IRC de 15%: fim do desvio de lucros levará “tempo a concretizar-se”, diz a OCDE

Patamar mínimo vai esbater as diferenças entre países e aumentar a importância dos “factores não-fiscais” nas decisões de investimento das multinacionais, sublinha a OCDE.

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As regras do IRC mínimo aplicam-se a grandes multinacionais, com receitas a partir dos 750 milhões de euros Reuters/REGIS DUVIGNAU
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O acordo internacional que pretende erguer um IRC mínimo de 15% a nível mundial a partir deste ano vai diminuir o desvio dos lucros das grandes multinacionais para os centros financeiros até aqui considerados paraísos fiscais, mas não será de um dia para o outro que se assistirá ao fim do planeamento fiscal nos territórios de baixa tributação, reconhece a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) num estudo divulgado na terça-feira sobre os efeitos da reforma fiscal.

Se inicialmente a regra do IRC mínimo foi consensualizada para entrar em vigor em 2023, o calendário acabou por derrapar para 2024 e, mesmo assim, nem todas as 139 jurisdições que subscreveram o acordo internacional de Outubro de 2021 ou que a ele aderiram entretanto vão aplicar as regras já este ano.

O IRC mínimo, um dos pilares do acordo global de 2021, aplica-se aos grupos de empresas que têm receitas anuais a partir dos 750 mil milhões de euros por ano (como por exemplo, as multinacionais Google, Apple ou Meta). A iniciativa pretende aproximar a tributação do local onde as grandes multinacionais efectivamente desenvolvem a sua actividade económica, isto é, do local onde os lucros são gerados. E, por isso, este movimento pode “beneficiar particularmente os países em desenvolvimento”, tendo em conta que os territórios com menos produção de riqueza são os que “estão mais expostos à transferência de lucros”, diz a OCDE.

Ao decidirem criar um patamar mínimo, os países comprometem-se a cobrar uma taxa efectiva mínima de 15% às empresas que desenvolvem actividades no seu território e, caso a taxa não seja aplicada num determinado território, os outros países podem accionar um imposto complementar, esvaziando a ausência de tributação no outro território de baixa tributação (por exemplo, se uma sucursal de uma multinacional não for tributada num determinado centro financeiro ou se apenas for tributada em IRC a 10% ou 12%, o Estado da casa-mãe dessa multinacional pode accionar o imposto complementar).

A expectativa é a de que a dimensão dos lucros que são desviados para os territórios de baixa tributação e que não são alvo de IRC diminua, seja porque esses territórios tributam, seja porque, mesmo desviados, serão tributados por outros Estados. A previsão da OCDE é a de que “diminuam para metade devido à forte redução dos incentivos à transferência de lucros, embora estes efeitos possam levar algum tempo a concretizar-se”.

No caso dos “centros de investimento”, a base tributária poderá encolher em cerca de 30% “devido à redução da transferência de lucros, o que se traduz em ganhos de receitas para outras jurisdições”.

A reforma fiscal internacional selada em Outubro de 2021 inclui dois pilares, um primeiro sobre distribuição de direitos de tributação e este segundo referente ao IRC mínimo. A entrada em vigor está a levar mais tempo do que o assumido inicialmente. Embora o compromisso tenha sido subscrito por 139 jurisdições, só cerca de 55 já “deram passos” para a implementar este ano.

Mais 156 mil milhões

Os 27 Estados-membros da União Europeia (UE) estão no pelotão. Bruxelas desenhou uma directiva europeia para coordenar as regras, o Conselho chegou a acordo e definiu 2024 como o primeiro exercício fiscal ao qual se aplica a taxa mínimo dos 15%, mas na Europa nem todos os países transpuseram a directiva para a legislação interna dentro do prazo. É o caso de Portugal. A directiva obrigava todos os Estados-membros a transpor as regras até 31 de Dezembro do ano passado, o que obrigava o Governo de António Costa a apresentar uma proposta durante o ano de 2023, a tempo de ser aprovada e estar de pé dentro do prazo, mas a iniciativa não deu entrada na Assembleia da República.

Um dos objectivos da reforma passa por forçar os vários territórios a tributarem as grandes empresas. E a definição de um patamar mínimo tenderá a diminuir a diversidade fiscal ao nível do IRC entre os países, o que fará com que os factores de diferenciação passem a depender de outros vectores económicos, diz a OCDE. “Estima-se que as diferenças de tributação entre jurisdições diminuam, o que provavelmente aumentará a importância dos factores não fiscais na influência das decisões de investimento e na melhoria da alocação de recursos”, vinca a organização liderada por Mathias Cormann.

A OCDE prevê que os países envolvidos no acordo aumentem as receitas fiscais entre 155 a 192 mil milhões de dólares norte-americanos por ano a nível mundial (142 a 156 mil milhões de euros anuais, ao câmbio actual), aumentos de 6,5% a 8,1%, possíveis em boa parte à “redução da transferência de lucros”, responsáveis por “um terço destes ganhos”, calcula a OCDE.

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