Caso das gémeas: Lacerda Sales confirma reuniões com Nuno Rebelo de Sousa

Ex-secretário de Estado da Saúde revelou ao Expresso que tomou conhecimento do caso das gémeas “em reunião com Nuno Rebelo de Sousa”. Lacerda Sales nega ter contactado o Hospital de Santa Maria.

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António Lacerda Sales, antigo secretário de Estado da Saúde LUSA/RODRIGO ANTUNES
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António Lacerda Sales, antigo secretário de Estado da Saúde, revelou em entrevista ao Expresso que tomou conhecimento do caso das gémeas luso-brasileiras com atrofia muscular espinal (AME) numa reunião com Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente da República. Depois de ter prometido responder “em sede própria” sobre o seu alegado envolvimento no caso do acesso das duas crianças ao medicamento Zolgensma assim que obtivesse documentação que lhe permitisse avivar a memória, foi ao semanário que o ex-governante optou por falar.

“Tomei conhecimento deste caso no dia 7 de Novembro de 2019, em reunião com Nuno Rebelo de Sousa, a seu pedido”, disse Lacerda Sales. Rebelo de Sousa, acrescentou o antigo governante, pediu a audiência ao seu gabinete “com o objectivo de apresentar cumprimentos”, dado que não se conheciam à data.

“Disse-me que conhecia duas crianças luso-brasileiras com AME, com perto de um ano, e que seria importante ‘fazerem’ um medicamento (Zolgensma) até cerca dos dois anos. Não me deu conta que haveria um processo paralelo do ponto de vista formal, que tinha havido contactos com a [Hospital de Dona] Estefânia, com a Casa Civil, que esse contacto tinha ido para o gabinete do primeiro-ministro e para o Ministério da Saúde”, recorda. “Também não falou que haveria intenção de uma consulta no sector privado ou de, eventualmente, passar para o sector público para poderem ser incorporadas nalgum ensaio clínico”, acrescentou.

À exposição do caso, que diz ter sido pautada por “muita generosidade e sentido humanista”, Lacerda Sales diz ter respondido “que trataria este caso como todos os outros, sem privilégio”.

Lacerda não afasta intervenção do gabinete

O ex-secretário de Estado da Saúde reiterou ao Expresso nunca ter marcado “nenhuma consulta”, nem feito “nenhum telefonema” ou outro tipo de contacto para o Hospital de Santa Maria no seguimento do encontro com Nuno Rebelo de Sousa (que voltaria a falar-lhe do caso num segundo momento), e negou ter recebido qualquer documentação relativa ao processo clínico das gémeas.

Em causa está um tratamento para a AME que custa quatro milhões de euros, o Zolgensma, a que as duas crianças tiveram acesso em 2019 no Santa Maria, num quadro de suspeitas de favorecimento levantado por uma reportagem da TVI.

A 8 de Dezembro, o PÚBLICO noticiou que terá sido Luís Pinheiro, então director clínico do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, que solicitou a Ana Isabel Lopes, directora do departamento de pediatria, para falar com a médica responsável por acompanhar crianças com AME naquele hospital, a fim de marcar uma consulta para as gémeas luso-brasileiras, que estavam, na altura, numa lista de crianças não-residentes — alegando, tal como acabou por ficar registado no historial clínico das crianças, que o pedido vinha do gabinete de Lacerda Sales.

Ao Expresso, Lacerda Sales diz ter “a certeza” de que não intercedeu no caso, mas não afasta a possibilidade de uma comunicação oriunda do seu gabinete: “Assumo as responsabilidades do que possa ter ocorrido no meu gabinete, com ou sem o meu conhecimento.” O ex-secretário de Estado diz não se recordar de ter dado uma indicação nesse sentido à sua secretária ou ao seu chefe de gabinete.

“Se alguma coisa ocorreu, teve um único objectivo: salvar duas crianças”, disse o ex-governante, que admite ainda recorrer aos tribunais para se defender de “calúnia” e “difamação”.

PS chumbou audição de Lacerda e de Rebelo de Sousa

A entrevista de Lacerda Sales é publicada na mesma semana em que o Partido Socialista chumbou os pedidos da Iniciativa Liberal para que a ex-ministra da Saúde Marta Temido, o antigo secretário de Estado da Saúde e Nuno Rebelo de Sousa fossem ouvidos no Parlamento no caso das gémeas.

A IL, tal como o Chega, vão, no entanto, forçar, através do mecanismo da audição potestativa, a deslocação à Assembleia da República de Lacerda Sales, bem como do ex-presidente e da actual presidente do conselho de administração do Hospital de Santa Maria, e ainda do presidente do Infarmed.

O caso já motivou a abertura de uma investigação contra desconhecidos por parte do Ministério Público, um processo da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde e uma auditoria interna no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte.

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