ONG DisinfoLab alerta para risco global de desinformação nas eleições de 2024

Em Portugal, segundo o relatório da DisinfoLab, a corrupção e a desconfiança das instituições e dos media são as narrativas de desinformação predominantes.

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O efeito da desinformação, muita dela importada, é visível nas redes sociais, defende a ONG Rui Gaudêncio

A organização não-governamental DisinfoLab alerta que 2024 é um ano de eleições de risco, na Europa e no Mundo, e defende um sistema precoce de detecção de desinformação eleitoral fora dos períodos de campanha.

Esta é uma das dez recomendações da EU DisinfoLab, uma organização não-governamental independente, num relatório divulgado em Dezembro, feito por 45 especialistas (académicos e verificadores) com o objectivo de traçar um panorama da desinformação e "descrever e analisar os casos mais emblemáticos de desinformação, as narrativas recorrentes" em 20 Estados-membros, incluindo Portugal.

"É urgente combater a desinformação eleitoral de forma rápida e coordenada", lê-se no relatório intitulado "Connecting the disinformation dots" ("Unir os pontos da desinformação") que faz uma análise comparativa entre os Estados-membros, mostrando que a União Europeia (UE) enfrenta os mesmos desafios no que respeita a este tipo de campanhas em ano de eleições.

As entidades ou pessoas que "lançam dúvidas" sobre as eleições "representam um ataque às instituições democráticas europeias", alerta."No entanto, a atenção a este problema não se deve limitar aos períodos eleitorais, mas adoptar uma abordagem sistemática baseada num sistema de alerta precoce", lê-se no documento.

2024 será um ano histórico de eleições no Mundo. Quase metade da população mundial — cerca de 49%, segundo os cálculos da AFP — será chamada a votar em eleições no próximo ano: cerca de 30 países têm eleições presidenciais e uma vintena têm legislativas.

As eleições do próximo ano acontecem num contexto internacional marcado por duas guerras que têm sido fonte de desinformação: a guerra entre o Hamas e Israel e na Ucrânia, na sequência da invasão pela Rússia.

Além do alerta quanto à manipulação, outra das recomendações da DisinfoLab passa por identificar e conter a manipulação de informações e interferência estrangeiras (FIMI, na sigla em inglês), incluindo "o reforço da sensibilização e da formação de várias partes interessadas (incluindo governos nacionais)" e a "criação de mecanismos de monitorização, análise e intercâmbio de informações".

A cooperação reforçada na troca de informação e entre a comunidade que combate a desinformação ao nível europeu e o reforço das políticas de monitorização, com adaptação, à escala nacional, nova Lei dos Serviços Digitais da UE, são outras das sugestões da DisinfoLab.

A União Europeia é, desde Agosto, após um período de adaptação, a primeira jurisdição do mundo com regras para plataformas digitais, que abrange a X (ex-Twitter) e Facebook (do grupo Meta).

A recomendação número cinco é melhorar a literacia digital e dos media, a sexta é a necessidade de sensibilizar para os riscos da desinformação, criando desconfiança entre os cidadãos, e a sétima é proteger as minorias e grupos vulneráveis, como as mulheres e a comunidade LGBTQI+, evitando-se a discriminação e o silenciamento.

A oitava recomendação é reforçar a protecção de jornalistas e "fact-checkers", a nona é o apelo ao livre acesso e partilha de dados dos investigadores, garantindo-se o financiamento de organizações da sociedade que combate a desinformação, e esta é a décima e última proposta da organização não-governamental com sede em Bruxelas.

Corrupção e desconfiança nas instituições dominam desinformação em Portugal

A corrupção e a desconfiança nas instituições e nos media são as narrativas de desinformação predominantes em Portugal, segundo o relatório da DisinfoLab.

A corrupção, lê-se no texto, “é uma das questões mais salientes no debate público português”, sendo explorada “a percepção da desigualdade para espalhar mentiras”.

O documento identifica ainda mais dois temas recorrentes na desinformação a circular em Portugal – xenofobia e anti-imigração e a guerra na Ucrânia, predominantes na maioria dos países estudados.

Estes dados sobre a desconfiança dos portugueses são coerentes com a conclusão do Observatório Ibérico de Média Digitais e da Desinformação (Iberifier) de que a corrupção é o tema que mais motiva manipulação da informação em Portugal, num estudo publicado em Junho, e não a xenofobia ou a anti-imigração, como acontece em vários países europeus estudados.

O panorama da desinformação em Portugal foi tratado por Filipe Pardal, director de operações do Polígrafo, jornal on-line de verificação, e por Inês Narciso, adjunta no gabinete do primeiro-ministro, que depois foi analisado pela equipa da DisinfoLab, uma organização não-governamental independente que estuda o fenómeno na Europa.

O relatório aponta que, “ao contrário de outros países europeus, ainda não foi identificada em Portugal nenhuma grande campanha nacional de desinformação, sistemática e organizada”.

Mas o efeito da desinformação, muita dela importada, é visível nas redes sociais, que “são dominadas por partidos ‘mais pequenos e mais radicalizados’, que podem promover campanhas de desinformação no futuro, com um impacto considerável no ambiente digital”.

O problema da desinformação, segundo o estudo, é agravado no caso português, por três vulnerabilidades: as dificuldades financeiras dos media, a precariedade dos jornalistas e o crescente desinteresse dos cidadãos pelas notícias.

O relatório apresenta ainda alguns dos casos mais emblemáticos registados em Portugal, como o episódio em que, durante a campanha eleitoral de 2019, um homem acusou o primeiro-ministro de estar de férias quando aconteceram os incêndios de Pedrógão Grande, em 2017, a que António Costa reagiu irado. E esta foi eleita a mentira do ano de 2019 pelo Polígrafo.

A extrema-direita chegou ao parlamento português em 2019, com a eleição de um deputado do Chega, André Ventura, e, concluem Filipe Pardal e Inês Narciso, desde então, a "estratégia deliberada” de lançar “a desinformação para a praça pública portuguesa tem sido mais ou menos evidente”.

Em 2022, o Polígrafo “atribuiu a ‘mentira nacional do ano’ às imprecisões e falsidades de André Ventura e da sua equipa parlamentar”: “André Ventura faltou à verdade, foi impreciso e tirou do contexto informações cerca de 50 vezes (no Facebook, no Twitter, em entrevistas, debates e na Assembleia da República).”

Um exemplo? A falsa notícia sobre "milhares de inscritos na JMJ desaparecidos", no rescaldo da Jornada Mundial de Juventude, com o papa Francisco, em Agosto de 2023, e partilhada com um grafismo idêntico ao da Rádio Renascença.

Outro caso de desinformação em Portugal foi o de uma publicação nas redes sociais que apresentava o país como o 33.º país mais corrupto do Mundo no Índice de Percepção de Corrupção de 2022, culpando os políticos e apelidando o país de “paraíso fiscal”. Na realidade, o país estava entre os 33 menos corruptos numa lista encimada pela Dinamarca (menos corrupto) e com a Somália em último.