Um soneto e um eclipse solar indicam a data de nascimento de Camões
Cientistas da Universidade de Coimbra chegaram a uma possível data de nascimento do poeta através da interpretação de um soneto e do estudo de efemérides astronómicas e tabelas de eclipses.
E se o início de um soneto de Luís de Camões permitisse indicar a sua data de nascimento? Foi esta a questão que se pôs e que permitiu a um grupo de investigadores da Universidade de Coimbra (UC) avançar com a hipótese de o poeta português ter nascido a 23 de Janeiro de 1524, há 500 anos. A pista? Um eclipse solar.
“O dia em que eu nasci, morra e pereça/Não o queira jamais o tempo dar/Não torne mais ao mundo e, se tornar/, Eclipse nesse passo o Sol padeça”: é assim a primeira estrofe do soneto cuja interpretação culminou na descoberta da possível data de nascimento de Camões, que morreu a 10 de Junho de 1580. A tese baseia-se no estudo da astronomia e da ocorrência de eclipses e será discutida publicamente a 23 de Janeiro, passados 500 anos dessa data, num debate promovido pela Biblioteca Geral (BGUC) e pela Imprensa da Universidade de Coimbra (IUC).
“Afinal, se alguma investigação baseada no estudo da astronomia – área que Camões dominava – já possibilitou reinterpretações de trechos de Os Lusíadas, é muito provável que o quarto verso daquele poema seja uma alusão a certo eclipse solar visível em Portugal, em 1525”, destaca uma publicação no site da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra.
Vamos por partes. O soneto fala do dia do nascimento do poeta, o que levou os investigadores a porem “mãos à obra” — procuraram efemérides astronómicas e consultaram tabelas de eclipses para, a partir desses dados, determinarem a data de nascimento de Luís de Camões. Até hoje, a data oficialmente conhecida do seu nascimento era “por volta de 1524 ou 1525”, segundo indicou o seu biógrafo Manuel de Faria e Sousa, com base num documento segundo o qual Camões se teria inscrito para embarcar para a Índia em 1550, aos 25 anos de idade.
Carlota Simões, directora da IUC e professora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, explica ao PÚBLICO que, segundo o próprio, o dia em que Camões nasceu não deveria voltar mais ao mundo. Porém, caso voltasse, o Sol deveria sofrer um eclipse. Significa isto que tal aconteceria um ano depois, quando o dia do nascimento do poeta voltasse ao mundo e ele completasse um ano de idade.
A partir daqui, os investigadores procuraram todos os eclipses visíveis em Portugal em 1524 e 1525 para datar o primeiro aniversário de Camões. Após consultar dados da agência espacial norte-americana NASA, a equipa apenas encontrou um eclipse solar anular nesse período a 23 de Janeiro de 1525.
Importa ainda salientar que o passo do Sol — expressão mencionada no soneto — é o espaço percorrido pelo Sol (visto da Terra) sobre a eclíptica, durante um dia completo. Uma vez que o Sol avança sobre a eclíptica cerca de um grau por dia, o passo é praticamente igual a um grau, com o termo a ser usado frequentemente como sinónimo de grau no tempo de Camões. A um passo por dia, o Sol percorre toda a eclíptica regressando ao ponto inicial dentro de exactamente um ano.
Ou seja, o nascimento de Luís de Camões terá ocorrido a 23 de Janeiro de 1524, exactamente um ano antes da ocorrência do eclipse. Voltando ao soneto, o poeta destaca que “se tornar” ao mundo o dia em que nasceu, “eclipse nesse passo o Sol padeça”, referindo-se, portanto, ao dia em que ele próprio faz um ano de idade e em que o Sol regressa ao ponto inicial depois de percorrer toda a eclíptica.
Carlota Simões destaca que, na verdade, a análise deste soneto com recurso à astronomia tinha sido já feita por Mário Saa em 1939, que deduziu também, na altura, ter sido a 23 de Janeiro de 1524 o nascimento de Luís Vaz de Camões.
Um debate 500 anos depois de Camões nascer
Durante o debate promovido pela Universidade de Coimbra, Carlota Simões explicará o processo de “procurar efemérides astronómicas, consultar tabelas de eclipses e, a partir delas, determinar a data de nascimento de Luís de Camões”.
Na publicação no seu site, a BGUC salienta que a primeira abordagem sobre o facto de que “Camões tinha um conhecimento claro e seguro dos princípios da astronomia, como ela se professava no seu tempo”, e que utilizava com rigor tabelas de efemérides astronómicas, foi feita por Luciano Pereira da Silva, entre 1913 e 1915, em vários artigos que se encontram reunidos na obra A Astronomia dos Lusíadas.
Na sessão de dia 23 vão participar também o director do Observatório Geofísico e Astronómico da UC, João Fernandes, numa intervenção com o título O eclipse e o tempo: de hoje e de outrora, que pretende esclarecer como os eclipses solares e lunares seriam previstos, com grande precisão, no tempo de Luís de Camões. A discussão será encerrada por Rita Marnoto, catedrática da Faculdade de Letras, cuja dissertação versa sobre O eclipse de Camões e outros eclipses.