro de Estado e comentador Luís Marques Mendes colocou a hipótese em cima da mesa. Era uma questão que Luís Montenegro, líder do PSD, tinha de resolver. Com algumas pedras pelo caminho, a Aliança Democrática (AD) acabou por nascer. Tem hoje a sua primeira convenção em Lisboa, onde discursam figuras do PSD e CDS como Leonor Beleza e Paulo Portas.

O primeiro revés da “AD 2.0” foi a recusa da IL em integrar a coligação. A decisão foi comunicada por Rui Rocha pessoalmente a Luís Montenegro. Os sociais-democratas reavaliavam se valia a pena fazer uma coligação pré-eleitoral só com o CDS, um partido quase condenado ao desaparecimento. Pesou a vantagem que o método de Hondt dá às coligações.

Paulo Portas, o homem que liderou o CDS durante 17 anos, deu nota disso mesmo no seu espaço de comentário na TVI. No Global de 26 de Novembro, o antigo vice-primeiro-ministro sublinhou que, à luz de uma simulação com base nos resultados de 2022, uma aliança pré-eleitoral entre os três partidos dava automaticamente mais dez deputados e que o PS teria visto escapar a maioria absoluta.

Era o segundo domingo consecutivo que Portas insistia na vantagem eleitoral de uma coligação. Na mesma noite, na SIC, Marques Mendes defendeu que o PSD deveria fazer uma coligação com o CDS apesar de a IL se ter afastado e pretender concorrer com listas próprias.

A ideia de um entendimento pré-eleitoral já tinha pairado durante o congresso do PSD, a 25 de Novembro. Nesse mesmo dia, Nuno Melo evoluiu no discurso anticoligacionista que tinha mantido até então, ao considerar que um acordo com o PSD faria sentido por uma questão de “aritmética básica e de lucidez estratégica”.

A semana que se seguiu ao congresso dos sociais-democratas foi decisiva para a construção da AD. Com o empenho pessoal de Paulo Portas, o CDS reuniu os seus quadros, chamando também antigos deputados, numa espécie de operação de charme para voltar a tentar seduzir o centro-direita. No topo da mesa sentaram-se o actual presidente do partido, Nuno Melo, ladeado por Paulo Portas e Manuel Monteiro. Estava dada a imagem de um partido unido e com quadros que Luís Montenegro já tinha reconhecido publicamente terem valor político.

O papel do antigo vice-primeiro-ministro na reabilitação do CDS é visto como o último grande serviço que presta ao partido, depois de ter deixado a liderança há oito anos. Além do mais, não é desejável que um potencial candidato presidencial – Portas mantém o tabu sobre isso – tenha um partido moribundo no currículo.

No final de Novembro, quando já era evidente que a coligação era incontornável, Luís Montenegro admitia estar aberto ao diálogo com o CDS, PPM e independentes. Mesmo sem a IL, o líder do PSD acreditou que era preciso dar um sinal de que era capaz de agregar o centro-direita, deixando o Chega acantonado na direita radical.

Montenegro quis ressuscitar uma marca considerada de prestígio – a AD de 1979 – em toda a sua dimensão: com o PPM e independentes. Mesmo que muitos continuem a duvidar da inclusão dos monárquicos.

Para o CDS, integrar o acordo pré-eleitoral que abrisse a porta à eleição de dois deputados já era uma vitória eleitoral antecipada, aliás a única em todo o espectro partidário antes de 10 de Março.

Deste modo, vista a partir de dentro, a AD é um projecto win-win, ou seja, duplamente vantajoso: o PSD mostra capacidade de agregar, o CDS regressa ao Parlamento.

Por outro lado, a união oferecia ainda uma outra vantagem: gerar uma frente de direita democrática para combater o crescimento do Chega, tendo o CDS o papel fundamental de tentar atrair conservadores indecisos e entrar em temas sensíveis como a imigração (que o partido de André Ventura monopolizou) por uma via menos radical.

A vivência de duas coligações governativas nos últimos 20 anos facilitou agora o diálogo entre PSD e CDS. Por outro lado, Luís Montenegro e Nuno Melo já se conheciam há muitos anos, até porque coincidiram no Parlamento e na Comissão de Assuntos Constitucionais durante bastante tempo na década de 2000.

O acordo fica fechado entre os dois em Dezembro, mas, na hora de o anunciar, há um novo sobressalto: o PPM recusa entrar e ameaça impugnar a marca AD no Tribunal Constitucional.

O primeiro anúncio da coligação é apenas entre PSD e CDS, a 21 de Dezembro, mas com o horizonte de um ciclo eleitoral: legislativas, europeias e autárquicas. Só em Janeiro deste ano, o PPM recua na sua decisão inicial e junta-se aos dois partidos.

O primeiro teste da AD – com os mesmos três partidos – são as eleições regionais nos Açores. É já a 4 de Fevereiro.

Sugerir correcção
Ler 17 comentários