2023, ano ímpar cheio de histórias ímpares

Um olhar sobre o que se passou no ano que agora finda, entre casos de celebridades, escândalos reais e histórias para reflectir.

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Ainda estávamos a apalpar terreno ao ano novo, quando do outro lado do mundo chegou a notícia da demissão de Jacinda Ardern do cargo de primeira-ministra. Não por lhe ter sido imposto ou por estar a fugir a algum escândalo (ainda que enfrentasse, na época, os piores índices de popularidade desde a sua primeira eleição), mas por, pura e simplesmente, já não ter a energia que o cargo lhe exigia. E declarou-se “ansiosa” por passar tempo com a família outra vez: “Neve, a mamã está desejosa de estar presente quando começares a escola neste ano e, Clarke, vamos finalmente casar-nos”.

“Uma das lições do mandato de Jacinda Ardern foi de que as mães não podem ganhar. E, mesmo nos cargos mais altos de governo, um pai que reorganiza o seu horário de trabalho para estar com os filhos é visto como dedicado; e uma mãe que faz o mesmo é rotulada de desorganizada”, escreveu a colunista do The Washington Post Monica Hesse.

Por cá, fomos auscultar a realidade dos políticos portugueses e concluímos que, na política, ter família “é um desafio permanente”. E, apesar de, na teoria, ser igualmente difícil para homens e mulheres, é desproporcional o número de homens — que permanecem em maioria nos cargos políticos (em Portugal, em 2022, apenas 37% dos deputados eram mulheres) — que se manifestam publicamente sobre o difícil equilíbrio entre ambas as esferas de vida.

Também, em 2023, voltámos a um assunto batido, mas que ainda tem muitas páginas por escrever: como o corpo parece ser determinante no currículo profissional de alguém (sobretudo se esse alguém for mulher). Foi esse o parecer de um cronista do Correio da Manhã, que, tomando como exemplo a apresentadora Maria Botelho Moniz, defendeu que ​as mulheres na televisão têm de ter “silhueta perfeita”. Um texto que reacendeu o debate e que levou várias figuras públicas a abordar a questão. Ao PÚBLICO, a apresentadora e embaixadora da Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA) Catarina Furtado lamentou não existir um enquadramento legal a proibir aquele tipo de opinião, que, alerta, não deve ser confundida com liberdade de expressão. “A população mais discriminada é a das raparigas e mulheres”, lembrou, evocando a experiência de 21 anos de trabalho humanitário.

Foi também a beleza que esteve em causa quando, pela primeira vez na história, uma mulher trans venceu o icónico concurso de Miss Portugal, conquistando uma passagem ao mediático Miss Universo. Muitas vozes contra subiram de tom, mas a cronista Liliana Corona pôs os pontos nos i’s: afinal, opinou, “a única [leitura] que deve ser feita, é a leitura mais humana, mais empática”. E enalteceu: “A Miss Portugal [Marina Machete] é uma mulher linda”.

A mulher velha não convém?

Quando se é mulher, as críticas não se cingem à silhueta: o envelhecimento também alimenta a ideia de que elas se devem começar a esconder. E o caso de Madonna foi paradigmático: quando apareceu, aos 64 anos, na cerimónia dos Grammys, a Internet escolheu apedrejá-la pelo seu aspecto. A rainha da pop respondeu sem papas na língua: “Mais uma vez fui apanhada pelo preconceito em relação à idade e pela misoginia, que permeia o mundo em que vivemos. Um mundo que se recusa a celebrar as mulheres que passam dos 45 anos e sente a necessidade de puni-la se continuar obstinada, persistente, trabalhadora e aventureira.”

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Apo Whang-Od celebrou 106 anos em Fevereiro TWITTER/VOGUE PHILIPPINES

Mas parece haver um movimento que tenta contrariar a maré. A edição filipina da Vogue colocou na sua capa Apo Whang-Od, de 106 anos, que se tornou a mulher mais velha de sempre a figurar na bíblia da moda; Martha Stewart, de 81 anos, posou de fato de banho para a Sports Illustrated Swimsuit; o actor Harrison Ford foi capa da People aos 80 anos, com uma confissão: “Nunca quis ser rico e famoso.” E Patrick Dempsey — sim, o “McDreamy” da Anatomia de Grey de início de milénio — foi eleito, aos 57 anos, o homem mais sexy vivo de 2023 pela revista People. “Estou contente por estar a acontecer nesta altura da minha vida”, reagiu o actor.

Entre as celebridades, há quem use a idade como um posto para chamar a atenção que aquela não passa de um número, como foi o caso de Helen Mirren, 78, que decidiu usar cabelos longos para desafiar estereótipo, ou de Vera Wang, 74 anos, que deu a receita para o seu jovem aspecto: McDonalds, vodca e trabalho. Mas entre anónimos também há exemplos de jovialidade, independentemente do ano de nascimento, como a norte-americana Jean Bailey que, aos 102 anos, lidera aulas fitness quatro dias por semana. E o amor, esse, definitivamente não tem idade. Que o digam Doris Kriks e Carl W. Kruse, que se apaixonaram a jogar bilhar no lar onde residem e decidiram que, aos 96 anos, ainda iam a tempo do seu “felizes para sempre”. Já Len Albrighton, 79 anos, e Jeanette Steer, de 78, deram o nó com um atraso de 60 anos, depois de os pais terem proibido o casamento entre os dois, mas certos de que, quando se encontra o amor, temos de o agarrar.

Foi também o amor que esteve no ar em diversos momentos ao longo do ano, e até protagonizou momentos célebres, como o casamento “real” da filha de D. Duarte, herdeiro presuntivo do trono português. Maria Francisca e Duarte casaram-se em Outubro. Noutro ramo da linhagem real, um descendente de D. Afonso Henriques, Alfredo Côrte-Real, casou-se com uma princesa do Havai no Castelo da Feira.

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Maria Francisca de Bragança e Duarte Martins RUI GAUDÊNCIO

Lá fora, houve festa no Brunei (durou uma semana!) com o casamento da filha do sultão, a princesa Azemah Ni’matul Bolkiah; a princesa Iman da Jordânia casou-se e brilhou num Dior e com a tiara da avó; e os futuros reis da Jordânia, Hussein e a arquitecta saudita Rajwa Al Saif, trocaram votos perante a realeza de todo o mundo.

No Reino Unido, a festa foi outra, com a coroação de Carlos III. Mas nem por isso a família real britânica esteve imune a escândalos. Começou logo no arranque de 2023, com o lançamento do livro de memórias do príncipe Harry, no qual lança farpas bem aguçadas contra o pai e o irmão — e que, depois de lê-las, de fio a pavio, nos deixou a sensação de vazio —, com os vários processos de Harry contra os tablóides britânicos (o príncipe venceu um, contra o grupo editorial Mirror Group Newspapers, durante o qual testemunhou).

Mas o caso mais grave ainda poderá estar apenas no início. A tradução neerlandesa da biografia Endgame, escrita por Omid Scobie, que já escrevera Finding Freedom, sobre a saída dos duques de Sussex do “negócio” da família, identificou o rei Carlos como o autor dos comentários racistas sobre uma futura prole de Harry. É esperar pelos resultados de uma investigação.

Noutras casas reais, Frederik da Dinamarca foi acusado de ter uma amante, depois de ser visto com uma “socialite” mexicana, que negou o caso, e o príncipe Alberto e Charlene do Mónaco avançaram com um desmentido sobre uma eventual separação.

No entanto, não é preciso fazer parte da monarquia para estar envolto em escândalos. Que o digam Russell Brand, anti-herói do humor britânico, que perdeu a graça quando vieram a lume acusações de agressão sexual, ou Andrew Tate, o influencer que andou anos a defender que homens e mulheres deveriam regressar aos seus papéis tradicionais (chamado de “rei da masculinidade tóxica”, o guru de auto-ajuda para homens, chegou a dizer que as mulheres são propriedade dos maridos e deveriam “ter filhos, ficar em casa, estar caladas e fazer café”). Acabou detido e formalmente acusado de violação, tráfico humano e de exploração sexual.

Casos e casinhos

Ainda o ano estava a arrancar e já o Brasil vivia um momento inédito, com as manifestações golpistas em Brasília. E não tardou muito para que a actriz Regina Duarte saísse em defesa de Jair Bolsonaro. A antiga “namoradinha”, estrela de telenovelas e musa do criador Manoel Carlos, que no fim do ano avaliou ser persona non grata no seu meio, continuou a sua odisseia de fake news: sobre as eleições que deram a vitória a Lula da Silva; sobre as vacinas contra a covid; ou sobre a fome que atingiu os ianomâmis (e que levou o Presidente Lula a declarar estado de emergência sanitária na reserva indígena).

No Brasil, outro nome esteve em destaque: o de Neymar. E nem sempre pelas melhores razões. Primeiro, soube-se que ia ser pai, depois, que tinha traído a namorada grávida; e ainda foi multado em mais de 16 milhões de reais (quase três milhões de euros) devido ao desmatamento da área verde e ao desvio de um curso de água na sua propriedade em Mangaratiba, na Costa Verde do Rio de Janeiro. Por fim, sofreu uma lesão e foi acusado de empregar uma doméstica em Paris ilegalmente.

Mais a norte, o actor Alec Baldwin viveu numa espécie de montanha-russa. Em Janeiro, foi acusado de homicídio involuntário pela morte de Halyna Hutchins; em Abril, viu as acusações serem retiradas; e, em Outubro, o Ministério Público avançou com nova acusação de homicídio involuntário.

Enquanto isso, Paris Hilton mostrou-se nas nuvens, com a sua dupla maternidade: o filho Phoenix Barron nasceu a 16 de Janeiro; a filha London, em Novembro. Em ambos os casos, a empresária recorreu a uma gestação de substituição por sentir um “medo aterrorizador” do parto. E os cuidados de puericultura não parecem ser o seu forte, admitindo ter tardado até ter conseguido mudar a primeira fralda ao filho. E as críticas não se fizeram esperar. Mas, afinal, escreveu Monica Hesse: “Não há nada de pouco natural em se ser uma mãe nervosa, que não sabe exactamente o que está a fazer”.

Quem também foi tema de conversa foi a sua amiga Britney Spears. A princesa da pop, que se livrou de uma tutela de quase 14 anos, que a mantinha sob o poder do pai, divorciou-se ao fim de cerca de um ano de casamento e escreveu um livro, A Mulher que Há em Mim (ed. Arena), em que fala de forma honesta e simples da sua família, vida, amores, carreira e os tempos da tutela.

Na música, Shakira terá tido o pior e melhor ano da sua vida. Depois da separação de Piqué, a colombiana assumiu as rédeas da situação, lançando uma música em que ataca o antigo companheiro e a sua namorada, capitalizando o desaire amoroso (quer monetariamente, quer com recordes do Guinness); e mudou-se de Barcelona para Miami, levando consigo os dois filhos. Também chegou a acordo com as autoridades espanholas sobre o caso em que era acusada de fraude fiscal. E viu nascer na sua cidade natal uma monumental homenagem: uma estátua sua com mais de seis metros.

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Taylor Swift assiste à estreia do filme Taylor Swift: The Eras Tour, sobre a sua digressão, a 11 de Outubro de 2023. REUTERS/Mario Anzuoni/Arquivo

Taylor Swift teve um ano em grande, multiplicando fãs e atenções, sobretudo graças à sua Eras Tour: entrou no clube dos multimilionários (e partilhou a sua riqueza com os seus funcionários); acumulou troféus nos Video Music Awards da MTV; foi eleita Pessoa do Ano pela Time; e até fez a terra tremer — literalmente. Cereja no topo do bolo: apaixonou-se (por Travis Kelce, atacante dos Kansas City Chiefs, e levou para a liga de futebol americana verdadeiro ouro).

Menos consensuais foram as modelos irmãs Bella e Gigi Hadid, chamadas a reagir ao ataque do Hamas a Israel e, mais tarde, alvos de ameaças. O conflito no Médio Oriente, aliás, originou uma série de cancelamentos no mundo das celebridades, dividido entre o anti-semitismo e a islamofobia.

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