Em 2024 diga ‘não’ ao bullying no trabalho
É muito fácil tornarmo-nos ‘Marias’. Basta puxarem-nos o tapete do desemprego, vermo-nos com contas para pagar e quando damos por nós, lá estamos a sorrir ao incompetente que nos orienta.
Vamos chamar-lhe Maria, nome fictício. A Maria tem 46 anos, dois filhos menores e uma licenciatura em Psicologia. A dificuldade em arranjar trabalho fez com que acabasse nos serviços administrativos de uma empresa privada, sem que se desiludisse pelo desfecho. Acreditava que o facto de gostar e de ter paciência para escutar os outros poderia ser-lhe útil na vida futura.
Todavia, 15 anos depois, Maria tem dores de barriga só de pensar em ir trabalhar. Tem um chefe que detesta, que não sabe o seu nome sequer, apesar de lidar com ela há vários anos, e colegas que gracejam com a sua aparente e inegável fragilidade. Maria ainda tem bem vivos os episódios de bullying vivenciados na escola. Tem um jeito de ser inocente, sensível, que diz ‘sim’ a tudo, um alvo fácil, treme, se lhe levantam a voz, baixa os olhos perante uma correção, receia todos os dias perder o trabalho, porque é preciso por o pão na mesa dos filhos. Maria sabe que está em burnout há muito tempo, disse-lhe o psiquiatra, e diz-lhe o espelho todas as manhãs, quando limpa as lágrimas. Mas no trabalho, burnout é cliché dos tempos modernos.
À semelhança de Maria, o medo consome-nos, torna-nos noutras pessoas, e quando damos conta, estamos diante de pequenos grandes monstros ou monstras. Uma problemática transversal no género e com espaço para todo o tipo de manobras camufladas, entre adultos e adultas.
É muito fácil tornarmo-nos ‘Marias’. Basta puxarem-nos o tapete do desemprego, vermo-nos com contas para pagar e quando damos por nós, lá estamos a sorrir ao incompetente que nos orienta, que nos inferioriza, que nos atribui trabalho repetitivo ou até funções humanamente impossíveis de executar. Tornam-se gigantes perante os fracos. Vão crescendo e ganhando pulso e a empatia e o respeito pelo próximo, ficam apenas nos desejos de Natal.
Sim, 2024 está aí e começa tudo de novo, o trote, o desrespeito pelo espaço do outro, a quezília e a picuinhice. E desengane-se quem pensa que esta realidade sucede apenas nas empresas privadas. Quantas direções e administrações da função pública, disseminam mal-estar e vigilância permanente sobre os seus súbditos, abusando dos cargos de poder que ocupam e delegando atividades não desafiantes, improdutivas, rotineiras?
Quando se pensa em assédio no trabalho, somos imediatamente levados a imaginar um contexto de agressão sexual, mas o assédio laboral circunscreve outras matrizes, como o assédio moral. De acordo com a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, assédio no local de trabalho, “é um comportamento indesejado (gesto, palavra, atitude, etc.) praticado com algum grau de reiteração e tendo como objetivo ou o efeito de afetar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.
Muitas vezes este mal-estar não é denunciado nem exposto pela vítima no local de trabalho, levando a que, ao chegar a casa, no final do dia, o refúgio da harmonia, se transforme num calvário de amargura e frustrações. Muitas ‘Marias’, que podem ser mulheres ou homens, sofrem em silêncio, com vergonha, sem terem noção do que realmente estão a viver, sem saberem identificar, dar um nome, denunciar.
Na entrada deste 2024, mais do que desejar um Feliz Ano Novo ao colega de trabalho, verifique se efetivamente tem contribuído para a paz e harmonia que se ambicionam no espaço de labuta.
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990