Vinhos de família com um sorriso, na Adega Edmun do Vale
A reaproximação às raízes trouxe os Rubial a Valença. Quando o vinho se meteu no caminho, puseram mãos à obra para fazer alvarinhos à prova de tempo, capazes de fazer sorrir uma estátua carrancuda.
O medalhão de pedra, tal como a casa, já lá estava quando a família Rubial comprou a quinta. O edifício data de 1790, segundo a inscrição talhada na ombreira da porta; do elemento escultórico que adorna o seu terraço, não se sabe ao certo. Sobre a identidade, mantém-se também alguma dúvida: será Baco ou Dionísio? Pablo chama a atenção para um detalhe. “Normalmente, um deus do vinho é retratado sorridente, mas reparem como este está zangado.” Está, de facto. Testa franzida, sobrancelhas convergidas, boca escancarada, como quem grita. “Aqui o vinho devia ser muito ácido”, brinca o galego.
Quando Edmundo Rubial, pai de Pablo, comprou a quinta, em 1999, restavam ainda alguns pés de vinha pré-filoxérica, bem como uma ou outra barrica antiga, já sem vinho, pelo que pouco sabem dizer sobre a qualidade do que ali se produzia, mas estimam que tenha sido apenas para consumo próprio. Em 2000 plantaram a vinha, que hoje totaliza seis hectares em modo de produção integrada, de onde produzem perto de 15 mil garrafas por ano, exclusivamente a partir da casta alvarinho.
Os Rubial são de Tui, que fica de frente para Valença, do lado de lá do rio Minho. A quinta na freguesia de São Julião entrou nos planos da família quando Edmundo quis reaproximar-se das suas raízes portuguesas, do ramo da avó paterna, natural de Paredes de Coura. Recuperaram a casa, que estava em ruínas, replicando o que conseguiram a partir de fotografias antigas, e aproveitaram muitas das madeiras, nomeadamente portas, janelas e mobiliário, que permanecem como um testemunho da perenidade daquilo que é bem feito. O que nos leva de novo ao assunto dos vinhos.
Alvarinhos com tempo
“Logo ao início, era claro para nós: queríamos fazer alvarinhos com tempo”, explica Olalla Rubial, irmã de Pablo e enóloga da casa. O pai de ambos passava férias em Cambados, vila piscatória na província de Pontevedra que o Turismo da Galiza descreve como “santuário do marisco e do albariño” – e aí teve a felicidade de “provar os vinhos dos padres, que eram alvarinhos com idade”. “Quando começámos”, continua Olalla, “ele disse-nos, ‘Quero fazer um vinho igual ao dos padres’.”
A primeira colheita data de 2007 e foi lançada em 2009, ano em que inauguraram a adega, instalada dentro das paredes de granito da tal casa setecentista. Importa lembrar que os alvarinhos com idade não tinham ainda ganho o impulso que hoje vão tendo. “Na altura, criticaram-nos muito”, ri-se Pablo. “Agora dizem-nos que tínhamos razão.”
Vinho do ano é coisa que a Quinta Edmun do Val não faz. A colheita mais recente que têm no mercado é o 2019, que estagiou 10 meses em borras finas, com bâtonnage, e um mínimo de ano e meio em garrafa. Já o Grande Reserva ficou 24 meses “sobre lias” antes de passar 10 anos engarrafado. Não é, seguramente, o perfil tradicional de alvarinho, pináculo da frescura e presença de fruta no aroma e no sabor. Os alvarinhos da Edmun do Val apresentam complexidade e elegância, discretos no nariz mas dados a revelar-se à medida que vão contactando com o oxigénio.
Um dos motivos para essa diferença poderá estar na fermentação, feita com leveduras indígenas, aquelas que estão naturalmente presentes nas uvas, por oposição às de origem industrial. “Dá-lhe maior complexidade”, explica Olalla, comparando com os vinhos que produziram antes de adoptar esta prática.
A experimentação em adega é outro traço da família Rubial. “Sempre em pequenos passos, ano após ano, não podemos tomar riscos demasiado grandes”, diz Pablo. Foi assim que chegaram ao Grande Reserva. E ao Ancestral, um pét-nat – espumoso que termina a fermentação em garrafa – cheio de fruta tropical e maçã verde que não é filtrado, característica também assumida como assinatura da casa. “Todo o nosso trabalho está ligado ao contacto com as borras”, explica Olalla. De momento, estão a testar fermentações em barrica de carvalho francês. Resta aguardar.
Para descobrir os vinhos Edmun do Val, há vários recantos – dentro e fora de portas – para as provas comentadas, que têm a companhia de petiscos ao jeito galego, coisas como empanada de pimento e sardinhas ou arroz de choco com tinta – inesperadas, porém de imediata cumplicidade com estes alvarinhos “atípicos”. Tanto melhor se for na companhia dos irmãos, que além de anfitriões generosos são conversadores natos e donos de uma boa disposição que contagia.
Nos rótulos, é dada honra de brasão ao tal deus do vinho. Seja Baco ou Dionísio, aqui ele aparece sorridente. E, com estes alvarinhos, tem bons motivos para tal.
Adega Edmun do Val
Quinta Edmun do Val, Lugar da Torre, São Julião (Valença)
GPS: 41.95, -8.655
Tel.: (+34) 627498706
Web: edmundoval.com
Visitas com prova a partir de 15 euros (3 vinhos e petiscos)
Este artigo foi publicado na edição n.º 12 da revista Singular.
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