Gratidão eterna – de Succession à presidência do FC Porto

Pinto da Costa é o homem mais importante da história do clube, mas já existia Porto antes da sua chegada e continuará a existir Porto depois da sua saída.

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Adriano Miranda
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Foi ontem, 17 de Janeiro, que André Villas-Boas apresentou a sua candidatura, há muito anunciada, à presidência do Futebol Clube do Porto. O evento realizou-se na Alfândega do Porto e contou com a presença de conhecidas figuras associadas ao clube, como Jorge Costa, Helton, Angelino Ferreira (ex-administrador da área financeira) e a família Pedroto, mas milhares de apoiantes foram também acompanhando a stream disponibilizada através das redes sociais da campanha.

Numa clara demonstração da cultura de censura e desconfiança que se instaurou em torno da actual liderança do clube, essa página de candidatura seria mesmo desactivada no Instagram, ao final do dia, estando em causa denúncias apresentadas contra a conta. Em Outubro, a residência do antigo treinador já tinha sido vandalizada com as palavras "Ingrato" e "Traidor" escritas no muro de casa e, semanas mais tarde, um segurança do condomínio foi mesmo agredido após novo ato de vandalismo.

Os sinais, agora incontornáveis, de uma gestão ruinosa, já se faziam notar aquando do acto eleitoral de 2020, quando Pinto da Costa foi reeleito com o resultado mais baixo desde que tomou posse como presidente do clube, em 1982. Agora, sendo ainda incerto se Pinto da Costa se irá recandidatar, o escalar da situação conduziu à criação de duas “facções” (uma a favor da continuidade e da “gratidão” e outra a favor da mudança) e a acontecimentos infelizes como os que acabo de descrever.

Toda a situação se assemelha a um episódio da série americana Succession, como representou recentemente o conhecido criador de conteúdo Insónias em Carvão. Os grandes líderes carismáticos, com décadas de sucesso e enormíssimo capital político acumulado, ganham um estatuto quase divino e as suas decisões raramente são questionadas – mesmo que a sua intuição já não seja o que era. Mais que isso, a quantidade de “parasitas” a pairar junto dessas pessoas cresce exponencialmente à medida que as suas capacidades se vão deteriorando. Os “moços de recados” também vão aparecendo quando é necessário fortalecer o controlo das suas instituições.

Há, no entanto, uma diferença importante entre Logan Roy (o protagonista de Succession) e Jorge Nuno Pinto da Costa. O império da Waystar Royco nasce com Logan Roy, que, partindo de um pequeno jornal, consegue criar uma marca global. Embora seja com Pinto da Costa que o FC Porto ressurge e se torna o clube português com maior sucesso internacional, o clube não nasce com ele. É o homem mais importante da história do clube, mas já existia Porto antes da sua chegada e continuará a existir Porto depois da sua saída. Foi este sentimento que prevaleceu no discurso de candidatura de André Villas-Boas: a gratidão. Mas ao contrário da gratidão cega debitada pelos apoiantes do actual presidente, fala-se em orgulho por ser nosso o presidente mais titulado da história do futebol.

Quanto às ideias, essas apresentam Villas-Boas como uma lufada de ar fresco no universo portista. O candidato falou na restruturação do departamento de scouting, na aposta séria no futebol feminino e no futsal, na criação de um centro de alta performance e, evidentemente, na recuperação do equilíbrio financeiro da SAD, reforçando especialmente a transparência nos negócios com intermediários e a redução da remuneração dos administradores.

Algumas medidas são promessas antigas, outras urgem adoptar, sob pena de o Futebol Clube do Porto continuar a perder competitividade no plano desportivo por capricho dos actuais responsáveis pelo clube. A governança corporativa (ou a “Corporate Governance”, em inglês) está cada vez mais na ordem do dia. Será que Succession oferece uma lição ao FC Porto ou a administração do clube tornar-se-á mais um caso de estudo de más práticas? Sintonizem nos próximos episódios.

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