Entre o preto e o branco
A vida não é uma escolha entre certo e errado, sim e não, branco e preto, mas uma sinfonia de cinzentos onde as contradições coexistem e as fronteiras entre opostos se fundem.
"É possível estar sozinho e não estar no mesmo momento."
A frase anterior está anotada na página do dia 1 de janeiro da minha agenda de 2023. Sem qualquer anotação, referência, nada. Não me lembro do contexto em que a escrevi. Tê-la-ei lido num livro? Ouvido num filme? Alguém me disse? Ocorreu-me do nada? Todas as hipóteses são viáveis e nenhuma é melhor do que as outras. Nenhuma é o extremo que afasta as outras para o infinito invisível, o branco que descolora o preto ou o preto que tinge o branco. Todas as direções e nuances de cores são viáveis na investigação deste mistério.
Procuramos padrões, simplificações, respostas e certezas para entender o caos do mundo. Classificar as coisas em opostos extremos oferece-nos um aconchego de ordem e clareza: racional/emocional, certo/errado, dentro/fora, vazio/cheio, sim/não, feio/bonito, bom/mau. Não o conseguindo, a busca implacável por dualidades aprisiona-nos muitas vezes num labirinto de pensamento limitado.
Aceitar espaços, intervalos e meios-termos é como abrir uma janela numa sala abafada. É a paleta de cores que transforma o preto e branco numa rica tapeçaria de tons e nuances. Muitas vezes, a verdadeira compreensão está nos matizes intermédios. A vida não é uma escolha entre certo e errado, sim e não, branco e preto, mas uma sinfonia de cinzentos onde as contradições coexistem e as fronteiras entre opostos se fundem. Eis a riqueza da experiência humana. Não ter certezas e sentirmo-nos incomodados com isso faz parte da vida; há mais pedagogia na dúvida do que na certeza.
A solidão é um labirinto silencioso onde por vezes encontramos companhia, a nossa ou de outros.
"É possível estar acompanhado e sozinho no mesmo momento", escrevi na página do dia 1 de janeiro da minha agenda de 2024.
O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990