Em Gaza, as fileiras de mortalhas brancas simbolizam o número crescente de civis mortos

Os mantos brancos estão por todo o lado em Gaza à medida que a guerra se agrava. Cobrem os mortos e ostentam mensagens de luto. São doados pelos Estados árabes, mas começam a não ser suficientes.

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Mohammed Abu Mussa, um voluntário da sociedade Keratan, que prepara os cadáveres para o enterro, escreve um nome numa mortalha branca que cobre o corpo de um palestiniano morto num ataque israelita a 28 de Dezembro Reuters/IBRAHEEM ABU MUSTAFA
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Um voluntário da sociedade Keratan, que prepara os cadáveres para o enterro envolvendo-os numa mortalha branca Reuters/IBRAHEEM ABU MUSTAFA,Reuters/IBRAHEEM ABU MUSTAFA
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Mohammed Abu Mussa, um voluntário da sociedade Keratan, que prepara os cadáveres para o enterro, escreve um nome numa mortalha branca que cobre o corpo de um palestiniano morto num ataque israelita a 28 de Dezembro Reuters/IBRAHEEM ABU MUSTAFA
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Um gato ao lado dos corpos de palestinianos mortos num ataque israelita no hospital Abu Yousef Al Najjar, em Rafah, no sul da Faixa de Gaza, a 29 de Dezembro Reuters/MOHAMMED SALEM
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Pessoas de luto comovem-se ao lado dos corpos de palestinianos mortos num ataque israelita no hospital Abu Yousef Al Najjar, em Rafah, no sul da Faixa de Gaza, a 29 de Dezembro Reuters/MOHAMMED SALEM
Israel
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Uma pessoa de luto chora ao lado dos corpos de palestinianos mortos em ataques israelitas no hospital Nasser em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, a 23 de Dezembro Reuters/STAFF
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O palestiniano Mohammed al-Akhras chora junto aos corpos da sua filha Jana e da sua mulher, que foram mortas por ataques israelitas em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, a 26 de Outubro Reuters/MOHAMMED SALEM

"A minha vida, os meus olhos, a minha alma", escreve um marido no lençol branco que envolve o corpo da sua mulher depois de a guerra que devastou Gaza lhe ter tirado a vida. Um filho enlutado escreve: "A minha mãe e tudo", no pano fúnebre que cobre a mulher, uma entre os mais de 21 mil palestinianos mortos no confronto entre Israel e o Hamas.

Nas últimas 12 semanas, o pedaço de pano branco — a mortalha — tornou-se um símbolo das mortes de civis provocadas por Israel, em retaliação pelo facto de o Hamas ter matado 1200 pessoas e feito 240 reféns no seu ataque transfronteiriço de 7 de Outubro, o dia mais mortífero da história de Israel.

Enquanto o território palestiniano enfrenta uma grave escassez de alimentos, água e medicamentos, os mantos brancos utilizadas para envolver os palestinianos mortos continuam a ser abundantes. Nem todos contêm palavras de amor: o caos da guerra é tal que alguns dos mortos não podem ser identificados. Nesses casos, as mortalhas ostentam as palavras "homem desconhecido" ou "mulher desconhecida" e, antes do enterro, são tiradas fotografias e registados dados como a data e o local do ataque, para que os familiares possam identificá-los mais tarde.

Se o conflito se agravar, espera-se que o fornecimento das mortalhas brancas doadas pelos Governos árabes e por instituições de caridade acompanhe a necessidade. Mas há dificuldades devido ao grande número de mortos e, por vezes, há falhas na disponibilidade local das mortalhas. "Os desafios que enfrentamos são muitos, há falta de facas e tesouras de que precisamos para preparar as mortalhas e cortá-las", disse Mohammed Abu Mussa, um voluntário da sociedade Keratan, que prepara os cadáveres para o enterro.

Facas, tesouras e algodão

"Como sabem, há um bloqueio e não há materiais na Faixa de Gaza, por isso temos dificuldade em arranjar facas, tesouras e algodão", disse Abu Mussa, acrescentando que há tantas pessoas a morrer que, por vezes, as mortalhas não são suficientes, tendo por isso de envolver quatro ou cinco pessoas numa só mortalha.

Marwan Al-Hams, director do hospital Abu Yousef Al Najjar, disse que a prevalência das mortalhas significa o sofrimento de Gaza. "O grande número de mártires fez do sudário branco um símbolo desta guerra e tornou-se paralelo à bandeira da Palestina na sua influência e no conhecimento do mundo sobre o significado da nossa causa", disse.

A cobertura branca remonta ao profeta Maomé, que encorajou os seus seguidores a usarem roupas brancas e a envolverem os mortos em branco. As mortalhas são doadas e vêm embaladas com uma barra de sabão, perfume, algodão e eucalipto para a preparação dos corpos para o enterro, disse à Reuters um médico de um hospital na cidade de Rafah, no sul do país.

Um funcionário do Ministério da Saúde de Gaza disse à Reuters que as mortalhas são fabricadas com material têxtil ou de nylon. As de nylon são fabricadas em branco e preto, mas o branco é a cor tradicional e é a preferida.

Cenário caótico

Em Gaza, quando alguém morre, um parente vai ao mercado e compra um kafan — o nome local da mortalha. Mas para Abdel-Hamid Abdel-Atti, um jornalista local, o processo do luto em Gaza aconteceu em tempo de guerra, no meio de cenas de caos e devastação, com os corpos de seis dos seus entes queridos, incluindo a mãe e o irmão, a serem retirados dos escombros.

Os seis foram mortos num ataque israelita ao campo de refugiados de Al-Nuseirat, no centro da Faixa de Gaza, a 7 de Dezembro. O ataque destruiu o edifício onde dormiam. Descrevendo o procedimento como a experiência mais dolorosa da sua vida, obteve mortalhas de um hospital e enrolou-as à volta dos corpos dos seus familiares.

"O primeiro que fiz foi o meu irmão, os restantes vieram embrulhados em cobertores e eu pedi-lhes que não os tirassem. Coloquei as mortalhas por cima dos cobertores e amarrei-as cuidadosamente, antes de me despedir deles", disse Abdel-Atti à Reuters: "Enquanto os envolvia nas mortalhas, perguntei-me qual seria a sua culpa... Porque é que Israel os matou enquanto dormiam em paz?"

A única consolação, disse, é que os seus familiares vão para o céu. "O branco lembra a paz, lembra a calma. Faz parte da nossa tradição e crença e, com as mortalhas brancas, é como se estivéssemos a pedir a Deus que remova e limpe todos os seus pecados e os aceite no céu", disse Abdel-Atti.

Questionado sobre quanto o risco de morte o preocupava, o jornalista respondeu: "Cada um de nós tem medo. Com o cair da noite, as pessoas sentem-se como se estivessem numa jaula fechada e cada um espera a sua vez de morrer."