Mulheres por todo o lado, o efeito olimpíadas e um encontro de gigantes: as exposições que vamos ver em 2024
No mapa internacional de exposições há muito por onde escolher este ano, dos grandes mestres que todos conhecem, como Van Gogh ou Leonardo, às (re)descobertas mais ou menos inesperadas.
Uma visita breve aos sites de alguns dos principais museus internacionais, sobretudo europeus e norte-americanos, e uma consulta-relâmpago às antevisões do ano de jornais generalistas e revistas da especialidade é quanto basta para chegar à conclusão de que 2024 vai ser um ano recheado de exposições, com Paris a celebrar dois aniversários de monta à margem dos Jogos Olímpicos — o do impressionismo e o do surrealismo —, Londres a concentrar atenções em artistas que são sinónimo de blockbusters (Van Gogh, Leonardo, Miguel Ângelo, Rafael, Francis Bacon), Nova Iorque a dar protagonismo aos criadores negros que nela trabalharam entre os anos 20 e os anos 40 do século passado (The Harlem Renaissance and Transatlantic Modernism, no Metropolitan) e Estocolmo e várias cidades espanholas (Madrid, Barcelona, Málaga, Valência) a destacar a arte feita por mulheres.
É cada vez mais comum, aliás, encontrá-las na programação dos grandes museus e galerias internacionais e o mapa deste ano dá disso conta um pouco por toda a parte, sem desiludir. Em individuais como a que leva Yoko Ono à Tate Modern, em Londres, e Zanele Muholi ao Museu de Arte Moderna de São Francisco, ou em colectivas que até há bem pouco tempo podiam ser uma espécie de clube só para homens, como a que celebra os 100 anos do surrealismo no Centro Georges Pompidou, em Paris, o seu trabalho faz-se notar, não porque é preciso preencher uma quota, mas porque há uma curiosidade genuína em torno da obra de muitas artistas contemporâneas e de outras que, tendo passado demasiado tempo (quase) ignoradas pela História da Arte, começam agora a ocupar o lugar de relevo que, com justiça, lhes pertence.
Depois de um ano em que os museus na Europa parecem ter garantido que estão no bom caminho para regressar aos números de visitantes pré-pandemia — no Prado, em Madrid, bateram-se recordes, no Louvre, em Paris, chegou-se aos 8,9 milhões de entradas, valor já próximo dos dez milhões de 2018 —, 2024 traz consigo uma oferta de exposições que, apesar dos imensos desafios impostos pela situação política e económica mundial, está em condições de justificar um certo optimismo.
As olimpíadas na capital francesa (26 de Julho a 11 de Agosto) estão a deixar frenéticos os museus, que antecipam, precisamente, um aumento no número de visitantes (o próprio Louvre preparou uma exposição sobre a origem dos jogos, de 25 de Abril a 16 de Setembro), a quem não faltarão motivos para entrar nos espaços geridos pelo Pompidou ou no Jeu de Paume, em que Brancusi e Tina Barney são cabeças de cartaz.
A atrair atenções, noutras geografias, estão a retrospectiva que o M+, de Hong Kong, dedica ao arquitecto I.M. Pei a partir de 29 de Junho e a inauguração do Grande Museu Egípcio, em Gizé, um projecto com 20 anos que deveremos ficar a conhecer no final da Primavera.
Michelangelo, Leonardo, Raphael
No começo do século XVI, os caminhos destes três gigantes da arte do Renascimento italiano cruzaram-se na cidade de Florença. Os dois primeiros, mais velhos, competiam pela atenção dos mecenas enquanto pintavam duas cenas colossais com homens e cavalos em confronto (Batalha de Cascina e Batalha de Anghiari) nas paredes do Palazzo Vecchio, que acabaram por não terminar e que, entretanto, se perderam; o terceiro, que na altura andaria pelos 20 anos, aprendia ao vê-los trabalhar, desafiando-os com novas maneiras de fazer.
Michelangelo, Leonardo, Raphael, que começa com o célebre e inacabado Taddei Tondo, escultura circular de Miguel Ângelo que representa a Virgem com o Menino e São João Baptista, a única do mestre da Renascença nas colecções públicas britânicas, reúne obras destes três artistas, incluindo o Burlington House Cartoon, de Leonardo da Vinci, que também representa Jesus com a mãe e o primo (acrescentando-lhe a avó, Santa Ana).
A exposição centra-se nos dois eternos rivais e na forma como ambos influenciaram o jovem Rafael. Com ela o autor de David volta a estar em foco na capital inglesa, uma vez que é o protagonista de Michelangelo: The Last Decades, que é inaugurada em Maio no Museu Britânico, e é dedicada ao impressionante conjunto de obras que executou nos últimos 30 anos de vida, ao trocar Florença por Roma.
Royal Academy, Londres, de 9 de Novembro de 2024 a 16 de Fevereiro de 2025. Exposição organizada com a National Gallery.
Paris 1874. Inventer L’Impressionnisme
Em Abril de 1874, há 150 anos, uma exposição reuniu em Paris o trabalho de 31 artistas não-alinhados com a arte que chegava ao Salon, a grande exposição institucional, que viam como avessa à mudança, conformada.
Rejeitando as regras por ele impostas, ousaram expor em conjunto, para espanto geral. Nascia, assim, o impressionismo e o Museu D’Orsay, que guarda nas suas colecções algumas das obras-primas deste “clã de rebeldes”, assim lhes chama, faz-lhe a festa.
Cézanne, Monet, Renoir, Degas, Morisot, Pissarro e Sisley – 24 dos artistas dessa exposição inaugural não ficaram na história – voltam a estar lado a lado nesta Paris 1874, em que são confrontados com pintura e escultura mostradas no Salon desse mesmo ano, para que se torne evidente a “modernidade radical” por eles proposta e o “choque visual” por eles causado.
Museu d’Orsay, Paris, de 26 de Março a 14 de Julho. Viaja até à National Gallery de Washington, Estados Unidos, de 8 de Setembro a 20 de Janeiro de 2025.
Lotte Laserstein – A Divided Life
Uma exposição dividida como dividida foi a vida da mulher que nela merece destaque – Lotte Laserstein (1898-1993), uma artista alemã que, com a chegada dos nazis ao poder, se viu forçada ao exílio e que fez da Suécia a sua segunda casa.
Laserstein integra o núcleo de mulheres artistas que, tendo feito carreira no seu tempo, acabou quase esquecida pela História da Arte até que, muito recentemente, recomeçou a ocupar espaço nas galerias dos museus. É assim agora e até 14 de Abril no Museu de Arte Moderna de Estocolmo.
A exposição na capital sueca segue-se às de Berlim e Frankfurt, que se centraram na obra produzida na Alemanha nos anos 20 e no começo da década de 30, ao passo que a actual abarca também o período sueco, embora a sua grande estrela seja Entardecer sobre Potsdam (1930), pintura que mostra um grupo de jovens à mesa, numa varanda, com uma cidade em fundo. Apresentada como o retrato dos últimos tempos da República de Weimar – período de um certo renascimento e de optimismo próprio do pós-guerra, marcado por um espírito de inovação e por mudanças sociais várias, que deram mais espaço à emancipação feminina – coincide também com os últimos tempos de Laserstein na Alemanha.
Judia e uma das primeiras mulheres a formarem-se na Academia de Artes de Berlim, a pintora captou o espírito de uma era, em que emergia uma “nova mulher”, escrevem no texto de apresentação da exposição as suas curadoras, Iris Müller-Westermann e Anna-Carola Krausse.
Nela podem ver-se muitos dos retratos feitos por esta artista que é hoje considerada um dos mais interessantes pintores realistas do século XX. Estão lá as mulheres modernas, independentes, que para ela posaram, as cenas domésticas que remetem para a intimidade, os auto-retratos no estúdio que importa agora (re)descobrir.
Entre as obras da exposição que melhor parecem reflectir o lugar de proximidade que escolheu para si está uma pintura de 1948 em que regista uma conversa de fim de tarde entre amigos e alguns dos seus auto-retratos. Laserstein ocupa sempre o posto de observadora: quando pinta outros, olha para o que está à sua frente, quando é ela o objecto da pintura, olha para nós.
Museu de Arte Moderna, Estocolmo, até 14 de Abril de 2024.
Brâncusi
Quando apenas um nome é o suficiente para evocar de imediato uma série de imagens – e toda uma época de efervescência – é também quanto basta para atrair visitantes a uma exposição. Brancusi (1876-1957) fá-lo sem esforço.
As suas esculturas de formas minimais em que regressa uma e outra vez à relação dos pássaros com o espaço ou ao tema do beijo estarão em exposição no Centro Pompidou, bem perto do espaço em que o arquitecto Renzo Piano recriou, no final da década de 90, o atelier deste artista nascido na Roménia que é um dos mais valiosos patrimónios da escultura europeia.
Apresentando-a como a maior retrospectiva francesa do “inventor da escultura moderna”, o Pompidou garante que a exposição vai reunir 200 esculturas, fotografias, desenhos, filmes e documentos de arquivo do artista, assim como peças de mobiliário do estúdio e até algumas das suas ferramentas de trabalho.
Centro Pompidou, Paris, de 27 de Março a 1 de Julho.
Yoko Ono – Music of the Mind
Yoko Ono pode ter 70 anos de carreira na arte conceptual e na performance, no cinema experimental e na música, mas para muitos será sempre, ou pelo menos primeiro, a mulher do Beatle John Lennon. Este ano, no entanto, Ono, 90 anos, chega ao grande palco londrino da arte contemporânea, a Tate Modern.
A exposição, que atravessa toda a sua actividade enquanto artista e activista na luta pela paz e pelo ambiente, apresenta mais de 200 dos seus trabalhos, incluindo Cut Piece (1964), performance em que o público era convidado a cortar-lhe as roupas que vestia, o filme proibido Film Nº. 4 (Bottoms) (1966-67) e a instalação Half-A-Room, com mobiliário e objectos domésticos.
Muitas das peças convidam o espectador a interagir com elas, através de instruções precisas ou de estímulos à imaginação.
Tate Modern, Londres, de 15 de Fevereiro a 1 de Setembro.
LaToya Ruby Frazier: Moments of Solidarity
É a primeira retrospectiva que o Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova Iorque dedica a esta artista-activista que ao longo dos últimos 20 anos tem usado a fotografia, o filme, a performance e a escrita para reexaminar histórias esquecidas em torno de temas como a raça, o género e o trabalho.
Este último tema, particularmente importante na obra desta artista nascida numa cidade fabril da Pensilvânia, mistura-se com os restantes, criando um corpo de trabalhos que reivindica direitos sociais e combate aquilo a que Frazier chama “o apagamento histórico e a amnésia” através do acto aparentemente simples de dar a ver.
A crise da água, a desigualdade do acesso da população negra a cuidados de saúde e os desafios que se colocam a uma comunidade quando fecha um grande complexo industrial são objecto de uma série de novas instalações.
Frazier, que se define como uma artista feminista que fala pela classe trabalhadora, vê o conjunto das suas obras como um “arquivo de humanidade”, disse-o ao diário The New York Times. “Mostro este lado sombrio da América porque amo o meu país e quem nele vive.”
MoMA, Nova Iorque, de 12 de Maio a 7 de Setembro.
Entangled Pasts, 1768 – Now: Art, Colonialism and Change
História e contemporaneidade encontram-se nesta exposição que reúne na Royal Academy de Londres 100 obras que propõem uma reflexão centrada no papel da arte na construção das narrativas sobre os impérios e o colonialismo, sobre a escravatura e a sua abolição, sobre o racismo e as várias formas de resistência.
Tendo representados artistas como Lubaina Himid, J.M.W. Turner, Joshua Reynolds, John Singleton Copley, Ellen Gallagher, Hew Locke, Sonia Boyce, Frank Bowling, John Akomfrah, Kara Walker, Shahzia Sikander, Mohini Chandra e Isaac Julien, Entangled Pasts, 1768 explora questões como o poder e a representação, a identidade e a pertença.
Royal Academy, Londres, de 3 de Fevereiro a 28 de Abril.