Escrever teatro em português

É uma falsa percepção esta de que o teatro português não tem quem o escreva. As falsas percepções, por norma, têm origem em falta de atenção. Então, é melhor tomarmos mais atenção.

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Megafone P3: Escrever teatro em português Paulo Pimenta
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O INE publicou as estatísticas da cultura relativas ao ano 2022, que dão conta, no que respeita ao teatro, de um aumento do número de sessões em relação aos anos anteriores, nomeadamente em comparação com 2018 e 2019, já que 2020 e 2021 foram anos afectados pelos confinamentos e salas fechadas. Trata-se de um aumento de cerca de mil sessões em relação aos dois anos anteriores à pandemia. Sobre que sessões são estas e que teatro é este que teve mais mil representações num ano as estatísticas não nos dizem nada.

Uma análise fina que gostava de fazer, por exemplo, tem que ver com a escrita para a cena portuguesa ou a dramaturgia nacional, se vos agradar mais a expressão. Eu prefiro a primeira. Usemos as duas e todos saberemos do que estamos a falar. Não me sendo fácil, por agora, fazer esse levantamento para o país todo, usei os dois teatros nacionais, São João e D. Maria II, mais o Teatro Municipal São Luiz, como amostra. Serve apenas para traçar uma imagem da presença da escrita para cena portuguesa no todo da produção e criação teatral em três instituições de maior dimensão.

Assim, em 2023, e cingindo-me apenas ao teatro, o Teatro Nacional São João apresentou 39 criações, das quais 22 tiveram autoria portuguesa e 17 autores internacionais. O Teatro Nacional D. Maria II, num ano de Odisseia Nacional, com uma intensa actividade por todo o país, teve uma programação que foi bem para além da criação cénica, ainda assim apresentou seis novos espectáculos, apresentados em vários locais, todos de autoria portuguesa. O Teatro Municipal São Luiz teve 28 criações, sendo metade de autoria portuguesa.

O critério utilizado para a definição de autoria teve em conta as fichas técnicas dos espectáculos e diz respeito a inscrições como: “autoria de”, “texto de”, “criação de”. Assim, temos casos de criação portuguesa, outros em que o autor é internacional mas a criação ou encenação é portuguesa (exemplo: Europa, de David Greig; encenação de Pedro Carraca), outros ainda em que o autor é português, mas a encenação e produção é internacional (exemplo: Iphigénie, autoria de Tiago Rodrigues; encenação de Anne Théron) e, finalmente, criações internacionais (apresentadas, sobretudo, em eventos como o FITEI e o “Finisterra”, no Porto, ou o FIMFA, em Lisboa).

Olhando apenas para estes três teatros, que não representam o país por inteiro mas, ainda assim, são expressivos na sua dimensão (um total de 73 criações programadas), notamos uma predominância da escrita para cena portuguesa. Ou dramaturgia nacional, lá está, aquela que é comum dizer-se que não se sabe bem se existe, pois ela está aqui, esteve aqui, no São Luiz, no São João, na Odisseia do D. Maria II e, sabemo-lo, nos teatros pequenos das grandes e das pequenas vilas e cidades, das jovens companhias de teatro que procuram desenvolver os seus projectos e os assinam por inteiro até às companhias mais maduras, que continuam a escrever para a cena ou a recuperar alguns autores portugueses.

A escrita para cena e a escrita de cena são elementos que contrariam a efemeridade do teatro. Não é aos registos audiovisuais que devemos entregar a nossa memória, é à escrita que se faz do teatro que se cria. E isto é muito grande em Portugal. É um património que vamos desbaratando por entre as desculpas de que não há dramaturgos, não há uma biblioteca de dramaturgia portuguesa, não há, não há, não há. E, quando se utiliza algum tempo a olhar para programações de (apenas) três teatros, afinal havia.

As preocupações com a internacionalização não passam por aqui, mas deviam. Internacionalizar a nossa escrita para a cena e a escrita de cena. São muito poucos os programas que existem a promover a escrita de teatro no estrangeiro. Também são poucos a promovê-la cá, é verdade; a edição é escassa, as bolsas são poucas, os prémios também, mas salvam-se alguns bons exemplos. No entanto, para fora, não vemos o potencial da língua portuguesa a ser aproveitado.

É uma falsa percepção esta de que o teatro português não tem quem o escreva. As falsas percepções, por norma, têm origem em falta de atenção. Então, é melhor tomarmos mais atenção. Até para depois os autores e as autoras não aparecerem sempre como “novas vozes” de cada vez que escrevem um texto; às vezes, já escreveram mais de dez antes...

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