Ruy Mingas (1939-2024), músico lutador pela liberdade, cantor feito homem político
Nome maior da música angolana, co-autor de Meninos do Huambo, Ruy Mingas foi antes atleta recordista, foi depois ministro e embaixador da Angola independente. Tinha 84 anos.
O seu percurso de vida está intimamente ligado ao de Angola independente. Foi, afinal, co-autor do hino de Angola com o escritor e dramaturgo Manuel Rui e foi também ministro da Educação Física e Desportos angolano entre 1979 e 1989 e, entre 1990 e 1995, embaixador da nação africana em Portugal. Homem de talentos multifacetados, Ruy Mingas, falecido esta quinta-feira em Lisboa, aos 84 anos, foi também recordista português do salto em altura. Mas foi, acima de tudo, poeta, cantor e compositor, um nome maior da música angolana e co-autor, por exemplo, da Meninos do Huambo popularizada em 1985 por Paulo de Carvalho.
Nascido em Luanda a 12 de Maio de 1939, Ruy Mingas destacou-se primeiro no desporto. Atleta do Benfica nas categorias de 110 metros barreiras e salto em altura, bateria o recorde nacional da segunda em 1960. Porém, tal como outro angolano seu contemporâneo em Lisboa, Barceló de Carvalho, que conhecemos hoje como Bonga, mas que foi também campeão de atletismo, pelo mesmo clube, na década de 1960, Ruy Mingas seguiria outra musa. No seu caso, podemos mesmo afirmar que houve uma certa inevitabilidade na sua dedicação à música e ao seu envolvimento empenhado na luta independentista e anticolonialista angolana.
Ruy Mingas era, afinal, sobrinho de Liceu Vieira Dias, figura fundamental da música popular angolana, co-fundador dos míticos N’Gola Ritmos no final dos anos 1940, um lutador contra a opressão colonial portuguesa que o Estado Novo encarcerou durante vários anos no Tarrafal, o temido campo de concentração para presos políticos em Cabo Verde.
Desse exemplo familiar bebeu abundantemente Ruy Mingas, como o comprovam uma canção como Monangambé (1974), sob poema de António Jacinto ("Naquela roça grande tem café maduro/ e aquele vermelho-cereja/ são gotas do meu sangue feitas seiva"), ou álbuns como Angola (1970) e Temas Angolanos (1974). Neles, como escrevia Kalaf Epalanga em 2020, numa crónica para a revista brasileira Quatro Cinco Um, ouvíamos “o homem que deu voz às aspirações do povo angolano e cantou como poucos nossa dor e ânsia por liberdade”.
O grande público contactou pela primeira vez com Ruy Mingas em Portugal quando actuou em 1969 no Zip Zip, o histórico programa da RTP apresentado por Fialho Gouveia, Raul Solnado e Carlos Cruz – a acompanhá-lo nas percussões estava Bonga. No ano seguinte, editou o seu primeiro álbum, Angola, que viria a ser lançado, além de Portugal, em Itália, Espanha ou França – o seu prestígio neste país levou mesmo à sua distinção, em 2010, com o Prémio de Arte, Cultura e Letras da Academia Francesa de Educação.
Sem que o público português o soubesse, porém, Ruy Mingas já interviera de forma marcante na música portuguesa, ainda que por interposta pessoa: foi ele a apresentar aos Sheiks de Carlos Mendes e Paulo de Carvalho o clássico Summertime, de George Gershwin, que a grande banda do yé yé português gravou em 1965 como o seu primeiro single. Nesse período, movendo-se no seio dos estudantes africanos em Portugal, desenvolveu a sua consciência e actividade política e integrou os Ngola Kizomba, banda emanada da Casa dos Estudantes do Império na Capital Portuguesa.
Através das suas composições, musicando poetas da luta independentista angolana como Viriato Cruz, o supracitado António Jacinto ou o futuro Presidente da República Agostinho Neto, ou colaborando com Manuel Rui (além do hino de Angola, compuseram em conjunto, em 1976, Meninos do Huambo, entre outras), Ruy Mingas legou à música angolana, na sua voz cheia, expressiva e ponderada, temas como Birin birin, Ixi ami, Poema da farra, Adeus à hora da largada ou a já referida Monangambé.
Após o 25 de Abril e a independência de Angola, vestiu a farda de político e tornou-se ministro, primeiro, e depois embaixador. Em 1995, foi agraciado por Portugal com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique. No início deste século, defensor da educação como alavanca decisiva para a prosperidade do seu povo, impulsionou a fundação da Universidade Lusíada em Angola, a primeira instituição de ensino superior privada no país, com pólos em Luanda, Cabinda e Benguela. A música, porém, continuava presente.
Em 2011, o pai da cantora Katila Mingas e da modelo Nayma, editou Memória, álbum em que compilou originais e novas versões das suas canções, qual testemunho artístico feito ponte entre o passado e o presente.