O que é que José Mourinho já não tem?

Com um currículo praticamente sem paralelo no futebol mundial, o treinador português foi despedido pela terceira vez nos últimos cinco anos.

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Mourinho esteve dois anos e meio no comando da AS Roma EPA/MASSIMO PERCOSSI
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Duas Ligas dos Campeões (FC Porto e Inter de Milão), três outras provas europeias (Taça UEFA, Liga Europa e Liga Conferência), oito títulos de campeão (em Portugal, Inglaterra, Itália e Espanha), 13 troféus nacionais (entre Taças, Taças da Liga e Supertaças) e quase três dezenas de prémios individuais, entre os quais o de Melhor Treinador atribuído pela FIFA. Este é um currículo praticamente sem paralelo no futebol mundial, mas este é, também, o currículo de um treinador que, pela terceira vez nos últimos cinco anos, foi despedido do clube que comandava. Apesar do protesto de alguns adeptos, a AS Roma anunciou nesta terça-feira “que José Mourinho e os seus colaboradores técnicos” deixavam o clube “com efeito imediato”, colocando um ponto final numa ligação que durou duas épocas e meia.

A ligação e a empatia com os adeptos da AS Roma nunca pareceu ter sido quebrada, e nesta terça-feira, segundo o jornal italiano Gazzetta dello Sport, os dirigentes do clube romano tiveram de pedir a intervenção policial no centro de treinos da equipa, perante os protestos dos adeptos “giallorossi”, que distribuíram panfletos onde constavam frases como “Porco Friedkin” e “Friedkin vai-te embora” - o alvo era o norte-americano Dan Friedkin, presidente da AS Roma.

Porém, as demonstrações de apoio não evitaram que para Mourinho se repetisse o que começa a ser um estigma: é o terceiro projecto consecutivo que é interrompido a meio da terceira época. Mas o que é que treinador português já não tem para não conseguir ter o sucesso do passado? As respostas apontam para culpas próprias - estagnação nos métodos utilizados -, mas, acima de tudo, a aposta em clubes com problemas estruturais e ambições limitadas.

A AS Roma foi o 9.º clube treinador por Mourinho, que teve um início fiel ao seu perfil: polémico, fulgurante e vencedor. Com “escola” feita ao lado de Bobby Robson no Sporting, no FC Porto e no Barcelona, o técnico de Setúbal começou por bater com a porta no Benfica ao fim de apenas 11 jogos, saindo após um triunfo por 3-0 frente ao Sporting.

De seguida, conseguiu, em Leiria, a projecção que levou Pinto da Costa a ver num jovem de 38 anos a capacidade para resgatar um FC Porto em crise: 5.º lugar a meio da época e dois anos sem conquistar o título.

O que se seguiu é uma das histórias de maior sucesso do futebol mundial. Com um estilo fracturante e mostrando enorme habilidade para usar a polémica e os mind games como trunfos a seu favor, Mourinho marcou a diferença pela audácia, mas, também, por saber construir muros dentro do balneário, onde os seus jogadores eram os seus fiéis escudeiros.

A estratégia levou Mourinho ao topo do futebol mundial e a épocas em que colocou FC Porto, Chelsea e Inter em patamares que nem os mais optimistas adeptos desses clubes esperariam.

Seguiu-se Madrid, uma escolha que, mais tarde, Mourinho reconheceu não ter sido tomada no “momento certo”, já que era “o momento em que o Barcelona [de Pep Guardiola] era o mais forte”. No entanto, mesmo tendo como rival uma das melhores equipas da história “blaugrana”, o português abandonou o Real ao fim de três anos, por opção sua, com três títulos - um campeonato, uma Taça do Rei e uma Supertaça.

A partir daí, Mourinho parece ter preparado as suas próprias ratoeiras. A primeira foi a decisão de regressar a Stamford Bridge, onde já apanhou uma equipa aburguesada e sem a “fome” de títulos que havia meia dúzia de anos antes. Depois, a ida para Manchester, onde o United seguia sem rumo desde a saída de Alex Ferguson e, já aí, vivia em permanente ebulição interna. Porém, mesmo com constantes problemas nos bastidores, Mourinho conquistou dois títulos nos “blues” (um campeonato e uma Taça da Liga) e três nos “red devils” (Liga Europa, Taça da Liga e Supertaça).

O risco, nas escolhas de Mourinho, subiu nas duas últimas opções. Seja no Tottenham, seja na AS Roma, o português pegou em equipas com ambições limitadas pela concorrência interna e onde o título de campeão seria sempre uma utopia. Isso reflectiu-se nos resultados e, para um treinador com um ego que se alimenta de vitórias, liderar clubes onde a percentagem de triunfos rondou os 50%, as (pequenas) conquistas – foi despedido do Tottenham a seis dias de jogar a final da Taça da Liga e garantiu à AS Roma o primeiro troféu em 15 anos (Liga Conferência) – pareceram sempre curtas.

O que se segue? Para um treinador que só em indemnizações terá recebido quase uma centena de milhões de euros, o dinheiro não será certamente a prioridade. No entanto, para quem há cerca de um ano rejeitou assumir o comando da selecção portuguesa, será vital escolher um projecto que permita colocar Mourinho na sua zona de conforto: ter argumentos para lutar sempre pela conquista de títulos.

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