A universidade que eu vivi não é a que me venderam

A formação de qualidade é capaz de moldar um líder do amanhã e Portugal ainda se preocupa pouco com estes ideais. Ouvir os estudantes é um primeiro passo.

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Megafone P3: A universidade que eu vivi não é a que me venderam Manuel Roberto
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Recordo-me de no 12.º ano, em sala de aula, ouvir os meus professores referirem que a universidade seria um grande desafio, o local onde a mão não pararia de escrever, onde a troca de apontamentos seria recorrente e, com muito esforço, uma porta de entrada para um mundo do trabalho cada vez mais competitivo.

Se a mão teve muito tempo para respirar, hoje, enquanto graduado, percebo que a preparação do profissional ficou muito aquém da expectativa.

Ao longo do curso apercebi-me da sede que um criador como eu sentia, no vazio que os projectos puramente teóricos relacionados com técnicas e dispositivos não conseguiam preencher.

Chegada a hora de embarque para mestrado, nem a vertente prática da Mecânica e das técnicas sobre Biomateriais eram suficientes, baseadas na pura observação e onde o raciocínio e análise de resultados derivados da prática ficavam à porta.

No último ano e meio, questionei-me: “Como é esperado que o espírito critico de um engenheiro se baseie na teoria ou conclusões de trabalho de terceiros?". Ainda hoje não consigo entender a falta de conexão entre ideias, prática e empresas que existe na formação em Engenharia Biomédica, nem há quem me explique o sentido desta doutrina.

Numa partilha online (2023), a Harvard Business School destaca competências cruciais no perfil de qualquer engenheiro, ressaltando a comunicação, gestão, operações em negócios e resolução de problemas.

Considero-as abrangentes e cuja aprendizagem anda de mão dada com o contacto real na indústria, ultrapassando os métodos das apresentações orais, liderança de grupos de trabalho e solução de obstáculos nesses grupos no contexto das quatro paredes académicas.

No mesmo ano, a Associação Nacional de Estudantes de Engenharia Biomédica lançou uma análise do ensino superior na área, em Portugal, no qual é notada, por um lado, a relevância para os estudantes da existência de oportunidades de estágio, projectos de carácter prático e “cadeiras” de competências transversais. Por outro lado, mais de metade dos inquiridos fala da escassez de oportunidades de contacto com os meios empregadores (desde empresas a hospitais) durante a licenciatura e mestrado.

A falta de uniformidade no país da adopção de componentes curriculares que aproximem os estudantes do perfil pretendido pelo mercado da Engenharia remete para a urgente revalidação dos planos, recentemente restruturados (término dos mestrados integrados). Não vejo nenhum órgão académico a trabalhar em prol desta mudança.

Devido à pobre oferta do plano curricular, alunos que escapam à comodidade começam a reger-se pelas experiências do associativismo e empreendedorismo jovens, como as Júnior Empresas, nas quais são capazes de alavancar estes perfis procurados pelo mercado e que os completam enquanto futuros engenheiros.

Não o digo com agrado, pois acredito que uma formação paga para um perfil que exige diversidade de competências deve responder às mesmas num nível de qualidade altamente exemplar, e Portugal precisa de reflectir criticamente e adaptar estratégias para responder à precariedade dos perfis dos estudantes graduados que, como resultado, optam por educação complementar no estrangeiro e emigração profissional. É uma reflexão que partilho entre colegas de norte a sul do país.

Está mais do que na altura da universidade apostar em desenvolver planos que cumpram com os requisitos gerais do mercado da década e se imponham perante o comodismo de um ensino estagnado, espelhado na teoria dos slides e na competitividade dos BIs em artigos de divulgação científica, passando a exercer um papel proactivo no desenvolvimento de profissionais polivalentes do futuro, em Portugal.

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