Shreyansh Jain ficou em êxtase, em Março, quando pegou no seu primeiro veículo eléctrico: um Tesla Model Y de 2023, novinho em folha. “Ficámos muito felizes!”, disse Jain, um engenheiro electrónico em Cambridge, Inglaterra.
A sua exuberância sofreu uma “paragem brusca” logo um dia depois, com 185 quilómetros no conta-quilómetros, disse Jain à Reuters. Enquanto conduzia com a mulher e a filha de 3 anos, perdeu subitamente o controlo da direcção ao fazer uma curva lenta no seu bairro. A suspensão dianteira direita do veículo tinha caído e partes do carro rasparam ruidosamente a estrada quando parou.
“Elas ficaram absolutamente petrificadas”, disse Jain sobre a sua mulher e filha. “Se estivéssemos numa auto-estrada, a 120 km/h, e isto tivesse acontecido, teria sido catastrófico.”
A complexa reparação exigiu quase 40 horas de trabalho para reconstruir a suspensão e substituir a coluna de direcção, entre outras reparações, de acordo com uma estimativa detalhada do arranjo. O custo: mais de 11 mil libras (mais de 12.700 euros). A Tesla recusou-se a cobrir as reparações, atribuindo o acidente a danos “anteriores” na suspensão.
Jain é um entre dezenas de milhares de proprietários de Teslas que sofreram falhas prematuras de peças da suspensão ou da direcção, de acordo com uma análise da Reuters de milhares de documentos da Tesla. As falhas crónicas, muitas delas em veículos relativamente novos, datam de há pelo menos sete anos e estendem-se por toda a gama de modelos da Tesla e por todo o mundo, da China aos Estados Unidos e à Europa, de acordo com os registos e entrevistas com mais de 20 clientes e nove antigos gestores ou técnicos de assistência da Tesla.
Há anos que os problemas individuais de suspensão ou direcção dos Teslas são discutidos na Internet e nas notícias. Mas os documentos, que não foram divulgados anteriormente, oferecem a visão mais abrangente até à data sobre o âmbito dos problemas e a forma como a Tesla lidou com o que os seus engenheiros chamaram internamente de “falhas” e “fracassos”. Os registos e as entrevistas revelam pela primeira vez que o fabricante de automóveis sabe há muito mais tempo sobre a frequência e a extensão dos defeitos do que revelou aos consumidores e aos reguladores de segurança.
Os documentos, datados entre 2016 e 2022, incluem relatórios de reparação dos centros de assistência da Tesla a nível mundial; análises e revisões de dados por engenheiros sobre peças com elevadas taxas de avaria; e memorandos enviados aos técnicos a nível mundial, instruindo-os a dizer aos consumidores que as peças avariadas nos seus automóveis não estavam defeituosas.
Nem a Tesla nem o seu principal executivo, Elon Musk, responderam a perguntas pormenorizadas para este artigo. Musk reconheceu alguns problemas de qualidade de construção com os Teslas no passado, particularmente o Model 3 de entrada de gama. Mas também diz que os seus carros não têm rival.
“Fazemos os melhores carros”, disse ele sobre a Tesla num evento do New York Times no mês passado. “Quer me odeiem, gostem de mim ou sejam indiferentes, querem o melhor carro ou não querem o melhor carro?”
A forma como a Tesla lida com as queixas de suspensão e direcção reflecte um padrão no império corporativo de Musk de ignorar preocupações sobre segurança ou outros danos levantados por clientes, trabalhadores e outros, à medida que se apressa a lançar novos produtos ou a expandir as vendas, descobriu a Reuters.
Uma investigação da Reuters, em Novembro, documentou pelo menos 600 feridos no construtor de foguetões SpaceX, onde os funcionários descreveram uma cultura de apressar projectos perigosos com pouca consideração pelas preocupações de segurança dos trabalhadores. E, em Julho, a agência noticiosa revelou como a Tesla tinha criado uma equipa secreta para suprimir milhares de queixas de clientes sobre a fraca autonomia das baterias. O relatório, que revelou que a Tesla manipulou um algoritmo para inflacionar as estimativas de autonomia dos seus automóveis no painel, deu origem a uma investigação federal. No final do ano passado, a Reuters expôs a forma como experiências apressadas na empresa de Musk, a Neuralink, resultaram no sofrimento desnecessário e na morte de animais de laboratório, apesar das objecções dos trabalhadores que procuravam protegê-los.
Nem Musk nem nenhuma das suas empresas comentaram estas reportagens. Mas recentemente atacou os críticos da sua empresa de comunicação social, X, anteriormente Twitter, que viu as suas receitas e o seu valor de mercado cair a pique desde que Musk comprou a empresa por 44 mil milhões de dólares (40 mil milhões de euros ao câmbio de há cerca de um ano). No evento ao vivo do Times, ele foi atrás dos anunciantes que boicotaram a X por causa do apoio de Musk a uma publicação anti-semita. “Vão-se lixar”, disse o multimilionário às empresas que retiraram o investimento.
Ao contrário dos fabricantes de automóveis tradicionais, que recorrem a concessionários independentes para vender e reparar os veículos, a Tesla vende directamente aos clientes e é proprietária e opera uma grande parte dos seus centros de assistência. Isso dá ao fabricante de automóveis uma visibilidade extraordinariamente detalhada e em tempo real das falhas de peças, reparações e pedidos de garantia, que os engenheiros da Tesla acompanharam e analisaram meticulosamente durante anos, segundo os registos da empresa.
No entanto, a empresa negou alguns dos problemas de suspensão e direcção em declarações aos reguladores dos EUA e ao público — e, de acordo com os registos da Tesla, procurou transferir alguns dos custos de reparação resultantes para os clientes.
Peças com defeitos inexplicáveis
A Tesla atribuiu a responsabilidade pelas falhas frequentes de várias peças aos proprietários de automóveis da Tesla, alegando que estes abusaram dos veículos, de acordo com entrevistas com antigos gestores de serviços, registos da empresa e uma carta de 2020 da Tesla à Administração Nacional de Segurança do Tráfego Rodoviário dos EUA (NHTSA, na sigla original). Noutros casos, o fabricante cobrou aos clientes com carros fora da garantia para substituir peças que os engenheiros da Tesla chamavam internamente de defeituosas ou que sabiam que tinham altas taxas de falha. Os engenheiros ordenaram repetidas remodelações de várias peças e discutiram a possibilidade de pedir o dinheiro de volta aos fornecedores devido aos defeitos.
Os registos revelam problemas persistentes com as ligações da suspensão, como os braços de controlo superiores e inferiores e as ligações dianteiras e traseiras. Estas peças são relativamente baratas para a Tesla e, em grande medida, invisíveis para a maioria dos consumidores. Mas desempenham um papel fundamental na ligação segura do eixo e das rodas de um automóvel à carroçaria e ao sistema de direcção.
Duas peças mais complexas e dispendiosas também falharam com frequência: os semieixos — os eixos de tracção esquerdo e direito — e as cremalheiras de direcção, que muitas vezes precisavam de ser substituídas após falhas repentinas na direcção assistida que, segundo alguns proprietários de Tesla, quase causaram acidentes. Um condutor disse numa entrevista que o seu novíssimo Model Y de 2023 deu um solavanco para a direita quando a direcção assistida falhou subitamente a alta velocidade, quase atirando o veículo numa vala.
Pelo menos 11 condutores disseram à Tesla que um acidente foi causado por uma falha na suspensão, na direcção ou no conjunto das rodas, segundo os registos da empresa. Essas reclamações de acidentes, que não foram relatadas anteriormente pela comunicação social, foram registadas pela equipa da Tesla entre 2018 e 2021 e atribuídas a engenheiros ou técnicos para revisão.
Em Abril de 2021, o proprietário de um Model 3 de 2020, com menos de 25 mil quilómetros no odómetro, foi a um centro de reparações da Tesla em Brooklyn, Nova York, após um acidente. O resumo do técnico: “A roda dianteira caiu durante a condução em Autopilot a 100 km/h”, referindo-se ao sistema de condução automatizada da Tesla. O carro destruído foi vendido, sem a roda dianteira, em Novembro de 2021, mostram os registos de um leilão.
No mês seguinte, outro proprietário de um Model X, também de 2020, em Madrid, relatou a queda de uma roda durante a condução, mostram os registos. Nenhum dos condutores é identificado nos documentos, que também não detalham como a Tesla respondeu.
Felizmente, o colapso da suspensão do carro de Jain ocorreu a baixa velocidade. No entanto, foi chocante num carro que ele possuía há menos de 24 horas. O fabricante disse-lhe que o colapso da suspensão foi causado pela separação de um braço de controlo inferior do eixo da direcção, que se liga ao conjunto da roda.
Jain esperava que a Tesla cobrisse os danos. Afinal, um representante da Tesla Service enviou uma mensagem de texto a Jain informando que uma inspecção inicial não encontrou “qualquer indício de danos externos” que causassem o incidente e deu a entender que a Tesla pagaria as reparações, de acordo com uma cópia que Jain forneceu à Reuters.
Cerca de uma semana depois, a Tesla enviou a Jain uma carta negando a responsabilidade, dizendo que tinha inspeccionado o veículo e determinado que a causa era “um dano anterior influenciado externamente na suspensão dianteira direita”.
Jain disse que fora o único condutor do carro e durante um único dia e que não tinha tido qualquer acidente antes da falha da suspensão. Pensava: “Raios partam, como é que o metal pode partir-se assim quando tenho a certeza de que o carro não bateu em nada?”, afirmou.
A reparação demorou cerca de três meses. Jain pagou uma franquia de cerca de 1000 libras (1155€) para que o trabalho fosse coberto pela sua companhia de seguros, que, após o sinistro, aumentou drasticamente o prémio num outro carro que possuía, disse ele.
Farto da provação, Jain vendeu o Tesla reparado, perdendo mais de dez mil libras (em torno de 11.560 euros) entre a compra e a venda: “Perdi totalmente a confiança no carro”, justificou.
Recolha de peças na China, mas não nos EUA
Os registos da Tesla revelam o conhecimento alargado da empresa sobre problemas sistémicos de suspensão e direcção, mesmo quando a empresa negou alguns dos mesmos problemas aos reguladores e aos clientes que esperavam que a empresa pagasse as reparações. Uma parte especialmente problemática era a ligação à retaguarda.
Uma série de falhas na suspensão em 2016 na China tem semelhanças impressionantes com o incidente com o carro de Jain sete anos depois. Alguns dos primeiros clientes da Tesla na China disseram ao fabricante de automóveis que uma roda dianteira tinha caído ao rolar a baixa velocidade no seu carro desportivo de luxo Model S, o primeiro veículo produzido em massa pela Tesla.
O braço de suspensão em liga de alumínio partiu-se, descobriram os engenheiros da Tesla, de acordo com os registos da empresa que documentaram meia dúzia de incidentes desse tipo. Entre 2016 e 2020, a Tesla resolveu cerca de 400 reclamações envolvendo falhas na suspensão traseira, na China, de acordo com um ex-funcionário da Tesla com conhecimento directo do assunto. A empresa arranjou carros dentro da garantia ou fazendo os chamados reparos de boa vontade para veículos fora da garantia, disse o ex-funcionário. A Tesla redesenhou a peça quatro vezes porque as revisões iniciais não resolveram totalmente o problema, segundo os registos do fabricante de automóveis.
“O colapso da suspensão é aterrador para o cliente”, escreveu em 2016 Riccardo Dong, um engenheiro da Tesla na altura sediado na China, na plataforma de resolução de problemas da empresa. “Muitos proprietários estão a pedir uma recolha.” Dong não respondeu a um pedido de comentário.
A Tesla adiou um recall por mais quatro anos, até que os reguladores chineses exerceram pressão. A Administração Estatal para a Regulação do Mercado da China, numa declaração, citou um “risco de acidentes” em casos extremos de falha da peça da ligação traseira. No entanto, o fabricante de automóveis nunca fez a recolha da peça nos Estados Unidos e na Europa, apesar dos relatos de falhas frequentes a nível mundial.
A Tesla disse aos reguladores norte-americanos que as falhas foram causadas por “abuso do condutor”. A empresa também instruiu os centros de serviço, num memorando de “pontos de discussão” de Fevereiro de 2019, a usar a mesma explicação com os clientes que apresentavam falhas na suspensão traseira. Eles foram instruídos a culpar o “uso indevido do veículo”, como “bater num passeio ou noutra [coisa com um] impacto excessivamente forte”.
A Tesla utiliza os termos “abuso” e “má utilização” nas condições do seu contrato de garantia que permitem ao fabricante recusar pedidos de reparação ou danos.
A Tesla empregou essa estratégia de negar e atrasar, pois os seus custos crescentes de reparos em garantia ameaçavam os lucros da empresa num momento crítico — quando os investidores estavam a examinar as suas perspectivas de longo prazo.
Durante o quarto trimestre de 2018, a Tesla pagou quase 500 dólares (457€) em reparos, em média, para cada Tesla em operação na época, disseram os engenheiros de serviço numa série de memorandos. No total, um memorando de Abril de 2019 observou que o negócio de reparações da Tesla perdeu 263 milhões de dólares (240 milhões de euros) num trimestre devido ao alto volume de garantia e reparos de boa vontade. Para efeito de comparação, isso foi quase o dobro do lucro trimestral da Tesla de 139 milhões de dólares (127 milhões de euros).
Alguns clientes americanos com carros fora da garantia pagaram mais de 1000 dólares (915€) para reparar as ligações traseiras, e os registos da Tesla mostram que muitos clientes europeus ficaram frustrados com o pagamento de substituições. A garantia básica da Tesla nos EUA tem a duração de quatro anos ou 80.000 quilómetros, e a cobertura é semelhante na maioria dos outros mercados.
A Tesla também tem lutado em tribunal para evitar reparações em peças da suspensão, incluindo componentes do conjunto do braço de controlo. O fabricante obteve uma vitória recente numa acção colectiva em potencial alegando que a Tesla estava ciente de que os carros Model S e X, produzidos de 2013 a 2018, tinham um “defeito de suspensão”, mas recusou-se a cobrir os custos do reparo, mesmo para veículos ainda sob garantia. Um juiz federal na Califórnia indeferiu as reivindicações de um reclamante em Janeiro de 2023, determinando que ele não conseguiu mostrar que a Tesla “sabia ou deveria saber” de um suposto defeito no seu carro.
O processo de acção colectiva, no entanto, não citou os registos da Tesla que a Reuters analisou para este artigo. Os outros dois queixosos rejeitaram voluntariamente as suas reivindicações, o que poderia permitir-lhes voltar a apresentar um caso semelhante mais tarde.
A Tesla teve nove recalls nos Estados Unidos para problemas de direcção e suspensão desde 2018, mostram os registos da NHTSA. A maioria afectou um número relativamente pequeno de veículos. A maior foi em 2018, para substituir os parafusos da cremalheira da direcção em mais de 70.000 Model S, devido ao risco de a corrosão poder causar a perda da direcção assistida.
Os engenheiros da Tesla ainda estavam a examinar as falhas do elo de popa em 2022, segundo os registos da empresa. Em Fevereiro desse ano, uma análise de dados da empresa observou que as múltiplas revisões da peça, ao longo de vários anos, tinham finalmente corrigido todas as “falhas principais”.
Anteriormente, em Abril de 2019, o engenheiro de suporte ao produto da Tesla com sede na Holanda, Ralf van Gestel, apresentou os resultados de uma análise sobre o problema do estabilizador da coluna de direcção. Descobriu que a Tesla gastou cerca de 4 milhões de dólares (3,6 milhões de euros) em reparações na suspensão dos modelos em garantia S e X, a nível mundial, nos 12 meses anteriores. As avarias no eixo traseiro, frequentemente em automóveis com menos de dois anos, representaram a maior parte, 1,3 milhões de dólares (quase 1,2 milhões de euros).
Nos 12 meses anteriores à análise de Van Gestel, a Tesla havia substituído cerca de 11 mil peças, cerca de dois terços delas sob garantia, mostraram os dados reunidos pelo engenheiro.
Em Setembro de 2020, os engenheiros da Tesla na Europa examinaram o longo historial de falhas nas ligações traseiras. Valentin Oetliker, um engenheiro e estagiário da empresa sediado em França, mostrou-se alarmado com o facto de a peça ter uma “elevada taxa de avarias”, apesar de ter sido redesenhada. Numa análise escrita para outros engenheiros, observou que muitos clientes estavam insatisfeitos por pagarem as reparações em veículos recentes. Na altura, cerca de 5% dos 12.858 Model S e Model X em circulação nos mercados do Sul da Europa e do Médio Oriente tinham necessitado de reparações devido a falhas nesse componente, de acordo com um cálculo da Reuters sobre os dados comunicados por Oetliker, que se escusou a comentar.
Nesse mesmo mês, numa carta de 3 de Setembro de 2020, dirigida aos reguladores norte-americanos, a Tesla negou a existência de quaisquer defeitos nas mesmas ligações que os seus engenheiros tinham determinado serem defeituosas. A empresa disse à NHTSA que não faria o recall da peça para clientes dos EUA, apesar de o ter feito no mês anterior na China.
A empresa disse à NHTSA que tinha recolhido voluntariamente esses componentes sob pressão dos reguladores chineses, embora discordasse da sua avaliação, porque lutar contra eles representava um “fardo pesado”. Na altura, a Tesla procurava aumentar a produção na sua recém-construída Gigafactory de Xangai, que se tornaria a fábrica de veículos eléctricos mais produtiva e rentável do mundo.
Em contrapartida, a Tesla assumiu uma posição firme perante os reguladores dos EUA. “Não há nenhum defeito nos componentes em questão e nenhum risco de segurança associado”, escreveu um advogado sénior da Tesla à NHTSA, culpando novamente os proprietários: “A causa principal do problema é o abuso do condutor.”
A carta citava uma frequência de avarias drasticamente inferior à taxa de avarias de 5% para a ligação à retaguarda nos mercados analisados por Oetliker. Relativamente às ligações à retaguarda e à outra peça que foi recolhida na China, a Tesla disse à NHTSA: “A ocorrência de tais falhas na China (cerca de 0,1%) e noutros locais (menos de 0,05%) continua a ser extremamente rara.”
A NHTSA não ordenou à Tesla que tomasse qualquer medida relativamente às peças que a empresa recolheu na China. A agência não explicou porquê. O regulador de segurança dos EUA, no entanto, tem investigado desde 2020 uma peça de suspensão dianteira semelhante, conhecida como elo dianteiro, e seu risco de quebra, nos modelos S e X. A agência disse que recebeu dezenas de reclamações sobre a quebra da peça, incluindo várias sobre falhas a velocidades baixas.
A NHTSA confirmou à Reuters que estava a investigar o elo dianteiro. A agência também lançou uma investigação sobre falhas na direcção assistida em Julho. A NHTSA recusou mais comentários sobre ambos os inquéritos.
Falhas precoces
Em Julho de 2021, Henrietta Wooten, uma reformada nos arredores de St. Louis, estava a fazer marcha-atrás no seu Model S de 2015, para sair da garagem, quando ouviu um “barulho estridente” e um “grande baque”, disse ela numa entrevista. A roda tinha desmoronado após uma rotura no elo dianteiro que a NHTSA está a investigar. A reparação custou-lhe cerca de 980 dólares (896€).
Em Março, a agência solicitou à Tesla mais informações sobre as falhas do mesmo género, incluindo quaisquer relatos de incêndios relacionados com a quebra da peça. A falha de uma peça deste tipo pode provocar um incêndio se a bateria, que está embutida no chão dos veículos Tesla, raspar o chão, disse Michael Brooks, director executivo do Centro de Segurança Automóvel, um grupo de defesa do consumidor.
As peças da suspensão são fundamentais para a segurança porque uma falha “significa praticamente que o seu carro vai ter algum tipo de perda de controlo e uma probabilidade muito maior de acidente”, disse Brooks numa entrevista.
Os proprietários de Teslas apresentaram cerca de 260 reclamações à NHTSA sobre problemas de suspensão e direcção este ano, em comparação com cerca de 750 para a General Motors e 230 para a Toyota. Isso torna a taxa de reclamação da Tesla muito maior quando se considera o número de veículos GM e Toyota em estrada. A GM tem uma quota de 21% dos automóveis americanos em circulação; a Toyota, 15%. A quota da Tesla é de menos de 1%, de acordo com a empresa de análise de dados Experian.
Quando o engenheiro da Tesla Van Gestel examinou os problemas comuns da suspensão, descobriu que as falhas nos braços de controlo tinham sido a segunda falha mais cara para o fabricante de automóveis nos 12 meses anteriores a Abril de 2019. Os braços de controlo do Model X falharam mais de três mil vezes durante esse período, apesar de uma reformulação da peça.
O engenheiro descobriu que os braços de controlo superiores dianteiros nos modelos S e X eram propensos a falhas precoces, com a maioria das substituições a ocorrerem ao fim de ano e meio ou dois de propriedade, disse ele num relatório para os engenheiros da Tesla. Van Gestel recomendou os “próximos passos”, incluindo “melhorar a qualidade” da peça e “cobrar ao fornecedor” pelas avarias.
Os registos não esclarecem se a Tesla chegou a receber algum dinheiro de volta dos fornecedores. Van Gestel não respondeu a um pedido de comentário.
O problema dos braços de controlo manteve-se durante anos, em toda a gama de modelos da Tesla. O fabricante substituiu os braços de controlo superiores dianteiros em cerca de 120 mil carros em todo o mundo, de Janeiro de 2021 a Março de 2022, de acordo com uma análise da Reuters de registos de reparos incluídos nos documentos da Tesla. A maioria das substituições veio no Model 3, o veículo mais barato da Tesla. Muitas das reclamações dos clientes foram por causa do ruído.
A Tesla pagou a maior parte das reparações nos 120.000 veículos ao abrigo da garantia, mas os proprietários de carros mais antigos tiveram de suportar cerca de 31.000 reparações, segundo a análise da Reuters. Um braço de controlo superior pode custar cerca de 90 dólares (80€) num Model 3 e mais de 280 dólares (255€) num Model X, de acordo com as facturas fornecidas pelos clientes. Isso não inclui a mão-de-obra, que pode custar 200 dólares (180€) por hora ou mais para um técnico da Tesla.
Esses defeitos de suspensão são raros em carros relativamente novos, disse David Friedman, ex-administrador interino da NHTSA sob o Administração Obama. “Certamente não se deve esperar que as suspensões falhem nos primeiros anos de posse de um veículo”, disse Friedman numa entrevista.
Problemas globais
Antigos gestores de serviços e técnicos na Noruega, o país com mais Teslas per capita, disseram em entrevistas que foram inundados com clientes irritados que se queixavam de falhas precoces do braço de controlo. Eles disseram que a tensão aumentou quando o fabricante, a partir de 2017, disse aos funcionários para empurrar o custo das falhas frequentes e repetidas para os clientes para reduzir os custos de garantia e reparo.
Um gerente disse que foi forçado a sair depois de resistir à pressão da empresa para culpar os clientes pelas falhas dos braços defeituosos. “Eu disse: ‘Agora, temos de deixar de dizer asneiras’”, recordou. Um técnico de assistência disse que começou em 2018 e que se demitiu um ano depois por causa do problema. “Não estava a fazer outra coisa senão mudar constantemente os braços de suspensão”, disse.
Um gestor sénior defendeu o esforço da empresa para cortar custos, dizendo que alguns gestores de serviço estavam a fazer reparações na Noruega a um ritmo que “levaria qualquer empresa à falência”.
Os braços de suspensão e as ligações problemáticas eram peças simples e baratas. Mas dois componentes mais complexos e dispendiosos — as cremalheiras da direcção e os semieixos — também falhavam frequentemente nos veículos mais recentes.
Trace Curry teve uma série de problemas com o seu Model X de 2016. Depois de pagar cerca de 110.000 dólares (mais de cem mil euros) pelo automóvel, o cirurgião de Cincinnati teve de substituir os braços de suspensão duas vezes, uma vez ao abrigo da garantia e outra às suas próprias custas. Mais tarde, após o término da garantia de quatro anos, ele pagou cerca de dez mil dólares (cerca de 9000€) a mais do seu bolso por peças de suspensão e eixo de transmissão que falharam, de acordo com as facturas que Curry forneceu à Reuters.
Em 2018, Curry teve que substituir os dois semieixos dianteiros, os eixos de tracção esquerdo e direito que se conectam às rodas, ainda sob garantia. Depois, teve de pagar cerca de 1500 dólares (1370€) no ano passado para os substituir novamente.
Quando as peças da suspensão enferrujam ou se desgastam, o primeiro sintoma pode ser um rangido irritante, frustrando alguns condutores que pagaram somas de seis dígitos por um veículo de luxo que prometia uma aceleração silenciosa e alucinante. Mas, “parece que se está a conduzir um calhambeque dos anos 70”, disse Curry. “O objectivo da alta velocidade é anulado se tivermos medo que as rodas dianteiras caiam se acelerarmos rapidamente.”
A Tesla rastreou reclamações de ruído no novo Model 3 em 2018 e 2019, mostram os registos da empresa. Os centros de reparação lidaram com cerca de 300 casos em que os proprietários que tiveram semieixos ou cubos de roda substituídos relataram uma ampla gama de ruídos estranhos alertando-os para o problema. As queixas incluíam descrições de “cliques”, um “zumbido”, um “estrondo alto” ou um ruído “womp-womp-womp” que aumentava com a velocidade. Nesses 300 casos, a Tesla monitorizou os “dias até à falha”, o número total de dias entre o início da garantia de um veículo novo e a reparação. A média foi de cerca de oito meses.
Quando os semieixos falharam no Model X de Curry, o SUV vibrou muito, especialmente em aceleração. Ele apelidou as múltiplas substituições de “loucura” num carro tão novo: “Já alguma vez ouviu falar de alguém que tivesse de substituir os eixos sem ter tido um acidente?”
Os engenheiros da Tesla ouviram falar muito disso, segundo os registos da empresa. Uma análise de reparações mostrou que a empresa substituiu quase 66 mil semieixos entre Janeiro de 2021 e Março de 2022. Os clientes pagaram por cerca de 10% desses arranjos.
Lars Heykers, um técnico sénior na Bélgica, escreveu num sistema de mensagens da empresa em Setembro de 2021: “Temos um carro que já teve a revisão mais recente dos semieixos há seis semanas e o mesmo problema voltou. Existe outra solução para este problema ou basta substituí-los novamente?”
Mais do que um engenheiro fez questão de dizer que o problema não tinha nada a ver com danos causados pelos clientes. A engenheira Anastasia Skolariki, que estava a resolver reclamações de clientes para a Tesla na Europa, escreveu em Maio de 2020 a outros engenheiros e técnicos que o problema era uma questão de design “e não um comportamento abusivo da parte do cliente”. A empresa precisava cobrir as reparações nos carros sob garantia, disse ela, “não importa quantas vezes o veículo chegue ao serviço com o mesmo problema”. Nem Heykers nem Skolariki responderam aos pedidos de comentários.
Em 2019, um engenheiro da Tesla em Xangai sinalizou uma falha num Model S totalmente novo com 160 quilómetros. O semieixo traseiro esquerdo do carro partiu-se em três pedaços quando o proprietário pisou no acelerador; uma das peças perfurou a unidade de accionamento eléctrico que alimenta o carro.
Outro problema registado nos Teslas novos: falhas súbitas na direcção assistida.
Em Maio, menos de dois meses depois de ter comprado o seu Model Y de 2023, Jamie Minshall sentiu-o dar um solavanco repentino para a direita enquanto conduzia nos arredores de Portland, no Oregon. Apareceu uma mensagem de erro no painel de instrumentos: “Assistência à direcção limitada”, indicando uma perda de direcção assistida. A perda da função de direcção assistida torna o volante mais pesado de manobrar. “Felizmente, consegui travar suficientemente depressa e não fui parar à vala, mas foi bastante assustador”, disse Minshall, que tem nos carros de corrida um passatempo. “Tentou matar-me.” Em Julho, a NHTSA começou a investigar interrupções da direcção hidráulica nos modelos 3 e Y com 2023 como ano de produção.
Mas, entre o final de 2017 e o início de 2022, mais de 400 proprietários do Model 3 ou Model Y reportaram ao fabricante falhas na direcção assistida, de acordo com uma análise da Reuters de mensagens de clientes enviadas por meio do aplicativo de serviço da Tesla. Alguns relataram interrupções de outros sistemas de segurança ao mesmo tempo. As reclamações relacionadas com problemas na direcção dispararam entre o final de 2021 e no início de 2022.
Um proprietário de um Tesla de Charlotte, Carolina do Norte, que não é nomeado nos registos da empresa, relatou ao fabricante a 27 de Dezembro de 2021: “O nosso Model Y começou a balançar” antes que a direcção hidráulica e o controlo de estabilidade parassem de funcionar.
Duas semanas depois, outro proprietário do mesmo modelo, de White Plains, Nova Iorque, disse aos técnicos de serviço: “Não consigo conduzir o carro. Nenhuma das funções eléctricas funciona.”
Quando a NHTSA iniciou a sua investigação sobre a direcção assistida no final de Julho, fê-lo com base em queixas de 12 condutores. A Tesla tinha conhecimento de mais de 30 vezes esse número de reclamações desde 2017 nos modelos 3 e Y, mostram os seus registos.
A NHTSA recusou-se a comentar se a Tesla havia divulgado reclamações de consumidores sobre direcção hidráulica ou incidentes de segurança para a agência.
Andrew Lundeen, de Santa Rosa, Califórnia, estava a conduzir o Model 3 de 2018 da sua mulher, em Agosto, quando passou por cima de uma lomba e perdeu a direcção assistida.
Lundeen contou numa entrevista que um gerente de um serviço de assistência da Tesla lhe disse que um cabo da direcção hidráulica estava corroído. O gerente disse que a causa provável era a lavagem de carros, que ele descreveu como um problema conhecido. Lundeen pagou 4400 dólares (mais de quatro mil euros) para substituir a cremalheira da direcção e uma cablagem.
“Este é o único carro de que já ouvi falar em que uma lavagem de carros pode danificar a cablagem”, recorda-se Lundeen de ter dito ao gerente.
Lundeen disse que ficou tão chocado com a explicação honesta do gerente sobre as falhas das peças da Tesla que a anotou: “Tudo o que vos posso dizer”, disse o gerente da Tesla, “é que não somos uma empresa com cem anos como a GM e a Ford. Ainda não resolvemos todos os problemas.”