No que deu a desprofissionalização dos professores

O passado recente e o presente mostram-nos que quem nos tem governado não entendeu ainda o alcance da educação no progresso, dinamismo, inovação, trabalho, cultura e economia do país.

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Uma profissão que é de uma instituição como a Escola é uma profissão valorizada Nuno Ferreira Santos/Arquivo
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Ser professor é uma profissão em desuso, ouvimos isso todos os dias. Por outro lado, ficámos a saber pela experiência recente do ‘ensino em casa’ motivado pela covid-19 que a aprendizagem é mais eficaz se presencial e não através de ecrãs. A relação presencial entre professor/aluno e aluno(s)/alunos(s) é favorável à aprendizagem e ao desenvolvimento humano, contribuindo para o desenvolvimento de algumas competências pessoais, como seja a comunicação, o autodomínio, o conhecimento e gestão das emoções entre outras.

O passado recente e o presente mostram-nos que quem nos tem governado não entendeu ainda o alcance da educação no progresso, dinamismo, inovação, trabalho, cultura e economia do país. O modo como foi quebrado este vínculo de confiança nos professores por parte do Estado, foi o passo para este olho do furacão em que vivemos. O enfraquecimento do carácter específico da profissão é evidente, uma vez que muitas tarefas que nada tem a ver com o ensino passaram a fazer parte do dia-a-dia dos professores. Estes querem que os seus alunos aprendam, ou seja, querem ensinar, e as muitas tarefas do seu dia-a-dia não espelham esta especificidade da profissão que abraçaram.

A desconfiança no exercício da sua profissão é tal que a avaliação aparece de diversos lados e sob diferentes formas, seja por regulação de práticas, por aferição, auto-avaliação e outras. A prestação de contas, justificações, preenchimento de formulários e papéis é tal, que mais parece o exercício de uma profissão administrativa e burocrática.

A formação inicial dos professores não confere competências para o exercício da profissão, entendendo-se por competência o exercício em ação de determinado saber. A formação contínua é descurada: neste momento importa fazer formação, mas não importa qual é a formação que se faz. É importante fazer formação porque a progressão na carreira assim o obriga. O percurso da carreira do professor é regulado pelas saídas, ou seja, por aquilo que tem de fazer se quiser progredir e não por aquilo que deve continuar a aprender e a reciclar o que já aprendeu. Só se aprende didáctica especifica da área que se lecciona uma vez na vida, não se volta à formação superior para um refresh, actualização de metodologias e inovação fruto da investigação realizada.

Uma profissão que é de uma instituição como a Escola, tal como ainda existe no nosso imaginário, é uma profissão valorizada. As sucessivas e evidentes perdas de confiança e a implementação de regulação no trabalho dos professores, mostra não só a desconsideração por aqueles que formam hoje o nosso futuro, como a falta de força do Estado, uma vez que não orienta, nem forma, mas avalia à saída (como a auto-avaliação) o desempenho dos professores.

A autonomia dada à escola e por consequência aos professores dentro da sala de aula (já lá vai o tempo em que todos fazíamos o mesmo à mesma hora de norte a sul do país) é o assumir do Estado da sua falta de conhecimento sobre o que fazer com tantos alunos, tão diversos e por isso impossível de padronizar.

No entanto, a standardização acontece através da avaliação do desempenho, por exemplo, deixando de lado a real aprendizagem dos alunos. Importa mais que se pratiquem as ditas ’boas práticas’ que resultam noutras escolas, ou esta e aquela actividade ou inovação, do que se invista em como é que os alunos de cada professor aprendem e o quê, e implementar estratégias para o sucesso dos alunos. A lógica é avaliativa e não de aprendizagem.

Mesmo dentro da sala de aula, avalia-se por domínios, com grelhas a preencher, carregadas de parâmetros, os quais depois se transformam numa nota, que se coloca em folhas de Excel, que nos diz logo o nível a atribuir, que depois dá origem a Planos de Recuperação, estatísticas e apoios, plantas de sala de aula e outras coisas que tais. Esta standardização não permite ao professor pensar de verdade na aprendizagem de cada um dos seus alunos, mas antes numa rotina de práticas que tem de cumprir, pois lá estará a regulação no fim de tudo.

Este não é o trabalho do professor. Foram anos e anos de enviesamento daquilo que é ser professor, responsabilizando esta classe pelo que parecia ser os males da sociedade.

Ser professor é ensinar, despertar curiosidade pelo saber, ensinar a aprender, promover o contacto com a cultura, interligar de forma simples e despretensiosa os saberes, promover o crescimento intelectual e pessoal, ir fazendo nascer através da sua ação os projectos de vida dos seus alunos. E tudo isto da maneira que melhor tiver que acontecer para cada um dos alunos, sem avaliações de práticas e implementação de ‘boas medidas’.

A desestruturação da carreira docente, o congelamento de anos de serviço, os baixos salários são evidências de desconsideração por parte de quem tem responsabilidades maiores por aqueles que os prepararam para serem hoje quem são. As políticas educativas sucedem-se sem a intervenção dos professores no ativo. São os professores que sabem e tem a experiência do que conduz ao sucesso de cada aluno. São os investigadores que, com a participação dos professores, propõem práticas inovadoras e eficazes.

A educação tem de ser personalizada para ser bem-sucedida. A autonomia não mete medo quando o foco é a aprendizagem dos alunos e não a avaliação dos professores e dos alunos e não o cumprimento de uma pilha de parâmetros sem sentido, na maioria das vezes.

Faz falta formação de qualidade para aqueles que querem ser professores, confiança nos que estão em plena prática, uma carreira estruturada e com remuneração à altura daquilo que representam para um país; e reflexão, investigação e inovação com aqueles que todos os dias estão nas escolas com os alunos, ou seja os professores. Já era altura de perceberem que o maior ‘tiro no pé’ na educação tem sido esta desconfiança e culpabilização dos professores pelos males da sociedade.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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