Jornalistas que revelaram morte de Amini investigadas por saírem da prisão sem hijab
Niloofar Hamedi e Elaheh Mohammadi saíram de Evin no domingo, após mais de 500 dias, e preparam-se para aguardar em liberdade o julgamento do seu recurso.
Menos de 24 horas depois de terem sido libertadas sob fiança, as jornalistas Niloofar Hamedi e Elaheh Mohammadi já são alvo de um novo inquérito anunciado pelo procurador-geral do Irão. Motivo: as imagens de ambas, mãos dadas, cabelo à mostra, a saírem da prisão de Evin. Detidas há mais de 500 dias, foram as primeiras jornalistas a contar o que aconteceu a Jina Mahsa Amini, a jovem que entrou em coma depois de ser detida pela “polícia da moralidade”, em Setembro de 2022, originando a maior vaga de contestação contra o regime dos ayatollahs desde a fundação da República Islâmica, em 1979.
Hamedi, de 31 anos, saiu de Evin com os seus longos cabelos à vista e um gorro azul, que tirou quando chegou perto dos familiares. Mohammadi, de 36 anos, cabelo curto à vista, trazia também um kaffyeh palestiniano ao pescoço. As duas a sorrir, as duas a fazer com os dedos o sinal de vitória.
À espera de ambas, entre familiares e amigos, viam-se outras iranianas sem hijab, o lenço islâmico de uso obrigatório no Irão – Amini usava hijab, mas foi presa assim mesmo, por alegadamente o usar de forma incorrecta, deixando ver alguns cabelos. Desde a revolta, e apesar dos riscos, muitas mulheres não voltaram a cobrir os cabelos.
Hamedi fotografou o abraço dos pais de Amini, no corredor do hospital, depois de saberem que a filha morrera; Mohammadi esteve no seu funeral, em Saqqez, a cidade da província do Curdistão iraniano, que se transformou no protesto original, onde primeiro se ouviram gritos como “Mulher, vida, liberdade!”, o slogan curdo adoptado como lema dos manifestantes.
Acusadas de “cooperação com o Governo hostil norte-americano, conspiração contra a segurança nacional e propaganda contra o regime”, foram ambas condenadas a 23 de Outubro do ano passado, na sala 15 do Tribunal Revolucionário de Teerão (uma das mais infames), Hamedi a 13 anos de cadeia, Mohammadi a 12.
Depois de pagarem 178 mil euros cada – uma fortuna no Irão –, foram autorizadas a aguardar pelo recurso em liberdade. Resta saber se o novo inquérito não ditará que voltem a ser encarceradas em Evin, a cadeia a norte de Teerão onde o regime prende os presos políticos (não seria a primeira vez que Teerão mandaria prender pessoas acusadas do mesmo tipo de crimes que, entretanto, libertara). Ambas passaram grande parte dos últimos quase 16 meses em isolamento.
Neste período, o regime deteve mais de 22 mil pessoas, a maioria por terem participado nos protestos, e acusou muitas de crimes puníveis com a pena de morte. Pelo menos oito destes detidos, homens, foram executados, um deles em público. De caminho, querendo mostrar-se imune a pressões, executou centenas de outros detidos, às vezes uma dezena por dia. De acordo com o Comité para a Protecção dos Jornalistas, para além das duas repórteres, pelo menos 95 jornalistas foram detidos desde Setembro de 2022.
Enquanto estavam detidas, Hamedi e Mohammadi receberam vários prémios, incluindo o prestigiado Golden Pen of Freedom, atribuído pela World Association of Newspapers.
Hamedi e Mohammadi foram condenadas dias depois de o Parlamento Europeu ter atribuído o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento a Amini e duas semanas depois de a jornalista e activista Narges Mohammadi ter recebido o Nobel da Paz, um prémio que reconheceu “as centenas de milhares de pessoas que se manifestaram contra a opressão do regime teocrático contra as mulheres”. Nas semanas seguintes ao anúncio dos prémios, aumentaram tanto a repressão como o número de execuções.
Pela mesma altura, a tragédia de Amini repetiu-se: a 28 de Outubro, morreu Armita Garavan, estudante de 16 anos que entrara em coma 28 dias antes, depois de cair inanimada no metro de Teerão após “um ataque de agentes da polícia da moralidade” por não usar hijab.