Presidente do Supremo teme “aventuras legislativas” que façam perigar independência judicial

Henrique Araújo alerta para o risco de intromissão do poder político no funcionamento dos tribunais, à semelhança do que está a suceder em vários países europeus.

Foto
Henrique Araújo, presidente do Supremo Tribunal de Justiça Matilde Fieschi
Ouça este artigo
00:00
02:29

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

O presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Henrique Araújo, alertou esta quinta-feira para os riscos de possíveis intervenções do poder político que venham a comprometer a independência e o funcionamento dos tribunais.

"Vejo no horizonte cada vez mais próximo a criação de um ambiente propício a aventuras legislativas, que podem comprometer a independência dos tribunais e o regular funcionamento do sistema de Justiça" afirmou o juiz conselheiro, considerando "letal para as democracias o enfraquecimento das estruturas judiciais".

Num discurso proferido na cerimónia da tomada de posse da juíza conselheira Graça Amaral como vice-presidente do STJ, Henrique Araújo apontou "sinais evidentes de desgaste e deterioração" das democracias, considerando, por isso, que o sistema judicial deve ser imune a "tentativas de ilegítima intrusão ou condicionamento por parte do poder político".

"Alimento a esperança de que Portugal não caia no erro de empreender reformas judiciais irreflectidas que ponham em causa o princípio da separação dos poderes e da independência do poder judicial", reforçou o magistrado. Henrique Araújo descreveu como as democracias enfrentam ameaças como a degradação da ética e da integridade, a normalização da mentira, o "desvario comunicacional", a ausência de responsabilização dos dirigentes ou o enfraquecimento das instituições, cabendo à justiça assegurar "os valores e os princípios constitucionais que modelam o Estado de Direito democrático".

Salientou ainda que as alterações legislativas com repercussões na justiça são visíveis em vários países europeus - com início na Hungria, em 2012 e tendo alastrado à Polónia, mas também a França, Itália ou Espanha. Aproximam-se assim cada vez mais de Portugal, assentes em "eficazes campanhas de descredibilização da justiça" que levam ao condicionamento dos juízes e dos tribunais.

O discurso de Henrique Araújo surge num contexto em que vários políticos defenderam a necessidade de reformas na justiça, após ser conhecido o processo Operação Influencer, que, a 7 de Novembro, levou às detenções do chefe de gabinete de António Costa, Vítor Escária, do advogado e consultor Diogo Lacerda Machado, dos administradores da empresa Start Campus Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, e do presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas.

São ainda arguidos o ex-ministro das Infra-estruturas João Galamba, o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta e o advogado João Tiago Silveira.

O primeiro-ministro, António Costa, que surgiu associado a este caso, foi alvo da abertura de um inquérito pelo Ministério Público junto do Supremo, situação que o levou a pedir a demissão, com o Presidente da República a marcar eleições antecipadas para 10 de Março.