Rangel estranha “coincidências” e diz que “há” mão invisível contra Montenegro

O primeiro vice-presidente do PSD lembra que os políticos têm de se habituar a um “escrutínio que é por vezes injusto” e acusa Pedro Nuno Santos de não passar de “um tigre de papel”

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Políticos devem habituar-se a um “escrutínio que é por vezes injusto”, diz Rangel Helena Pereira, Susana Madureira Martins (Renascença)

Em entrevista ao PÚBLICO-Renascença, Paulo Rangel, eurodeputado e vice-presidente do PSD, comenta a recente polémica com a casa em Espinho do líder do partido, Luís Montenegro, e defende a honra de Marcelo Rebelo de Sousa no caso das gémeas luso-brasileiras. Sobre Pedro Nuno Santos, acusa o recém-eleito secretário-geral socialista de estar a tentar passar por quem não é e, por causa disso, não passar de "um tigre de papel". O PSD aprova esta quinta-feira, em reunião do Conselho Nacional, a nova AD, com CDS, PPM e independentes.

A semana antes do Ano Novo não foi propriamente fácil para o líder do PSD, Luís Montenegro, com a confirmação da abertura de um inquérito da PGR sobre alegados benefícios fiscais indevidos relativos à sua casa em Espinho. Que leitura é que faz da abertura deste inquérito a poucos meses de eleições?
A declaração que o presidente do PSD fez, dando uma explicação, é ela própria auto-suficiente. [O inquérito] é algo que é positivo que aconteça porque vai permitir esclarecer as coisas, rumores, boatos e suspeitas. Lembro-me sempre do que dizia a Agustina no livro O Comum dos Mortais: os ódios nascem mais das suspeitas do que dos agravos. É algo que contamina a vida política, social e familiar.

É evidente que se trata de uma questão tributária e depois há muitas confusões sobre a própria obrigação de declaração ao Tribunal Constitucional.

O inquérito teve origem em denúncias anónimas. Há aqui uma mão invisível para atrapalhar a vida do líder do PSD?
Acho que há. Isto começou a surgir quando houve grandes problemas com o Governo.

Faz essa associação?
Estou a fazer uma associação puramente objectiva. A verdade é que aconteceu. Ao mesmo tempo é uma coincidência temporal, mas depois cada um interpreta como quiser. Mas o que mais admirei na posição de Luís Montenegro foi a não-vitimização, aguardar o inquérito e não fazer pressões para que decorra depressa ou devagar ou à tarde ou à noite.

Não seria desejável uma posição do Ministério Público antes das eleições legislativas?
A justiça tem o seu tempo, fará o que entender. Muitas vezes prolonga o tempo para lá do que é desejável, nem estou a referir-me a este caso em concreto. Neste caso, que tem a ver com a Autoridade Tributária, era muito fácil apurar se há alguma qualificação tributária que esteja mal.

A Procuradoria-Geral da República só deveria ter feito o comunicado depois de apurar essa factualidade que diz ser simples?
Não tenho, nem o líder do PSD, a postura de diabolizar a PGR e achar que é tudo uma conspiração. A vida é o que é. As pessoas que estão na vida pública sujeitam-se a um escrutínio que por vezes é fortemente injusto. Faz parte da vida.

O líder do Chega dizia que Luís Montenegro tem de dar uma explicação cabal sobre o que está em causa no inquérito, inclusivamente mostrar os documentos. Como é que responde a isso? Luís Montenegro disse que não ia mostrar nada e entregar ao Ministério Público.
Uma comunicação social responsável não devia dar palco a esse tipo de populismo. É evidente que as vidas das pessoas, especialmente os seus detalhes, não têm que estar na comunicação social.

Estou a referir-me a documentos que o próprio Montenegro citou na conferência de imprensa.
Mas que são para a justiça. Não são para o público todo desatar a ver qual é o preço de uma torneira.

Não era benéfico, a seu ver?
Não é uma questão de ser benéfico. É uma questão de princípio.

Luís Montenegro arrisca-se a passar a campanha eleitoral a ser confrontado com esta questão.
Não se arrisca nada, porque já deu todos os esclarecimentos que tinha a dar, já mostrou toda a sua disponibilidade para colaborar. Esta questão nem sequer tem nenhum problema, como verão mais tarde. Não vamos agora entrar num populismo justicialista e fazer o jogo daqueles que querem atacar a democracia.

Há outro inquérito a que o PSD também não tem querido dar muita atenção, que é o caso das gémeas luso-brasileiras que terão recebido um tratamento de favor em Santa Maria e que envolve o Presidente da República. Este caso tirou autoridade política a Marcelo Rebelo de Sousa?
Não. Isso é de uma injustiça atroz. O professor Marcelo Rebelo de Sousa tem uma carreira política que fala por si. No plano das influências ou no plano financeiro, a vida de Marcelo Rebelo de Sousa é uma referência para toda e qualquer pessoa que esteja na vida pública. Estar a tentar diminuí-lo não faz sentido. É evidente que há aqui uma questão com um seu familiar muito próximo, o filho, e isso é obviamente embaraçante para os próprios e dilacerante do ponto de vista humano, psicológico e familiar.

Mas não está minimamente beliscado?
A sua autoridade institucional e política não está. A sua imagem pública varia, a opinião pública é muito volátil. Há coisas que não têm que estar na comunicação social, o que não quer dizer que se for necessária uma exposição não se tenha que dar a quem de direito, mas não é a todos e diante de todos numa espécie de pornografia geral sobre a vida pública.

Ter uma instituição como a Presidência da República e um Governo envolvido neste tipo de crises ligadas a casos judiciais é levar o país para uma espécie de pântano?
São coisas totalmente diferentes. A crise do Governo tem uma dimensão tão grave que o primeiro-ministro entendeu apresentar a demissão. Não tinha outra alternativa, encontrando-se 75.800 euros no gabinete do chefe de gabinete, que já não era uma pessoa idónea quando foi nomeado. Essa figura de António Costa ser grande defensor da ética republicana não me parece que corresponda exactamente à verdade.

Acha que António Costa está a empurrar para Marcelo Rebelo de Sousa o ónus da demissão?
Isso é uma coisa inqualificável, essa tentativa de transferir a responsabilidade para o Presidente da República. António Costa tem feito isso sistematicamente. Aliás, fez logo um comício à porta do Largo do Rato depois da reunião do Conselho de Estado. A própria solução Mário Centeno é uma solução justamente para criar este pretexto, um pretexto de conflitualidade, porque não era uma solução trabalhável.

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Paulo Rangel em entrevista ao programa Hora da Verdade Paulo Pimenta

E essa conflitualidade tem-se mantido?
Sim, e isso é negativo. Aliás, um governo demitido é um governo de gestão, não pode fazer tudo o que lhe apetece, nem pode actuar como se fosse um governo em plenitude de funções. O primeiro-ministro não está a fazer isso, está a fazer uma campanha para os seus próprios intentos políticos futuros que, ao mesmo tempo, faz sombra a Pedro Nuno Santos.

Temos uma liderança bicéfala em que não se percebe bem quem realmente lidera o PS. Viu os tweets de Ano Novo? Falou mais num dia do que em dois ou três meses. Parece que está mais activo depois de ser demitido do que antes. O primeiro-ministro António Costa foi um factor de instabilidade sistemático e continua a sê-lo.

O PSD já respondeu a António Costa sobre se concorda com o lançamento do concurso para o primeiro troço do TGV agora em Janeiro?
Ainda não. Responderá a seu tempo. António Costa teve oito anos para lançar o TGV. Lembrou-se de lançar o TGV na última reunião do Conselho de Ministros. Acham isso normal?

Há aqui um argumento do primeiro-ministro demissionário de que se Portugal não avançar agora perde 750 milhões de euros em fundos comunitários.
Isso é uma coisa que não é clara. É esse o ponto. É matéria que o PSD analisará e tratará com o primeiro-ministro e não na praça pública.

Não venham agora pôr a pressão toda sobre o PSD quando António Costa foi primeiro-ministro durante oito anos e teve até uma maioria absoluta. Não lançou o TGV porquê? Não construiu o aeroporto porquê? Tem que fazer tudo nos últimos dois meses depois de já estar demitido? Mas isto é normal? De repente, o PSD é o responsável por oito anos de inércia e de inacção de António Costa? Chegou-lhe o fogo agora?

Em relação à saúde, o PSD vai manter a Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde ou tenciona acabar com ela?
As decisões que o próximo governo tomar serão tomadas nessa altura. Está o caos instalado na saúde. As notícias do último mês e meio, dois meses, são absolutamente alarmantes. O que se está a passar é insustentável. É importante perceber e apurar a responsabilidade de quem é que esteve no governo oito anos a destruir o SNS. Não é com soluções de última hora que vem agora cobrir a sua inacção, a sua falta de capacidade de gestão e de reforma durante estes anos todos.

Quem é que destruiu a parceria público-privada do hospital de Braga? Porque é que desaparece o preço dos medicamentos nas embalagens? Para fazer aumentos encapotados sem que as pessoas se apercebam.

Pedro Nuno Santos era também o ministro das Infra-Estruturas quando a Parpública adquiriu, por ordem do Governo, acções dos CTT entre 2020 e 2021, soube-se agora. Que leitura faz disso?
Primeiro, a falta de transparência. Isto é uma constante de Pedro Nuno Santos. A indemnização da ex-administradora da TAP também era um segredo. Agora há outro negócio secreto numa área que era tutelada por ele. Não pode haver um movimento nesse sentido sem que isso seja transparente. Já percebemos que, com Pedro Nuno Santos, o PS de Mário Soares desapareceu. Ele já estava a ser ofuscado desde o tempo da "geringonça", mas agora desaparece de vez. Temos um PS com vontade de colectivizar parcialmente a economia.

Vê a moderação de Pedro Nuno Santos como uma encenação?
É um oportunismo de última hora que soa a falso. Não pode uma pessoa andar toda a vida a pregar uma doutrina altamente esquerdista dentro do PS e de repente aparecer como uma espécie de Tony Blair dos nossos tempos.

O PSD não está a descolar nas sondagens. Não era de esperar que o PSD, nesta altura, desse outros sinais?
O PSD não descolar nas sondagens não me preocupa, se não descolar nas eleições é que me preocupa bastante. As sondagens indicam um número de indecisos muito grande. As pessoas ficaram bastante perplexas com a forma como o PS, António Costa e os seus ministros deixaram evaporar e apodrecer uma maioria absoluta.

António Costa será um empecilho ou uma ajuda para Pedro Nuno Santos?
Não vou fazer análise política. Para os eleitores é que tem que haver clareza sobre quem é o líder do PS, porque senão Pedro Nuno Santos vai ser um tigre de papel.

Concorda que Luís Montenegro se demita se a direita for maioritária na Assembleia da República (AR) mas o PSD ficar em segundo lugar?
Ele não se demite, o que disse foi que não será primeiro-ministro, não formará governo. Foi a decisão que desde o início tomou. Posso concordar ou discordar.

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Eurodeputado Paulo Rangel Paulo Pimenta

E concorda?
Como jurista, sempre tive a opinião de que podemos ter várias soluções diferentes. Essa seria uma. A partir do momento em que houve essa escolha política por parte de Luís Montenegro, nós estamos com ele. O que diz Luís Montenegro, e bem, é que os portugueses devem ter a possibilidade de escolher o rosto do primeiro-ministro. É também um sinal para os votantes do centro-direita, os votantes moderados, que podem estar aliciados pela Iniciativa Liberal ou pelo Chega, perceberem perfeitamente que o PSD só vai liderar o governo se ganhar as eleições.

A decisão é irrevogável? Não teremos, no pós-eleições, um repensar desta decisão?
Não estou a ver isso, conhecendo Luís Montenegro.

Acha exequível que, ficando o PSD em segundo lugar, Montenegro continue como presidente do partido? Não haverá uma disputa de liderança?
Não vou entrar nos cenários para o dia seguinte. O dia seguinte é para se debater no dia seguinte com os resultados em cima da mesa.

Se Luís Montenegro diz que não governa se a direita for maioritária na AR mas sem ganhar o PSD essas eleições, então o que é que acontece a Luís Montenegro?
Ele já esclareceu que levará essa questão à Comissão Política e ao Conselho Nacional. Será sempre analisada, quer o PSD ganhe ou não ganhe as eleições, e eu acho que as vai ganhar.

O PSD anunciou a AD antes do Natal mas ainda não se sabe, por exemplo, quantos lugares vai ter o CDS.
Os termos vão ser aprovados esta quinta-feira em Conselho Nacional. O CDS terá dois deputados em lugar elegível e terá possibilidade de chegar a quatro se o resultado for bom.

O PSD não está a ser muito generoso com o CDS?
Não, o CDS tinha toda a capacidade para eleger os deputados e até eventualmente mais. As coisas mudaram tanto em tão pouco tempo.

A AD não fica coxa sem a Iniciativa Liberal?
Não fica nada. Toda a gente é bem-vinda, mas só é bem-vindo quem quer vir.

António Costa tem hipótese de ser presidente do Conselho Europeu? Como é que viu o empurrão, por assim dizer, que Marcelo lhe deu para esse cargo?
Não vou comentar o Presidente da República. António Costa no Conselho Europeu não é uma coisa tão simples, o que não quer dizer que não seja possível, como aqui se está sempre a dizer em Portugal. Há vários factores que têm de ser tomados em conta.

Se não para o Conselho Europeu, tem algum tipo de hipótese, por exemplo, para o Parlamento Europeu?
Aí já acho mais fácil.

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